MIODRAG PÁVLOVITCH
Miodrag Pávlovitch, em alfabeto cirílico Миодраг Павловић (Novi Sad, capital da província de Voivodina, Sérvia, 1928), é um poeta, comumente considerado um dos maiores poetas sérvios do pós-guerra. Estudou em Belgrado, formando-se em medicina, onde posteriormente foi diretor de um teatro e editor de uma revista.
Um tema que ocupa Pávlovitch e muitos outros intelectuais da ex-Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Macedônia, Grécia e Albânia, é a continuidade entre os antigos povos dos Balcãs e seus descendentes modernos. No trabalho de Pávlovitch há referências freqüentes ao passado antigo e medieval. Entre poemas históricos de Pávlovitch estão "Odisej nd Kirkinom ostrvu" (Ulisses na Ilha de Circe), "Eleuzijske Seni"("Sombras elísias"), 'Vasilije II Bugaroubica' (Basílio II Bulgaróctone) e "Kosovo". Tais poemas, na realidade, são alegóricos do tempo presente. Embora os poemas históricos assumam grande importância na sua obra, também escreveu poemas com a voz no presente.
Pávlovitch foi duas vezes nomeado para o Prêmio Nobel de Literatura, e recebeu muitos prêmios literários e honrarias na antiga Iugoslávia e no exterior. Seu trabalho tem sido amplamente traduzido. Ele atualmente vive alternadamente em Tuttlingen (Alemanha) e Belgrado.
Fonte da biografia: wikipedia
PAVLOVITCH, Miodrag. Bosque da maldição. Tradução de Aleksandar Jovanovic. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2003. 126 p.
(Poetas do mundo) Editor: Henryk Siewierski. cm. ISBN 85-230-0732-6 Texto bilíngue Sérvio e Português.Ex. bibl. Antonio Miranda
Este livro está disponível para venda pela internet na Loja Virtual da UnB: https://loja.editora.unb.br/
Adiantamos aqui 3 (três) poemas do livro:
METAMORFOSES
Nós que retornamos da guerra podemos proclamar:
nossa treva é aquela escuridão transparente do bosque
em que matam os heróis pelas costas, junto à fonte,
nossas sombras são cobertores sangrentos
sobre o leito da mundana,
sombra sob o alpendre do palato da serpente,
que a sabedoria de outrora transforma em veneno,
a escuridão de órbitas feridas
que procuram violar a própria irmão
enquanto amaldiçoam a mãe,
sim, nossas mucosas todas coladas,
e entre nós tudo o que nasceu para cantar
geme, ameaça e range
como dentadura em pesadelo.
No cálice de nossas cabeças aninhou-se a semente da
afronta e uma tribo inteira de insetos escuros,
conhecidos dos profetas,
e até a rubra cegueira do inferno é uma espécie de luz
sobre o negro pão de nosso negrume congênito.
E mandaram a santa iluminação
para uma raça destas,
ou para que cegue mais ainda a luxúria com a própria mãe,
para desespero mais profundo e mais cruel.
PRELÚDIO
Ao longo da rua de árvores magras
ao longo da rua de janelas abandonadas
ao longo da rua de asfalto rachado
O vento atirou a noite
sob os pés de suspiro poeirento
e de sapatos embebedados
Vento que arranca cabelo negro
de virgens nuas e infortunadas nos telhados
Paredes crepitam
sonhos rangem
telhas racham-se
clamores tangem
Mulheres jovens deitadas fendidas
uma estrela em cada seio
Cerrem os olhos
o sangue é negro em nossos corações
e agora ele dispõe de sombras e temores
Todas as noites santos são crucificados
quando o outono cerra as portas
e a folhagem fenece
PACIFICAÇÃO
Nas trevas
uma abelha
perfura os olhos
do moribundo
O cego
ergue as mãos
o punho recende
a flor
Um sol miúdo
ingressa pela porta
Sangue escorre pelo vidro
Aviso
aos que enxergam longe
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 29. Ano 15. No. 29. 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Editor: Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626. Ex. bibl. Antonio Miranda
Cronistas e cantadores
Digo à minha pena que continue escrevendo ou inscrevo as letras
Marcando apenas o esqueleto ou as marcas dos acontecimentos
Daquilo que o tempo trança, e não precisa ser caro
à dignidade que tua tribo espera,
nem mesmo à prova de que vida e morte juntos valham qualquer
coisa.
O cronista imagina que é sempre sua a última “narrativa” —
e, afinal, para quem ele escreve tudo ou para quem envia suas
mensagens?
Desde que a primeira letra foi lavrada em nome da narrativa comum
a obrigação de continuar fabulando de um escritor a outro
vai passando, ano após ano a passagem de um século
vai sendo contada, e quando não há nada de novo ou os sinais
da decadência se acumulam, escreves sobre a crueldade
de uma época e a respeito de povos maus-alunos;
Assim pensam os cantadores inclusive quando não é tempo
De canções, doam-se sus vozes, devem
Manifestar-se porque também antes deles
cantava-se diante das igrejas ou sobre o dorso dos cavalos; de povos
cantadores
não se indaga qual é a população ou o volume
da renda bruta; a grandeza medida são
os cantadores e o povo é tão grande quanto
foram celebrados seus heróis. Tudo isto é antiquado, sabe-se
que é porque depende da primeira letra, da primeira página
do grande milagre recostado nos arreios dos decassílabos.
Se é bom ou mau, seque se deve indagar,
| enquanto durar essa escrita. Quando a língua deixar
de preocupar-se com sua canção, não haverá ninguém para
mensurar o valor do passado, nem para listar
o nome dos monastérios que retornaram às nuvens
ao serem chamados pelo antigo sacerdote. Nem haverá quem
busque pátrias submersas na foz.
Página publicada em fevereiro de 2018 - Ampliada em julho de 2018
|