POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS
YEUDA AMICHAI
Yehuda Amichai ( hebraico : יהודה עמיחי ; 3 de maio de 1924 - 22 de setembro de 2000) era um poeta israelense. Amichai é considerado por muitos, tanto em Israel como internacionalmente, como o maior poeta moderno de Israel. Ele também foi um dos primeiros a escrever em hebraico coloquial.
Yehuda Amichai nasceu em Würzburg , Alemanha, para uma família judia ortodoxa , e foi criado falando em hebraico e alemão, seu nome alemão era Ludwig Pfeuffer. Amichai imigrou com sua família aos 11 anos para Petah Tikva em Mandato Palestino em 1935, mudando-se para Jerusalém em 1936. Ele freqüentou Ma'aleh, uma escola secundária religiosa em Jerusalém. Ele era um membro do Palmach , a força de ataque da Haganah , a força de defesa da comunidade judaica no mandato Palestina. Como jovem, ele se ofereceu e lutou na Segunda Guerra Mundial como membro do Exército britânico e no Negev na frente do sul na Guerra de Independência israelense.
Yehuda Amichai foi, há gerações, o poeta mais proeminente em Israel e uma das principais figuras da poesia mundial desde meados da década de 1960. (The Times, Londres, outubro de 2000)
Foi premiado com o Prêmio Shlonsky de 1957, o Prêmio Brenner de 1969, o Prêmio Bialik de 1976 e o Prêmio Israel de 1982 . Ele também ganhou prêmios internacionais de poesia: 1994 - Prêmio Malraux: Feira Internacional do Livro (França), 1995 - Prêmio Golden Wreath da Macedônia: Festival Internacional de Poesia e muito mais.
(...) A poesia de Amichai trata de questões da vida cotidiana e de questões filosóficas do significado da vida e da morte. Seu trabalho é caracterizado por ironia gentil e imagens originais, muitas vezes surpreendentes. Como muitos poetas seculares israelenses, ele luta com a fé religiosa. Seus poemas estão cheios de referências a Deus e à experiência religiosa. Ele foi descrito como um poeta filósofo em busca de um humanismo pós- teológico .
Amichai foi creditado com uma "habilidade rara de transformar a situação de amor pessoal, mesmo privada, com todas as suas alegrias e agonia, na experiência de todos, fazendo seu próprio tempo e lugar geral".
Algumas de suas imagens foram acusadas de serem sacrílegas. Em seu poema "E esta é a sua Glória" ( Vehi Tehilatekha ), por exemplo, Deus está esparramado sob o globo como um mecânico sob um carro, tentando fútilmente repará-lo. No poema "Mudança de deuses, as orações permanecem iguais" ( Elim Mithalfim, ha-Tfillot Nisharot la-Ad ), Deus é retratado como um guia turístico ou mágico.
Muitos dos poemas de Amichai foram definidos para a música em Israel e em outros países. Entre eles: o poema Memorial Day for the War Dead foi definido para música para vozes solo, coro e orquestra na Terceira Sinfonia de Mohammed Fairouz. Outros poemas foram estabelecidos pelos compositores Elizabeth Alexander ("Mesmo um punho foi uma vez uma palma e dedos abertos"), David Froom, Mate como Pintscher, Jan Dušek, Benjamin Wallfisch, Ayelet Rose Gottlieb, Maya Beiser, Elizabeth Swedos, Daniel Asia e muito mais.
Mais informações sobre o poeta em: https://en.wikipedia.org/wiki/Yehuda_Amichai
Extraído de
POESIA SEMPRE – Ano 5 – Número 8 – Junho 1997. Revista semestral de poesia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional de Livro. Editor Geral: Antonio Carlos Secchin. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Lamentações aos mortos da guerra
1
O senhor Beringuer — seu filho
caiu no canal que outros escavaram
para navios atravessarem o deserto —
atravessa o caminho da Porta Jafa, a meu lado:
ele emagreceu muito: perdeu
perdeu o peso do filho.
Assim, flutua leve pelas ruelas
e se prende ao meu coração feito finos galhos
desgarrados.
2
Quando menino, fazia-lhe uma papa dourada
de batatas, que amassava.
Depois, morre-se.
É preciso limpar o mesmo vivo
quando volta da brincadeira.
Já para o homem morto,
terra e areia são águas claras,
em que o corpo se lava eternamente
e purifica.
3
O monumento ao soldado desconhecido,
do outro lado. O lado inimigo.
Bom ponto de referência para os artilheiros
do futuro.
