| POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS Retrato  de Milton ca. 1629, National Portrait Gallery, em Londres. Artista desconhecido (detalhe)
 
   JOHN MILTON   John Milton (Londres, 9 de  dezembro de 1608 — Londres, 8 de novembro de 1674) foi um poeta, polemista,  intelectual e funcionário público inglês, servindo como Secretário de Línguas  Estrangeiras da Comunidade da Inglaterra sob Oliver  Cromwell. Escreveu em um momento de fluxo religioso e agitação política,  e é mais conhecido por seu poema  épico Paraíso Perdido (1667), escrito em verso  branco. Nascido em Londres, frequentou a Christ’s  College da Universidade de Cambridge, onde  graduou-se em 1629 e obteve um mestrado em 1632. Leu obras antigas e modernas  de teologia, filosofia, história, política, literatura e ciência, e em maio de  1638, viajou para França e Itália em uma digressão, se  encontrou com o astrônomo Galileu  Galilei e visitou a Accademia della  Crusca. Ao voltar à Inglaterra, escreveu prosas contra o episcopado em  plena Guerra Civil Inglesa, e atacou William  Laud, arcebispo de Cantuária. Em março de 1649 foi feito Secretário  de Línguas Estrangeiras pelo Conselho de Estado. Durante esse período publicou  textos em defesa dos princípios republicanos, e em 1654 ficou completamente  cego e consequentemente pobre. Após a Restauração Inglesa, Milton  continuou a defender a república e criticar a monarquia. Se escondeu e recebeu  um mandado de prisão, sendo perdoado posteriormente. Ele morreu em 1674, tendo  se casado três vezes. Sua prosa e poesia refletiam profundas convicções pessoais, a  paixão pela liberdade e autodeterminação, e as questões urgentes e turbulência  política de sua época. Escrevendo em inglês, latim e italiano, alcançou fama  internacional em sua vida, e seu célebre Areopagítica (1644)  está entre as defesas mais influentes da história da liberdade de expressão e  liberdade de imprensa. A biografia completa em: https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Milton            TEXTS IN ENGLISH – TEXTOS EM PORTUGUÊS     MILTON, John.  Paraíso perdido.  Edição bilíngue.  Tradução, posfácio e notas de Daniel          Jonas.   Apresentação de Harold Bloom.   Ilustrações de Gustave Doré. 2ª. Edição. São Paulo: Editora 34,  2016.  896 p.   ilus. P&b  15,5 x 23 cm.   ISBN 978-85-7326-611-5     Uma edição bilíngue supreendente! São doze “livros” e  milhares de notas de rodapé para ajudar na interpretação histórica e heroica do  obra. Recomendamos. Aqui reproduzimos apenas alguns fragmentos.    
                            Can make a heaven of hell, a hell of heaven.What  matter where, if I be still the same,
 And what I should be, all but less  then he
 Whom  thunder hath made greater ? Here at least
 We  shall be free; the almighty hath not built
 Here  for his envy, will not drive us hence:
 Here  we may reign secure, and in my choice
 To  reign is Worth ambition though in hell:
 Better  to reign in hell, than serve in heaven.
 But  wherfore let we then our faithful friends.
 The  associate and copartners o four loss,
 Lie thus astonished on the  oblivious pool,
 And call them not to share with us  their part
 In  this unhappy mansion, or once more
 With  rallied arms to try what may be yet
 Regained  in heave, or whatmor lost in hell?
               ***               Afloat, when the  fierce winds Orion armedHath  vexed the Red Sea coast, whose waves o´erthrew
 Busiris  and his Memphian chivalry;
 While  with perfidious hatred they pursued
 The sojourners of Goshen, who  beheld
 From the safeshore their floating carcasses
 And  broken chariot wheels, so thick  bestrewn
 Abject  and lost lay these, covering the flood,
 Under  amazement as this can seize
 Eternal  spirits: or have ye chosen this place
 After  the toil of battle to repose
 Your  wearied virtue, for the case you find
 To  slumber here, as in the of heaven?
 Or in this abject posture have ye sworn
 To  adore the conqueror? who now beholds
 Cherub  and seraph rolling in the flood
 With  scattered arms and ensigns, till anon
 His  swift pursuers from heaven gates discern
 The  advantage, and descending tread us down
 Thus  drooping, or with linked tunderbolts
 Transfix us to the botton of this gulf.
 Awake,  arisem ir ve fdir ever fall´n.
 
