POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS
TOMAŽ ŠALAMUN
Nascimento: 4 de julho de 1941, Zagreb, Croácia. Falecimento: 27 de dezembro de 2014, Liubliana, Eslovênia.
O poeta esloveno Tomaz Salamun foi um dos poetas mais proeminentes da Europa de sua geração e foi um líder da vanguarda da Europa Oriental. No início de sua carreira, ele editou a revista literária Perspektive e foi brevemente preso por acusações políticas. Ele estudou história da arte na Universidade de Ljubljana, onde encontrou a poesia de repente, como uma revelação, descrevendo sua chegada em uma entrevista em 2004 como "pedras do céu".
Šalamun é autor de mais de 40 coleções de poesia em esloveno e inglês. Ele publicou sua primeira coleção, Poker (1966), aos 25 anos de idade. Sua poesia, usando elementos de surrealismo e polifonia, foi influenciada pelo trabalho de Frank O'Hara , John Ashbery , Charles Simic e Charles Baudelaire . Suas coleções de poesia em inglês incluem The Selected Poems de Tomaž Šalamun (Ecco Press, 1998); O pastor, o caçador(Pedernal, 1992); As quatro perguntas da melancolia (White Pine Press, 1997); Feast (Harcourt, 2000), Balada para Metka Krasovec (Twisted Spoon Press, 2001, traduzido por Michael Biggins), Poker ( Ugly Duckling Presse, 2ª edição de 2008, traduzida por Joshua Beckman e Šalamun ),Row! (Arc Publications, 2006), O Livro para Meu Irmão (Harcourt),Bosques e Cálices (Harcourt, 2008, traduzido por Brian Henry), Tem a Mão e Há a Cadeira Árida (Counterpath, 2009), e Nos Trilhos do Selvagem Jogo(Patinho Feio Presse, 2012). Sua poesia foi amplamente antologizada e traduzida em mais de 20 idiomas.
Šalamun ganhou o Prêmio Jenko, os prêmios Prešeren e Mladost, da Eslovênia, e o Prêmio Pushcart. Šalamun e seu tradutor de alemão, Fabjan Hafner, receberam o Prêmio Europeu de Poesia da cidade alemã de Muenster. Ele era bolsista da Fulbright na Columbia University e ensinava ocasionalmente nos Estados Unidos. Quando ingressou no International Writing Program da University of Iowa, conheceu o poeta finlandês americano Anselm Hollo, que mais tarde se tornou um dos tradutores de Šalamun.
Šalamun era membro da Academia Eslovena de Ciência e Arte e viveu em Liubliana, na Eslovênia, até sua morte no final de 2014.
Extraído de
POESIA SEMPRE. ANO 8 . NÚMERO 13 – DEZEMBRO 2000. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000. ISBN85-901646-1-6 Editor Executivo Ivan Junqueira. Ex. bib. Antonio Miranda.
TOMAZ SALAMUN
Cervo
A rocha mais terrível, desejo branco, branco.
Água que surge do sangue.
Que a minha forma aperte, que esmigalhe o meu corpo
para que tudo seja dentro de um: a escória, os ossos, o
punhado.
Bebes-me como se estivesses a extrair a cor da minha alma.
Bebes-me, sorves-me, mosquinha num barco pequenino.
Tenho a cabeça espalhada, sinto como
se formaram as montanhas, como nasceram as estrelas.
Retiraste a tua coroa, ali estou parado.
Olha para o céu. Em ti, que te tinhas derramado e
és meu. Debaixo de nós dois se curvam os telhados
dourados,
folhas de pagode. Moro em enormes bombons
de seda, terno e tenaz. Estou a meter a névoa para
teu alento, teu alento para cabeça divina no meu jardim,
cervo.
Tradução de Mojca Medvedsek
Acquedotto
Devia ter nascido no ano de 1884 em Triste,
no Acquedotto, mas não pude.
Lembro-me duma casa cor-de-rosa de três pisos
no rés-do-chão havia um salão com móveis,
e do meu bisavô, do meu pai
como lia com nervosismo e com muita atenção todas as
manhãs
as notícias da bolsa, como baforava
o fumo da cigarra e calculava com celeridade.
Ao estar já quatro meses na barriga da
minha bisavó houve uma reunião que
pospôs a minha chegada de duas gerações,
anotaram esta decisão, puseram uma folha brilhante
numa capa selada
e enviaram-na para o arquivo de Viena.