Ou então o monumento à guerra, em Londres,
esquina do Hyde Park, enfeitado com um bolo
incrementado e esplêndido: mais um soldado que levanta a cabeça
e um rifle. Mais um canhão, mais uma águia, mais
um anjo branco.
E um creme-bandeira de mármore enorme
entornado do alto
por mão de mestre.
As cerejas açucaradas
e vermelhas demais
já foram engolidas por um glutão de corações. Amém.
4
Achei um velho livro sobre animais,
Brehm, volume II, pássaros:
numa linguagem adocicada, uma descrição da vida dos estorninhos,
tordos e andorinhas. Erros — muitos — uma escrita gótica
antiquada, mas com muito amor.
“Nossos amigos alados” “migra daqui para os países do calor”.
Ninho, ovo tigrado, fina plumagem, o rouxinol,
a cegonha, “os arautos da primavera”,
tordo de peito amarelo.
Data de publicação, 1913, Alemanha,
véspera da guerra, véspera das muitas guerras:
meu bom amigo, morto em meus braços, em seu sangue,
nas areias de Ashdod, 1948, junho.
Meu amigo,
tordo de peito vermelho.
5
Dicky foi ferido
como a torre d´água em Yad Mordkhai.
Ferido. Um furo na barriga. Tudo
escorreu de dentro dele.
Mas ele ficou em pé, assim
no cenário de minha memória,
como a torre de água de Yad Modkhai.
Não muito longe dali, caiu
um tanto ao norte, junto a Hulaiqat.
6
Tudo isso é sofrimento? Não sei.
Eu estava parado no cemitério,
camuflado de homem vivo:
calça marrom e blusa amarela como o sol.
Cemitérios são baratos, requerem pouco.
Até as lixeiras são pequenas, servem para conter
o papel fino que embrulhava as flores da loja.
Cemitérios são coisa polida e disciplinada.
“E jamais te esquecerei”, assim
numa pequena placa de cerâmica, em francês.
Não sei quem é aquele que não esquecerá
que é mais desconhecido do que o morto.
Tudo isso é sofrimento? Acho que sim.
“A construção da pátria será o vosso coração”.
Quanto tempo é preciso continuar construindo a pátria
para estar à frente desta terrível corrida triangular
entre consolo, construção e morte?
Sim, isto tudo é sofrimento. Ainda assim,
deixa um pouco de amor sempre aceso,
como uma pequena lâmpada, no quarto de um bebê dormindo,
sem que ele saiba o que é a luz
nem de onde ela vem, mas que lhe traz
alguma segurança e amor sereno.
7
Dia de recordação dos mortos na guerra: junta
o luto de todas as tuas ao luto da perda deles,
inclusive a perda da amada que te deixou; mistura
sofrimento com sofrimento, conforme faz à memória parcimoniosa,
ao contrair festa, sacrifício e dor, tudo num dia só,
data festiva e de fácil lembrança.
Doce mundo, embebido feito pão
em leito doce para o Deus terrível e sem dentes
“Por trás disso tudo, uma grande felicidade oculta”.
De nada te serve chorar por dentro e gritar por fora.
Por trás disso tudo, uma grande felicidade se oculta, talvez.
Dia de recordação dos mortos. Sal amargo vestido de
menina pequena com flores.
Cordas disposta ao longo do caminho
de um desfile conjunto: vivos e mortos.
Crianças com passos de luto alheio,
como se andassem sobre cacos de vidro.
A boca da flautista permanecerá assim por muitos dias.
Um soldado morto nada por entre pequenas cabeças,
com braçadas de morto, no antigo equívoco que possuem os mortos
sobre o lugar da água viva.
Uma bandeira perde o contato com realidade e voa.
uma vitrine enfeitada com vestidos bonitos de mulher,
em azul e branco. E tudo em
três línguas: hebraico, árabe e morte.
Um animal grande e majestoso agoniza durante a noite,
sob o jasmim, olhando o mundo incessantemente.
Um homem anda na rua — seu filho morreu na guerra —
como uma mulher carregando um feto morto no ventre.
“Por trás disso tudo, uma grande felicidade se oculta.”
1973
Tradução de Berta Waldman, Roney Cytrynpwicz e Tal Goldfajn.
O lugar em que temos razão
Do lugar em que temos razão
jamais crescerão
flores na primavera.
O lugar em que temos razão
está pisoteado e duro
como um pátio.
Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como a lavradura.
E um sussurro será ouvido no lugar
onde houve uma casa
que foi destruída.