               TEXTOS  EM PORTUGUÊS Tradutor:  DANIEL JOHN   “O assento do abandono, nu de luz” “Repousemos  ali, se houver repouso.”
             (... p. 55)   
                            Faz do inferno Céu, faz do Céu inferno.Que  importa onde se eu o mesmo for,
 Ou  o que seja, logo que não seja
 Inferior  ao que deu fama ao trovão?
 Aqui  seremos livres; o magnânimo
 Não  alçou cá a inveja, nem daqui
 Nos  levará. A salvo reinaremos,
 Que  é digna ambição mesmo se no inferno:
 Melhor  reinar no inferno que no Céu
 Servir.  Mas por que deixarmos amigos,
 Os  sócios e parceiros da falência,
 No  lago do letargo aturdidos,
 E  não os chamar a dividir parte
 Nesta  infeliz mansão; ou uma vez
         São os braços malsãos, tentar aindaO  Céu reaver, ou mais perder no inferno?
           (...p. 59-60)           Quando com cruéis ventos armado OrionBrandiu  o Mar Vermelho, a cujas ondas
 Cedeu  Busiris e a carga menfita,
 Ao  perseguirem pérfidos em ódio
 Os  hóspedes de Gessen, que observavam
 Da  terra firme os corpos flutuantes
 E  as ruínas das quadrigas. Copiosos
 Cobriam  a maré, e rebaixados
 Sob  assombro de tão dura mudança.
 Chamou  num grito e o fundo infernal
 Ressoou.  Potentados, principados,
 Tropas,  o escol do Céu, outrora vosso,
 Hoje  perdido, se tal espanto usurpa
 Espíritos  eternos; ou tomastes
 Após  a dura lida pouso aqui
 Para  a gasta virtude, pela calma
 Que  achais neste torpor, como nos vales
 Do  Céu? Ou jurastes na pose abjeta
 Louvar  o vencedor? que agora observa
 Querubins  e serafins no fluxo envoltos,
 Na  dispersão de braços e estandartes,
 Até  que do Céu seus ágeis algozes
 Discirnam  a vantagem,.e lançando-se
 Nos  calquem já em queda, ou com raios
 Nos  transfixem no fundo deste golgo.
 Levantai-vos  do pasmo ou caí nele.
   ===============================================================   MONÓLOGO DE SATANÁS          —  É esta a região, é este o clima,é  este o solo desolado e triste
 que  pelo Céu havemos de trocar,
 deixando  pela erma escuridão
 todo  o esplendor da luz celestial?
 —  diz o Arcanjo vencido — Sendo assim
 já  que Deus se tornou o soberano
 e  pode pela força que possui
 dispor  de tudo como bem quiser,
 quanto  mais longe dele nós ficarmos
 muito  melhor será para nós todos,
 pois  não é com a razão que ele se impõe,
 subordinando  todos os iguais
 e  sim pelo poder da violência.
 
 Adeus  felizes campos onde moram
 toda  a alegria e toda a paz! Adeus!
 Salve  mansão de horror! Inferno salve!
 Recebe  nesta negra profundeza
 teu  novo possuidor que traz consigo
 um  espírito livre que jamais
 nem  o tempo e o lugar podem mudar.
 Sei  que o espírito vive por si mesmo,
 e  ele pode fazer do Céu o Inferno
 e do Inferno fazer o próprio Céu!
 