Lembro-me que depois desta decisão eu estava a viajar
de volta na direção de alguma coisa luminosa, ali me
viraram
boca para baixo, eu vi um homem alto e mais velho como
resmungava, como media as estantes, pegou alguém
da estante do lado e puxou-o pela cabeça
com bastante força até o respiradouro.
Tinha a sensação de ter sete anos
e que o substituto, o meu avô,
era um pouco mais velho, que tinha nove ou dez anos.
Estava tranquilo, ao mesmo tempo estes acontecimentos
me fizeram estremecer.
Lembro-me de que durante um tempo me sentia fraco,
provavelmente por causa da luz demasiado forte,
mas, mais tarde, os meus pulmões, como se fossem duas
bolsas
se aderiam bem, chegou o dia
no qual atingi o tono adequado e adormeci.
Sabia que o meu corpo estava embaixo
e nos meus sonhos o tinha visto várias vezes.
Era um homem de gestos lentos, com bigode,
toda a vida rapazinho, embora seja bancário.
Tradução de Mojca Medvedsek
Peixe
Eu sou carnívoro, mas planta.
Eu sou Deus e homem em um.
Eu sou uma crisálida. A humanidade cresce de mim.
Eu tenho o meu cérebro completamente derramado, como
uma flor, para poder amar mais. Às vezes mergulho
os dedos dentro e está quente. A gente maliciosa
diz que os outros se afogam
dentro dela. Não. Eu sou uma barriga.
Nela recebo os viajantes.
Eu tenho uma mulher que me ama.
Às vezes estou com medo, penso que ela
me ama mais do que eu a ela, e ponho-me triste e
deprimido. A minha mulher respira como um pássaro
pequeno. O corpo dela descansa-me.
A minha mulher tem medo dos outros convidados.
Eu digo, não, não tenhas medo.
Todos os convidados são um só e para todos nós.
Um fósforo branco de cabeça azul
tem caído na máquina. Sujei as unhas.
Agora estou a pensar o que podia escrever.
Aqui mora uma vizinha. Os filhos dela
fazem muito barulho. Eu sou Deus e os tranquilizo.
À uma vou ao dentista. Doutor Mena,
rua Reloj. Vou bater na porta e vou dizer que
me extraia o dente porque sofro demais.
Estou feliz quando durmo ou escrevo.
Os mestres passam-me de mão em mão.
Isto é necessário. Isto é tão necessário
como o crescimento para as árvores. Uma árvore precisa da
terra.
Eu preciso da terra para não enlouquecer.
Viverei quatrocentos e cinquenta anos.
Rebazar Tarzs vive já há seiscentos anos.
Não sei se foi ele com essa capa branca
porque ainda não os distingo. Quando escrevo,
tenho outra cama. Às vezes derramo-me mais do que
água, porque a água é que ama o mais.
O medo fere a gente. As flores são mais
suaves, se a gente as acaricia com a mão. As flores amam
as mãos. Eu amo tudo. Ontem
sonhei que o meu pai inclinou-se para
Harriet. As outras mulheres assustam-me e
por isso não durmo com elas. Mas a distância entre
Deus e a gente jovem é pequena.
Há sempre só uma mulher em Deus, e essa
é a minha mulher. Não tenho medo que os convidados
me destroçem. Eu posso dar tudo, e ainda voltar a crescer.
Quanto mais dou, mais cresce. Depois vai flutuar
como ajuda para outras criaturas. Num planeta
há o depósito central para a minha carne. Não sei
no qual. Qualquer pessoa que beba daquela coisa será
feliz. Eu sou um tubo. Eu sou Deus porque
amo. Aqui dentro de mim tudo está escuro, nada
fora. Posso iluminar qualquer animal.
As minhas tripas fazem barulho. Quando ouço os sumos
no
meu corpo, sei que estou em graça. Deveria
comer dinheiro noite e dia se quisesse
construir a minha vida e nem isso seria
suficiente. Eu fui criado para
brilhar. O dinheiro é a morte. Saio à varanda.
Dali posso ver toda a paisagem até Dolores
Hidalgo. O tempo está temo e doce como na Toscana.
Mas não é Toscana. Com Metka estamos sentados
e olhamos. O sol desce e nós ainda estamos sentados
e olhamos. As mãos dela são como as de Shakti. Eu tenho
o focinho dum animal egípcio. O amor é
tudo. A corbelha de Moisés nunca
quebrou nas rochas. Da planície
saem cavalinhos. De Sierra sopra
o vento. Eu entro na boca da gente com a cabeça
para a frente e os mato e dou à luz,
mato e dou à luz, porque escrevo.
Tradução de Mojca Medvedsek
Página publicada em junho de 2018
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