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POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS

TASSO

 

Torquato Tasso (Sorrento, 11 de março de 1544 — Roma, 25 de abril de 1595) foi um poeta italiano, contemporâneo de Ariosto, do século XVI, conhecido pelo poema La Gerusalemme Liberata (A Jerusalém libertada), de 1580, no qual descreve os combates imaginários entre cristãos e muçulmanos, no fim da Primeira Cruzada, durante o Cerco de Jerusalém de 1099. Ele sofria de uma doença mental e morreu poucos dias antes de ser prevista sua coroação como o rei dos poetas pelo Papa. Até o início do século XIX, Tasso continua sendo um dos poetas mais lidos na Europa.

Ver biografia completa na Wikepedia.

 

 

POESIA – 1º. Volume.  Seleção e prefacio de Ary de Mesquita.  Rio de Janeiro: W. M. Jackson Inc., 1952.  392 p.  (Clássicos Jackson, volume XXXVIII) capa dura.

 

 

        EPISÓDIO DE SOFRÓNIA E OLINDO

             
(Tradução de Ramos Coelho)

 

Ele Olindo, Sinfrónia ela se chama;
Da mesma pátria e fé qualquer procede;
Se ela é formosa, ele é modesto; ama,
Quer muito, pouco espera e nada pede;
Nem sabe ou dizer ousa o amor que o inflama;
Ela ou desprezo apenas lhe concede,
Ou não o vê, ou mesmo o não conhece.
Por esta sorte o mísero padece.

Ouve-se entanto a nova, e que se apresta
Em dano dos cristãos atroz ruína.
Ela tão generosa quanto honesta,
O modo de livrá-los imagina.
Se a coragem tal feito lhe admoesta
Ao contrário o pudor virgíneo a inclina;
Vence a coragem, antes, vergonhosa
Se faz, e envergonhada é animosa.

Baixa a vista, de um véu coberto o rosto,
Só, através do povo se encaminha;
Nem quanto é belo oculto nem exposto,
Com modestas maneiras nobre vinha.
Do desalinho e adorno era um composto;
Obra de acaso ou de arte? se amor tinha
Feito coa natureza e o céu propício
Daquele desadorno um artifício.

Ouve-se entanto a nova, e que se apresta
Em dano dos cristãos atroz ruína.
Ela tão generosa quanto honesta,
O modo de livrá-los imagina.
Se a coragem tal feito lhe admoesta
Ao contrário o pudor virgíneo a inclina;
Vence a coragem, antes, vergonhosa
Se faz, e envergonhada é animosa.

Baixa a vista, de um véu coberto o rosto,
Só, através do povo se encaminha;
Nem quanto é belo oculto nem exposto,
Com modestas maneiras nobre vinha.
Do desalinho e adorno era um composto;
Obra de acaso ou de arte? se amor tinha
Feito coa natureza e o céu propício
Daquele desadorno um artifício.

Sem na turba atentar que a nota e admira
Ela passa e ao monarca se apresenta;
Nem porque o veja irado se retira,
Antes o fero aspecto audaz sustenta.
Senhor, ei-la começa, a tua ira
Acalma, e o povo teu enfrentar tenta;
Venho o réu que procuras amostrar-te,
E quem te há ofendido prezo dar-te.

Vendo o ânimo honesto, a inesperada
Luz de tanta beleza altiva e pura,
O rei, quase que a alma subjugada,
Deu à cólera e ao rosto compostura.
Amara-a até, se a condição mudada
Fosse nele, ou mais branda a formosura;
Porém contrários corações não prende
Amor, que de branduras só entende.

Prazer, inclinação e pasmo apenas,
Se não amor, moveram o tirano.
Narra tudo, lhe diz, verás serenas
As iras contra os teus, não temas dano.
Fui eu que executei o furto e engano;
Eu a imagem tirei; eis justamente
Quem procuras, a mim pune somente.

Desta arte, o crime público atraindo
Sobre si ao castigo se oferece.
Oh! magnânima ação que faz mentindo!
Que verdade com ela se parece?
O bárbaro suspenso, tal ouvindo,
Na costumada ira se enfraquece;
Porém cobrando-a logo o rosto fero,
Quem teu cúmplice foi que digas quero.

Não quis da minha glória que fruísse
Ninguém a menor parte; eu fui a autora;
Cúmplice não busquei que me assistisse,
Cúmplice fui eu só, e executora.
Pois caia toda em ti, ele lhe disse,
A minha ira tremenda e vingadora.
E ela: justo é, e assim convinha
Que fosse a pena, como a honra, minha.

A isto o cru tirano enraivecido
Lhe pergunta: onde a imagem foi oculta?
Tudo ficou a cinzas reduzido,
Respondeu ela, e de tal minh'alma exulta.
Dizer ao menos não será ouvido
Jamais que o infiel blasfemo a insulta.
Se o furto buscas ver nunca hás-de vê-lo,
Senhor, porém o réu podes prendê-lo;

Posto não haja aqui nem réu nem crime,
Pois justo é recobrar o que é tirado.
Tal ouvindo na voz a ameaça exprime
O tirano pelo ódio arrebatado.
Que esp'rança de perdão há que te anime,
Alma pura, pensar alevantado?
Em vão amor a cólera lhe apara.
Como em escudo, na beleza rara.