 Que  me importa o lugar se eu sou o mesmo,
 igual  àquele que só nos venceu
 porque  dispõe do raio e do trovão!
 Ele  o Inferno não fez para invejá-los.
 Não  quererá daqui nos expulsar.
 Reinaremos  então com segurança.
 É  uma nobre ambição querer reinar.
 E  sabemos demais que é preferível
 reinar  no Inferno a ser no Céu escravos!
 
 E  de nossos amigos que lutaram
 conosco  lado a lado partilhando
 dessa  nossa derrota, que faremos?
 Poderemos  deixa-los destruídos
 no  lago noturnal do esquecimento?
 Devemos  lhes pedir para ficar,
 para  mais uma vez unindo as forças,
 pois  nada temos a perder no Infernos,
 ver  se podemos recobrar o Céu!
           (Tradução  de Edmundo Moniz (1911-1997)     MILTON, [John].  O Paraíso perdido.  Poema  épico em doze cantos.Tradução do Dr. Antônio José  de Lima Leitão. Com Ilustrações de Gustavo Doré. Notas por Xavier da  Cunha.   São Paulo: Gráfica e Editora  Edigraf Limitada,  s.d.  337 p. 25x32 cm.  capa dura.                                           Ex.  bibl. Antonio Miranda
                       CANTO I
 Argumento do Canto I
 
 Proposição  do assunto do Poema I: a desobediência do Homem,
 resultando-lhe daqui a Perda do paraíso em que fora colocado, a Serpente, ou  antes Satã dentro da Serpente, motivou esta desgraça,
 depois que ele, revoltando-se contra Deus, e mantendo em seu partido muitas  legiões de anjos, foi expulso do Céu e arrojado ao Inferno com toda a sua  multidão por ordem de Deus. Depois lança-se logo o Poema para o meio dos  assuntos, e mostra Satã com seus anjos dentro do Inferno, descrito não em  centro de criação (porque
 Céu e Terra devem então supor-se ainda não feito), mas nas trevas
 exteriores mais propriamente chamadas Caos. Ali Satã, botando com
 se exército num mar de fogo, crestados todos pelos raios e perdido o tino,  afinal torna a si como de um letargo, chama pelo que era o seu
 imediato em dignidade e poder, e que ali perto jazia; conferem ambos acerca de  sua miserável queda.  Satã brada por  todas as suas
 legiões que até então se conservavam na mesma confusão e letargo;
 levantam-se elas, mostra-se o seu número e ordem de batalha, dizem-se os nomes  de seus principais chefes que correspondem aos
 ídolos conhecidos depois em Canaã se pelos adjacentes.  Satã dirige-lhe a palavra, anima-os com a  esperança de ainda reconquistar o
 Céu, e ultimamente noticia-lhes que vão ser criados um novo mundo e nova  qualidade de criaturas, atendendo a uma antiga profecia ou rumor em voga pelo  Céu (pois que, segundo a opinião de muitos antigos Padres, existiam os anjos muito  antes da criação visível).  Para achar a  verdade desta profecia e o que se há de fazer depois, ele convoca uma plena  assembleia. Procedimento de seus sócios.
 O Pandemônio, palácio de Satã, ergue-se subitamente construído no
 Inferno, os pares infernais  ali se  assentam em conselho.
   CANTO 1  Do  homem primeiro cana, empírica Musa,
 A  rebeldia — e o fruto, que, vedado
 Com  seu mortal sabor nos trouxe ao Mundo
 A morte e todo o mal na  perda do Éden,
 Até  que o Homem maior pôde remir-nos
 E  a dita celestial dar-nos de novo.
 
 Do  Orebo ou do Sinal no oculto cimo
 Estará  tu, que ali auxílios deste
 Ao  pastor que primeiro aos escolhidos
 Ensinou  como do confuso Caos
 Se  erguerem no princípio o Céu e a Terra?
 Ou  mais te agrada Sião e a clara Siloe
 Que  mana ao pé do oráculo do Eterno?
 Lá  onde estás, invoco o teu socorro
 Para  este canto meu que hoje aventuro,
 Decidido  a galgar com voo inteiro
 Muito  por cima da montanha Aônia,
 De  assuntos ocupados que inda a Mundo
 Tratados  não ouviu em prosa ou verso.
 