Tradução de Nancy Rozenchan
Uma espécie de apocalipse
O homem sob a figueira telefonou para o homem sob a videira.
“Esta noite eles realmente são capazes de vir.
Blinde as folhas, proteja bem a árvore,
chame os mortos de volta, e esteja pronto.”
O cordeiro branco disse para o lobo:
“Seres humanos balem e meu coração dói:
Eles chegarão lá através de baioneta.
No nosso próximo encontro, a questão será debatida.”
Todas as nações (unidas) fluirão para Jerusalém
para ver se a Torá saiu, e entrementes.
Como agora é primavera
colherão flores ao redor.
E baterão a espada em charrua e a charrua em espada
e assim por diante, sem cessar.
Talvez de tanto bater e afiar,
o ferro de guerra desapareça da terra.
Tradução de Nancy Rozenchan
AMICHAI, Yehuda. Terra e paz; antologia poética. Tradução: Moacir Amâncio. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2018. 184 p. 14 x 21 cm.
ISBN 978-85- 69924-45-6. “Tradução direto do hebraico”.
“Afinal, como mostra Yehuda Amichai, antes de nascer e após a morte o ser humano está no campo da totalidade possível. Ou seja, as convenções de tempo e espaço dão lugar à eternidade”. MOACIR AMÂNCIO:
Este é o seu primeiro livro publicado no Brasil!!!
“Metade das pessoas gostam,
metade odeia.
Onde é o meu lugar entre metades tão bem combinadas?”
*
amantes deixam
impressões digitais
Amantes deixam impressões digitais um no outro,
muitas provas, palavras sem fim, testemunhas,
a roupa amassada,
um jornal com a data exata, relógio e relógio,
toda manhã eles desenham o contorno dos seus corpos
como a polícia marca com giz branco
o contorno do cadáver na pista.
Amantes aprisionam um ao outro,
amantes preservam o direito ao silêncio.
Até mesmo se estão separados
eles montam os retratos falados de seus rostos
como a polícia
e fazem a identificação para dizer?: é ele, é ela!
a bomba-relógio judaica
Sobre a minha mesa há uma pedra negra e nela está gravado
/amén, pedaço
sobrevivente de milhares e milhares de pedaços de lápides
/despedaçadas
nos cemitérios judaicos. Eu sei que todos esses pedaços
recheiam agora a grande bomba-relógio judaica
com o resto de pedaços e estilhaços, pedaços das Tábuas da Lei
pedaços dos altares e cruzes e cravos de crucificação enferrujados
com pedaços de utensílios domésticos e sacros, pedaços de ossos,
sapatos, óculos, membros postiços, dentes e dentaduras
latas vazias do veneno destruidor. Tudo isso
recheia a bomba-relógio judaica até o fim dos dias.
Apesar de eu saber de tudo isso sobre o fim dos tempos
esta pedra na minha mesa me dá paz
ele é pedra de toque que ninguém reverte
pedra maior da sabedoria, pedra de uma lápide despedaçada,
ela é mais perfeita do que todas as perfeições.
Pedra do testemunho sobre todas as coisas que existiram desde
/sempre
e de todas as coisas que existirão, pedra do amén e do amor,
amén, amén, que assim seja.
a terra sabe
A terra sabe de onde vêm as nuvens e o siroco*
de onde vem o ódio e de onde vem o amor.
Mas os seus habitantes são confusos, o coração deles está
/no oriente
e o corpo deles no extremo do ocidente. O corpo no ocidente
/e o coração no oriente,
como aves migratórias que perderam o inverno e o verão
começo e fim se lhes perderam e elas voam todos os dia até doer.
A terra sabe ler e escrever
e ela, de olhos abertos. Melhor seria
se ela ignorasse
melhor que fosse cega
e tocasse os filhos sem vê-los.
A terra completa é feito mulher gorda e pesada
e o Estado de Israel, feito moça
flexível e de cintura fina,
tanto uma coisa quanto outra, sexo na terra
Jerusalém é sempre sexo,
ela é sexo que não conhece a satisfação,
ela em desespero se retorce e uiva
pois não acabará até a vinda do Messias. *siroco: vento quente do deserto.
adendo à visão da paz
Não parar depois da destruição das espadas.
Arados, não parem! Continuem a destruir
para fazer delas instrumentos musicais.
Quem quiser fazer guerra novamente
terá de voltar através dos instrumentos de trabalho
Página publicada em março de 2018; página ampliada em agosto de 2019
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