CANNON. Moya. Melodias migratórias. Curitiba, PR: Encrenca, 2017. Organização e tradução de Luci Collin. 152 p. 14.5x21 cm. Capa e projeto gráfico: Frede Tizzot. Capa dura. ISBN 978-85-68601-09-9 Ex. bibl. Salomão Sousa.
'Taom'*
The unexpected tide, the great wave, uncontained, breasts the rock, overwhelms the heart, in spring or winter.
Surfacing from a fading language, the word comes when needed. A dark sound surges and ebbs, its accuracy steadying the heart.
Certain kernels of sound reverberate like seasoned timber, unmuted truths of a people's winters, stirrings of a thousand different springs.
There are small unassailable words
that diminish Caesars;
territories of the voice
that intimate across death and generation
how a secret was imparted —
that first articulation,
when a vowel was caught
between a strong and a tender consonant,
when someone, in anguish
made a new and mortal sound
that lived until now,
a testimony
to waves succumbed to
and survived.
*Tsom: Gaelic: na overflowing usually in the contexto of a great wave of emotion.
Hills
My wild hills come stalking.
Did I perhaps after all, in spite of all,
try to cast them off,
my dark blue hills,
that were half the world's perimeter?
Have I stooped so low as to lyricise about heather,
adjusting my love
to fit elegantly
within the terms of disinterested discourse?
Who do I think I'm fooling?
I know these hills better than that.
I know them blue, like delicate shoulders.
I know the red grass that grows in high boglands
and the passionate brightnesses and darknesses
of high bog lakes.
And I know too how,
in the murk of winter,
these wet hills will come howling through my blood
like wolves.
Death,
the breath heavy and short —
a labour, mucky as birth.
My mother, at almost ninety,
must run a marathon.
Three weeks ago,
she made her last pithy retort;
three days ago, she ate a sliced strawberry;
today she cannot drink a sip —
we have pink sponges on sticks to wet her lips.
We, her greying brood, have arrived
in cars, by train, by plane.
Her room is full of stifled mobile phones.
Death's is a private country,
like love's.
TEXTOS EM PORTUGUÊS
Tradução: Luci Collin
'Taom'*
A maré inesperada,
a imensa onda,
incontida, confronta a rocha,
inunda o coração, na primavera ou no inverno.
Emergindo de uma língua esmaecida,
a palavra surge quando necessária.
Um som escuro avança e reflui
e seu esmero estabiliza o coração.
Certos núcleos de som
reverberam como madeira sazonada,
verdades não silenciadas dos invernos de um povo,
centelhas de mil primaveras diferentes.
Há pequenas palavras incontestáveis
que diminuem Césares;
territórios da voz
que revelam através da morre e da geração
como um segredo foi transmitido —
aquela primeira articulação,
quando uma vogal foi apreendida
entre uma consoante forte e uma suave,
quando alguém, na angústia
fez um som novo e mortal
que viveu até agora,
um testemunho
às ondas que sucumbiam
e às que sobreviveram.
*Taom (do gálico): um transbordamento, frequentemente no contexto de uma grande onda de emoção.
Colinas
Minhas colinas selvagens me seguem.
Será que, afinal de contas, apesar de tudo,
cento descartá-las,
minhas colinas azul escuras,
que eram metade do perimetro do mundo?
Me rebaixei a ponto de ser lírico sobre urzes,
ajustando meu amor
para que caiba com elegância
nos termos do discurso desinteressado?
Quern penso estar enganando?
Conheço essas colinas mais do que isto.
Eu as conheço azuis, como delicados ombros.
Conheço a grama rubra que cresce nos pântanos altos
e as passionais claridades e escuridões
dos lagos pantanosos.
E também sei como,
no negror do inverno,
essas colinas úmidas virão uivando pelo meu sangue
como lobos.
A morte,
a respiração pesada e curta -
um trabalho, vil como o nascimento.
Minha mãe, com quase noventa,
deve correr uma maratona.
Três semanas atrás,
ela fez sua última objeção incisiva;
três dias atrás, comeu um morango fatiado;
hoje ela não consegue tomar um gole —
com esponjas presas numa haste molhamos seus lábios.
Nós, sua ninhada grisalha, chegamos
em carros, de trem, de avião.
Seu quarto está cheio de celulares desativados.
E íntimo o território da morte,
como o do amor.
Página publicada em abril de 2018