É presa a virgem pudica e formosa,
Que a manda o rei nas chamas dar a vida;
Rasga-lhe o manto e o véu mão impiedosa,
De asp'ras cordas nos braços é cingida.
Sofre ela muda, e a alma, não medrosa,
Sente-se alguma coisa comovida;
Tinge-se o rosto seu de tal alvura,
Que não é palidez, porém candura.

Divulga-se a notícia; o povo em massa
Vem apressado, e Olindo juntamente.
O réu incerto é, certa a desgraça;
Lembra-lhe a amada, e corre diligente.
Mal que no meio a viu da populaça
E pronto o algoz para o mister infando,
Voa, a turba apinhada atropelando,

E brada ao rei: não é a criminosa
Essa, se acaso o diz é por loucura:
Nem pensou em acção tão perigosa;
Como a faria a débil formosura?
Como iludiu os guardas ardilosa?
Como pôde tirar a imagem pura?
Se o fez que o narre. Foi por mim roubada.
Ah! tanto sem que amasse ela era amada!

 

Fui eu, diz ele após, continuando,
Que uma noite subi té onde aceita
Vossa mesquita a luz, e, praticando
Caminho, nela entrei por via estreita.
Estão-me a honra e a morte reclamando,
Minha alma o seu castigo não enjeita;
A prisão, para mim se eleva a flama.

Ergue Sofrónia a vista e humanamente
Com olhos de piedade o considera.
Que vens aqui buscar, pobre inocente?
Que conselho ou furor te desespera?
Acaso crês não bastar eu somente
Para arrostar de um peito a raiva fera?
Ainda um coração possuo forte
Para sofrer sem companhia a morte.

Assim fala ao amante sem que mude
Aquele o pensamento ou se desdiga;
Oh! famoso espectáculo! a virtude
E o amor um propósito afadiga!
Do vencedor o prémio é o ataúde!
A vida do vencido é a inimiga!
Mas quanto mais constantes porfiavam,
Tanto o bárbaro rei mais irritavam.

Julgando este da pena com desprezo
Ser dos réus humilhado e escarnecido,
Ambos se creiam, diz, um e outro preso
Seja, e o prémio recebam merecido.
Aos algozes acena, e o indefeso
Mancebo é por algemas oprimido;
Ficam, das mútuas vistas resguardados.

Já a fogueira preparada estava,
E se incitava a chama adormecida,
Quando por modo tal se lamentava
Olindo à que com ele estava unida:
É este o laço pois que eu esperava
Que juntos nos ligasse em doce vida?
É este o fogo puro dos amores
Que eu cria que nos desse iguais ardores?

 

Outro fogo, outro laço nos prepara,
Não quais dizia amor, a iníqua sorte;
Tanto nos separou dantes avara!
Tanto, cruel, nos casa hoje na morte
Ao menos, já que te condena, ó cara,
A morrer, doce me é ser teu consorte,
Se não no leito, na fogueira; o fado
Teu só choro, feliz morro a teu lado.

Oh! fora a morte vezes mil ditosa,
E o meu martírio por fortuna houvera,
Se, unidos peito a peito, a jubilosa
Alma nos lábios teus deixar pudera!
E se, morrendo juntos, ó formosa,
O teu suspiro extremo recebera!
Tal chorando falou, e respondendo
Ela o aconselha, e meiga vai dizendo:

Outro pensar, amigo, outros lamentos
A ocasião mais elevados pede.
Põe nos pecados teus os pensamentos,
E na paga que Deus aos bons concede;
Sofre em seu nome, e doces os tormentos
Serão; aspira à sempiterna sede;
Olha o céu como é belo, o sol que é vida,
Que nos consola e à glória nos convida.

Nos olhos do infiel borbulha o pranto,
Chora o cristão, porém a voz comprime;
Um desusado e não sabido encanto
No peito do cruel brandura imprime.
Conhece-o ele, e se perturba tanto,
Que se aparta por que não desanime
Su'alma; só, por todos pranteada,
Sofrónia, tu não choras confiada.

Entanto de ar altivo eis um guerreiro
(Tal parecia) ao sítio se aproxima;
No vestuário e armas estrangeiro,
Mostra que chega de distante clima.
Chama os olhos o tigre carniceiro
Que do elmo burnido traz em cima;
Por onde ser Clorinda imaginavam,
Pois é sua divisa, e não erravam.

Esta o engenho e os feminis cuidados
Desprezou desde a tenra mocidade;
Soberba, dar aos dedos delicados
À agulha e fuso creu indignidade;
Fugiu o ócio, e os lares retirados,
Que há nas armas também honestidade;
Tornou o rosto seu rude e orgulhoso,
Porém a pesar disso inda formoso.

