CARTA I (Fragmento)
Podes idealizar um mundo, derrubá-lo, seja lá o que for,
por cima se põe uma pá de terra.
Os pensamentos do que quis ser rei do mundo, palavras
que abarcaram todo o mundo, cabem bem em quatro tábuas.
O cortejo fúnebre atrás de ti viria,
com olhares impassíveis, suntuosa ironia...
E por cima deles todos falaria um fanfarrão
não para glorificar-te, mas para dar brilho a ele,
à sombra de teu nome. Eis aqui o que te espera
além disso... será mais justa a assistência vindoura
se essa gente não te alcança, cres que te admiraria?
Aplaudirão por certo tua escassa biografia,
que tentará provar que não foste coisa tanta,
homens como eles foste... E quem quer que seja se encanta
que não foste mais do que eles. Os narizes ignorantes
de alguns se incham nos congressos importantes
quando se fala de tua obra. Cada um por sua parte,
com irónicos ademanes, pensa louvar-te
e assim, caído nas mãos de qualquer um, te reparam.
Tudo o que não entendem dizem que é coisa má...
Em tua vida buscariam, além de tudo isso,
encontrar maldades, manchas, um escândalo pequeno.
Isso te aproxima deles... Não a luz que deixaste
difundir-se pelo mundo, senão culpas, o pecado,
o cansaço, os deslizes, esquecimentos quaisquer,
que fatalmente reúne um punhado de terra;
os apuros, as misérias de uma alma consumida
Atrai mais do que tudo que foi pensado em tua vida.
Como caem entre muros, das árvores, as flores
e a lua cheia deborda seus tranqúilos esplendores!
Na noite da recordação pinta ânsias com engenho,
sem dor sentimos, como sombras no sonho,
pois em nosso próprio mundo ela abre uma porta
pela qual brotam as sombras que o anoitecer desperta...
Mil desertos centelham em tuas luzes inocentes
e em tua sombra cobre o bosque tanto resplendor de fontes
sobre quantas mil ondas em teu reino te deslizas
pelo mar das imensas solidões movediças!
Todos os que neste mundo são sujeitos da sorte
No teu raio são iguais para o génio da morte!
POESIA SEMPRE. Minas Gerais. Número 22. Ano 1. Janeiro – Março 2006. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 2006. ISSN 0104-0626. No. 10 827 227 p.
Tradução de LUCIANO MAIA
O LAGO
Dos bosques o Lago azul,
teto de douradas flores,
embala o sonho de um barco
em alvíssimos tremores.
Á sua margem, passeio;
e esperando-a, espreito;
vê-la surgir de entre as flores
e terna vir ao meu peito.
“Saltemos ao barco, então,
e que as ondas nos alentem,
e deixemos que seus remos
sejam ramos indolentes.
Naveguemos docemente
Sob o clarão do luar;
suspire o ventos nos juncos,
ponha-se a água a cantar...”
Mas ela não vem... Sozinho,
debalde sofre de amores,
à margem do lago azul,
teto de douradas flores.
À ESTRELA
Até à estrela que reluz
há uma distância de trespasse;
correu milênios sua luz
para que enfim nos alcançasse.
Talvez há muito já se fora
no longe azul o extinto astro;
porém seus raios só agora
ao nosso olhar mostram seu rastro.
A aura da estrela que morreu
grimpando o céu se faz dar fé;
era, e ninguém a percebeu,
hoje, que a vemos, já não é.
Também assim a nossa dor
na abissal noite se finda.
Porém a luz do extinto amor
os nossos passos segue ainda.
RÉPLICAS
O Poeta,
Tu és uma onda, sou um horizonte,
eu sou uma margem, tu és o mar,
tu és a noite, sou estrela guia...
Amada minha...
A Amada,
Tu és um dia, eu sou um sol,
sou borboleta, tu é a flor,
eu sou um templo, tu és um deus —
Amado meu.
Tu és um rei, sou uma rainha,
eu sou um cáos, tu és uma luz,
sou uma harpa molhada ao vento —
Tu és um canto.
O Poeta
Tu és a fonte, sou um diadema,
eu sou um gênio, tu um problema
olho os teus olhos, te adivinhando
Sei que te amo.
A Amada
Pareço a noite, sou qual segredo,
molhada veste, pálida sombra,
uma canção sublime e quieta —
Amado poeta?
Tudo que é místico, ó bardo amado,
nesta minha alma que por ti arde,
de tudo, todo, o nada é meu —
É tudo teu.
QUANDO AS LEMBRANÇAS
Quando as lembranças do passado
procuram me chamar,
caminho longos e repisado
eu volto a palmilhar.
Sobra a tua casa ainda aparecem
hoje as mesmas estrelas,
que iluminaram tantas vezes
as emoções mais belas.
E sobre as árvores nos prados
desponta a branda lua,
a nos mirar aconchegados,
voz que à voz se insinua.
As nossas alma se juravam
a crença neste amor
quando nos bosques se agitavam
as liláceas em flor.
Pode a paixão ou tanta dor
na noite se extinguir,
enquanto as fontes, num tremor,
não cessam de carpir.
E à lua vai por sobre as frondes,
seguindo a mesma trilha,
quando os teus doces olhos grandes
são uma maravilha?
ASTROS DO CÉU
No céu cintilam
por sobre os mares
ardendo os astros
até que findam.
É um aceno
erguem-se mastros,
movem-se os barcos,
velas ao vento.
Também cidades
vagam à toa
boiando à proa
das vaguidades.
Um bando de aves
segue a incansável
e inumerável
trilha das nuvens.
Vão ao sumiço
sua viagem
é só passagem
apenas isso...
Flor da campina —
a nossa quadra
da mocidade
logo se finda.
E qualquer gozo
voa apressado
afugentado
pelo repouso.
Enquanto eu for,
dobra-te, anjo,
sobre o meu pranto
cheio de amor.
Não é pecado
deixar ao vento
este momento
que nos foi dado?
TENHO AINDA UM DESEJO
Ainda um desejo
tarde a findar
deixai que eu morra
à beira mar.
Um sono calmo
no bosque ameno
vizinho às águas
e ao céu sereno.
Não quero tumba,
não quero flamas,
mas dai-me um leito
de tenras ramas.
Ninguém deplore
minha viagem,
mas traga o outono
voz à folhagem,
enquanto as fontes
caiam constantes
e brilhe a lua
nas altas frondes.
Bata o cincerro
ferindo o ar,
cubra-me a tília
com seu roçar.
Se o peregrino
detém sua andança,
paz e carinho
traz-lhe a lembrança.
Luzes que nascem
das sombras lindas,
sendo-me amigas,
serão benvindas,
e o mar gemendo
seu aspro canto...
Eu serei terra,
sozinho... e quanto!
*
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