 E tu  mais que ela, Espírito inefável,
 Que  aos templos mais magníficos preferes
 Morar  num coração singelo e justo,
 Instrui-me  que nada se te encobre,
 Desde  o princípio a tudo estás presente:
 Qual  pomba, abrindo as asas poderosas,
 Pairaste  sobre a vastidão do Abismo
 E  com almo portento e fecundante;
 De  minha mente a escuridão dissipa,
 Minha  fraqueza eleva, ampara, esteia,
 Para  eu poder, de tal assunto ao nível,
 Justificar  o proceder do Eterno
 E  demonstrar a Providência aos homens.
 
 Dize  primeiro, tu que observas tudo
 No  céu sublime , no profundo Inferno,
 Dize  primeiro a causa irresistível
 Que  mover pôde os pais da prole humana,
 Em  tão próspera sina, ao Céu tão caros,
 A  apostatar de Deus que o ser lhes dera
 E  a transgredir a lei que lhes ditara,
 Sendo  só num objeto restringidos,
 No  mais senhores do universo Mundo:
 Quem  lhes urdiu a sedução malvada
 Que  os lançou em tão feia rebeldia?
 O  Dragão infernal, com torpe engano,
 Por  inveja e vingança instigado,
 Ele  iludiu a mãe da humana prole,
 Lá  depois que seu ímpeto soberbo
 O  expulsara dos Céus coa humana turba
 Dos  rebelados anjos, seus consócios.
 Confiado  num exército tamanho,
 Aspirando  no Empíreo a ter assento
 De  seus iguais acima, destinara
 Ombrear  com Deus, se Deus se lhe opusesse:
 E  com tal ambição, com tal insânia,
 Do  Onipotente contra o Império e trono
 Fez  audaz e ímpia guerra, deu batalhas.
 Mas  da altura da abóbada celeste
 Deus,  com mão cheia de fulmíneos dardos
 O  arrojou de cabeça ao fundo Abismo,
 Mar  lúgubre de ruínas insondável,
 A  fim de atormentado ali viesse
 Com  grilhões de diamante e intenso fogo
 O  que ousou desafiar em campo o Eterno.
 Pelo  espaço que abrange no orbe humano
 Nove  vezes o dia e nove a noite,
 Ele,  com sua multidão horrenda,
 A  cair estiveram derrotados
 Apesar  de imortais e confundidos
 Rolaram  nos cachões de um mar de fogo.
 Sua  condenação porém o guarda
 Para  mais fero horror: e vendo agora
 Perdida  a glória, perenal a pena,
 Este  duplo prospecto na alma o punge.
 Lança  em roda ele então os tristes olhos
 Que  imensa dor e desalento atestam,
 Soberba  empedernida, ódio constante;
 Eis  quando de improviso vê, contempla,
 Tão  longe como os anjos ver costumam,
 A  terrível  mansão, torva, espantosa,
 Prisão  de horror que imensa se arredonda
 Ardendo  como amplíssima fornalha.
 
 Deus, coa mão cheia, de fulmíneo  dardos
 O  arrojo de cabeça ao fundo Abismo.
 CANTO  1.
     Mas  luz nenhuma dessas flamas se ergue;
 Vertem  somente escuridão visível
 Que  baste a pôr patente o hórrido quadro
 Destas  regiões de dor, medonhas trevas
 Onde  o repouso e a paz morar não podem,
 Onde  a esperança, que preside a tudo,
 Nem  sequer se lobriga: os desgraçados
 Interminável  aflição lacera
 E  de fogo um dilúvio alimentado
 De  enxofre abrasador, inconsuptível.
 A  justiça eternal tinha disposto
 Para  aqueles rebeldes este sítio:
 Ali  foram nas trevas ext´riores
 Seu  cárcere e recinto colocados,
 Longe  do excelso Deus, da luz empírea,
 Distância  tripla de que os homens julgam
 Do  centro do orbe à abóbada estrelada.
 Oh!  como esse lugar, onde ora penam,
 É  diverso do Céu  donde caíram!
 Logo  o monstro descobre a turba vasta
 Dos  tristes que na queda tem por sócios
 Arfando  em tempestuosos  torvelinos
 Do  undoso lume que hórrido os flagela.
 Próximo  dele coas vagas luta
 O  anjo, imediato seu em mando e crimes,
 Que  foi chamado nas vindouras eras
 Belzebute,  nome à Palestina grato.
 Então  o arqu´-inimigo, que no Empíreo
 Foi  chamado Satã desde esse tempo,
 O  silêncio horroroso enfim quebrando,
 Nesta  frase arrogante  assim lhe fala:
 