Nos anos juvenis coa nívea destra
A domar os cavalos aprendera;
Jogara a espada, a lança, e na palestra,
E na carreira o corpo endurecera;
Depois no monte e selva, em caçar mestra,
Dos ursos e leões atrás correra;
Seguia a guerra e nela combatia
Qual fera, e às feras homem parecia.

Agora do país da Pérsia vinha
Para que à força dos cristãos resista;
Ela que tanta vez vencido os tinha,
Contra eles de novo a lança enrista;
Porém mal que da turba se avizinha
Da morte a cena se lhe ofrece à vista.
Como a curiosidade a punge e incita,
Apressada o ginete precipita.

A multidão se aparta; ela, parando,
Mais de perto nos réus presos atenta;
Nota a débil mulher valor mostrando,
E o forte que se queixa e se lamenta.
Chora o triste bem como a dor provando
Que de outrem compaixão experimenta;
Cala-se ela no céu toda embebida,
Qual se já deste mundo dividida.

Clorinda se enternece, e do seu fado
Movida algumas lágrimas derrama,
Pesa-lhe mais o padecer calado,
Mais que o pranto a mudez à dor a chama;
Para um homem que ali lhe estava ao lado,
Já velho se dirige, e inteira a trama
Da história criminosa quer lhe aponte,
E que o crime dos réus, se o têm, lho conte.

A. tal pergunta o velho respondendo
Lhe narrou brevemente o que sabia;
Ela ouviu e pasmou, logo entendendo
Que em ambos eles culpa não havia.
Roubá-los pois à morte pretendendo
Quanto co rogo e armas poderia,
Corre depressa à chama, e apagá-la
Faz enquanto aos algozes assim fala:

Nenhum de vós no ministério duro
Em que está empenhado se afadigue
Até que eu fale ao rei, e já vos juro
Não temais que por isto vos castigue.
Obedeceram pronto ao ar seguro
E régio que nada há que não obrigue.
Depois a ver o rei dali caminha,
O qual achou que ao seu encontro vinha.

Eu Clorinda me chamo; nomear-me
Certo ouvido terás, senhor, e venho
Para junto contigo aventurar-me
Do reino teu, da nossa fé no empenho.
Manda, e em qualquer empresa hei-de provar-me
Prezo as grandes, as simples não desdenho;
Se em campo aberto, ou no recinto estreito
Dos muros me quiseres, nada enjeito.

Calou-se, e o rei tornou-lhe: que tão triste
País, por longe da Ásia e sol dourado,
Ó virgem gloriosa, acaso existe
Que não saiba o teu nome celebrado?
Hoje que à minha a tua espada uniste
Nada temo, por ela descansado;
Se exército infinito me ajudara
Tamanha confiança não cobrara.

Já mais do que devia me parece
Que tarda Godofredo. Tu ordenas
Que eu te empregue, mas teu valor merece
Empresas que não são de almas pequenas.
Só condigno de ti se te oferece
O mando; será lei tudo o que ordenas.
Assim dizia; entanto ela pagava
Os louvores, e tal continuava:

Estranho julgarás, bem o prevejo,
Ser pela paga a obra precedida,
Mas a bondade tua dá-me o ensejo:
Destes míseros réus te peço a vida.
Peço-te em dom, e se, qual bem o vejo,
A culpa é incerta, a pena é imerecida;

Sinais que tornam ambos inocentes.

Só direi é geral o pensamento
Entre vós que a imagem foi roubada
Pelos cristãos, pois eu não me contento
Com está opinião, e a julgo errada.
Foi o alvitre do mago atrevimento
Contra o céu, contra a nossa lei sagrada,
Que ídolo algum a nós ela consente,
Quanto mais de infiel, descrida gente.

Portanto a Maomé a milagrosa
Obra atribuo; foi por ele feita
Por mostrar que em seus templos odiosa
Religião sofrer sempre rejeita.
Sua arte Ismeno empregue mist'riosa;
A alma a guerra tal só tem afeita;
Nós cavaleiros temos ferro e lança,
Esta é nossa arte e única esperança.

Calou-se; e o rei, ainda que à piedade
Dificilmente e raras vezes cede,
O ânimo dobrou, que o persuade
A razão, e o peso de quem pede.
Tenham vida, responde, e liberdade,
A quem o roga tudo se concede;
Ou seja por justiça, ou por clemência,
Absolvo, e dou a ambos existência.

Livres assim ficaram. Venturoso
Sem dúvida que foi de Olindo o fado;
Desperta o peito dela generoso,
Por tais mostras de amor incendiado.
Vai da fogueira à boda, é feito esposo
De réu, e não da amante só amado;
Com ela quis morrer, e não se esquiva
Sofrónia a que com ele agora viva.

 

 

Página publicada em agosto de 2020

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 
 
 
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