POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS
MARIO LUZI
(1914 - 2005)
Mario Luzi nasceu nos arredores do Monte Amiata, passando sua infância na pequena cidade de Castello, na comuna italiana de Sesto Fiorentino, província de Florença. É na cidade de Florença que ele viria a estudar Literatura Francesa, terminando seus estudos universitários com uma tese sobre o trabalho de François Mauriac (1885 - 1970). Estreou como poeta em 1935, com a coletânea de poemas La barca, passando logo em seguida a lecionar em colégios de Parma e Roma. Na década de 40 voltaria a Florença, onde publicou as coletâneas Avvento notturno (1940), Biografia a Ebe (1942), Un brindisi (1946) e Quaderno gotico (1947). Estes livros são por vezes ligados à poesia hermética italiana do período. A publicação de Primizie del deserto (1952) marcaria uma mudança na sensibilidade estética do poeta, contendo muitos dos poemas antológicos do autor, em livros como Onore del vero (1957), Il gusto della vita (1960), Nel magma (1963), Dal fondo delle campagne (1965) e Su fondamenti invisibili (1971). Em 1978 recebeu o "Premio Viareggio" por Fuoco della controversia, já como um dos poetas mais respeitados do pós-guerra italiano, respeito com o qual contaria até o fim de sua longa vida, quando foi eleito Senador vitalício da República Italiana. Publicaria ainda Viaggio terrestre e celeste di Simone Martini (1994) e Sotto specie umana (1999), encerrando sua obra com o volume Dottrina dell'estremo principiante (2004). O poeta morreu em Florença, em fevereiro de 2005.
Fonte da biografia: revistamododeusar.blogspot.com.br
Extraído de
POESIA SEMPRE. Revista Semestral de Poesia.. Ano 3 – Número 6 – Fevereiro 1995. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do Livro. ISSN 0104-0626 Ex. bibl. Antonio Miranda
Alla vita
Amici ci aspetta una barca e dondola
nella luce ove il cielo s'inarca
e tocca il mare,
volano creature pazze ad amare
il viso d'Iddio caldo di speranza
in alto in basso cercando
affetto in ogni occulta distanza
e piangono: noi siamo in terra
ma ci potremo un giorno librare
esilmente piegare sul seno divino
come rose dai muri nelle strade odorose
sul bimbo che le chiede senza voce.
Amici dalla barca si vede il mondo
e in lui una verità che procede
intrepida, un sospiro profondo
dalle foci alle sorgenti;
la Madonna dagli occhi trasparenti
scende adagio incontro ai morenti,
raccoglie il cumulo della vita, i dolori
le voglie segrete da anni sulla faccia inumidita.
Le ragazze alla finestra annerita
con lo sguardo verso i monti
non sanno finire d'aspettare l'avvenire.
Nelle stanze la voce materna
senza origine, senza profondità s'alterna
col silenzio della terra, è bela
e tutto par nato da quella.
À vida
Amigos um barco nos espera em doce embalo
na luz onde o céu se dobra em arco
e toca o mar,
esvoaçam criaturas loucas para amar
o rosto de Deus quente de esperança
de alto a baixo procurando
afeto em cada oculta distância
e choram: nós estamos em terra
mas um dia podemos nos librar
de leve reclinar no seio divino
rosas tombadas dos muros nas vias perfumadas
sobre o menino que as pede sem falar.
Amigos desde o barco avista-se o mundo
e nele uma verdade que procede
intrépida, um suspiro profundo
desde a foz até as nascentes:
a Madona dos olhos transparentes
desce lenta ao encontro dos morrentes,
recolhe o cúmulo da vida, junta as dores
as vontades secretas há anos na face umedecida.
As moças na janela enegrecida
com o olhar voltado p'ra as montanhas
não sabem desistir de esperar o que há de vir.
Dentro dos quartos a voz materna
sem origem, sem profundidade se alterna
com o silêncio da terra, é bela
e tudo parece nascer daquela.
Tradução de Rubens Ricupero
Natura
La terra e a lei concorde il mare
e sopra ovunque un mare più giocondo
per la veloce fiamma dei passeri
e la via
della riposante luna e del sonno
dei dolci corpi socchiusi alla vita
e alla morte su un campo;
e per quelle voci che scendono
sfuggendo a misteriose porte e balzano
sopra noi come uccelli folli di tornare
sopra le isole originali cantando:
qui si prepara
un giaciglio di porpora e un canto che culla
per chi non ha potuto dormire
sì dura era la pietra,
sì acuminato l'amore.
Natureza
A terra e com ela o mar em harmonia
e acima e em toda a parte um mais alegre mar
pela veloz flâmula dos pássaros
e a trilha
da repousante lua e do sono
dos doces corpos entreabertos para a vida
e para a morte sobre um campo;
e por aquelas vozes que descem
fugindo de misteriosas portas e saltam
sobre nós como aves loucas de voltarem
para suas ilhas de origem cantando:
aqui se prepara
um catre de púrpura e um acalanto
para aquele que não pôde adormecer
tão dura era a pedra, tão aguçado o amor.
Tradução de Rubens Ricupero
POESIA SEMPRE - ANO 9 – NÚMERO 15 – NOVEMBRO 2001. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2001. 243 p. ilus. col. Editor Geral: Marco Lucchesi. Ex.bibl. Antonio Miranda
Trad. Ivo Barroso
Porque te reatais, ó luz,
de mim nas coisas vistas
ou ainda mais dentro
naquelas que não vemos?
Finda a história, anulada a pessoa,
ganho ou perdido o embate?
Talvez seja
outro que amadurece
e esplende, o pleno amor,
o pleno aniquilamento
em coisa? em que substância única,
em que total inessência —
impossível sabê-lo,
não há testemunhas, não há canto?
Você pensa ou sonha que alguém pensa
no redemoinho de paz
do rodopio cruento...
*
Para lá vai, palavra, cresce em profundidade
toca nadir e zénite de tua significação,
pois que o podes às vezes — sonho que a coisa es
na escuridão da mente —
mas não te separes
de mim, que não chegues,
te peço, ao celestial encontro
sozinha, sem meu calor
ou ao menos minha recordação,
sê luz, não erma transparência...
A coisa e sua alma? ou a minha e o sofrimento?
Página publicada em dezembro de 2017; página ampliada em 2019.
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