CARTA I (Fragmento)
Podes idealizar um mundo, derrubá-lo, seja lá o que for,
por cima se põe uma pá de terra.
Os pensamentos do que quis ser rei do mundo, palavras
que abarcaram todo o mundo, cabem bem em quatro tábuas.
O cortejo fúnebre atrás de ti viria,
com olhares impassíveis, suntuosa ironia...
E por cima deles todos falaria um fanfarrão
não para glorificar-te, mas para dar brilho a ele,
à sombra de teu nome. Eis aqui o que te espera
além disso... será mais justa a assistência vindoura
se essa gente não te alcança, cres que te admiraria?
Aplaudirão por certo tua escassa biografia,
que tentará provar que não foste coisa tanta,
homens como eles foste... E quem quer que seja se encanta
que não foste mais do que eles. Os narizes ignorantes
de alguns se incham nos congressos importantes
quando se fala de tua obra. Cada um por sua parte,
com irónicos ademanes, pensa louvar-te
e assim, caído nas mãos de qualquer um, te reparam.
Tudo o que não entendem dizem que é coisa má...
Em tua vida buscariam, além de tudo isso,
encontrar maldades, manchas, um escândalo pequeno.
Isso te aproxima deles... Não a luz que deixaste
difundir-se pelo mundo, senão culpas, o pecado,
o cansaço, os deslizes, esquecimentos quaisquer,
que fatalmente reúne um punhado de terra;
os apuros, as misérias de uma alma consumida
Atrai mais do que tudo que foi pensado em tua vida.
Como caem entre muros, das árvores, as flores
e a lua cheia deborda seus tranqúilos esplendores!
Na noite da recordação pinta ânsias com engenho,
sem dor sentimos, como sombras no sonho,
pois em nosso próprio mundo ela abre uma porta
pela qual brotam as sombras que o anoitecer desperta...
Mil desertos centelham em tuas luzes inocentes
e em tua sombra cobre o bosque tanto resplendor de fontes
sobre quantas mil ondas em teu reino te deslizas
pelo mar das imensas solidões movediças!
Todos os que neste mundo são sujeitos da sorte
No teu raio são iguais para o génio da morte!