 “És  tu, arcanjo herói! Mas em que abismo
 Te  puderam lançar! Como diferes
 Do  que era lá da luz nos faustos reinos,
 Onde,  sobre miríades brilhantes,
 Em  posto tão subido fulguravas!
 Mútua  liga, conselhos, planos mútuos,
 Esperança  iguais, iguais perigos
 Uniram-nos  na empresa de alta glória;
 Mas  agora a desgraça no ajunta
 Deste  horrível estrago nos tormentos!
 Caídos  de que altura e em qual abismo
 Nos  achamos aqui tão derrotados!
 Com  raios tanto pôde o que é mais forte.
 Té  gora que sabia ou suspeitava
 Dos  flagícios cruéis com que nos punge,
 Para  podermos a medida toda
 Encher-lhe  da vingança em que se abrasa,
 Ou  fazer-lhe um serviço mais penoso
 Como  cativos seus por jus de guerra
 (Seja  aqui trabalhar em vivo fogo
 No  doloroso coração do Inferno,
 Seja  levar-lhe as hórridas mensagens
 Pelas  mansões do tenebroso Abismo),
 Então...  aproveitar-nos como pode m
 Nossos  grandes espíritos e forças,
 Posto  que tais  quais eram as sintamos,
 Eternas  só para castigo eterno?”
 
 O  arqu´inimigo prontamente o atalha:
 “Degenerado  querubim! Faz pejo
 Não  ter constância na paciência e lidas.
 Podes  seguro estar que jamais, nunca,
 Fazer  um bem qualquer nos é possível;
 Mas  que sempre será da essência nossa
 Fazer  todos os males que atormentam
 A  alta vontade do Opressor ovante.
 Se  acaso intenta a Providência sua
 Algum  bem extrair dos males nossos,
 Busquemos  perverter-lhe o fim proposto
 Fazendo  de tal fonte de males.
 Muitas  empresas destas são possíveis
 Que  hão de por certo o coração ralar-lhe,
 E  muitas vezes no estudado plano
 Hão  de turbar-lhe o entendimento irado.
 
 No  entanto vê que o Vencedor lá chama
 Para  as portas do Céu esses ministros
 De  seus furores, de vingança sua:
 A  sulfúrea saliva que impelida,
 Qual  tufão torvo, atrás de nós correra,
 Acalma-se  e minora os ígneos jorros
 Que  desde os altos Céus nos flagelavam;
 O  alado raio rubro, ardente, iroso,
 Talvez  que, exausto, tendo agora as farpas,
 Suspenda  do seu horríssono  estampido
 Que  através troa do infinito vácuo.
 Seja  desprezo do Inimigo nosso,
 Seja  que de furor se cria farto,
 Não  deixamos fugir tão fausto ensejo.
 
 Vês  além esta tétrica planície
 Mansão  de ruína e dor, só manifesta
 Pelo  fusco clarão que hórrido exalam
 Estas lívidas chamas  truculentas?
 Vamo-nos  para ali, saiamos fora
 Do  furor destas ondas abrasada:
 Descansemos  ali, se ali descanso
 Pode  encontrar-se algum: ela! tornemos
 A  juntar nossas forças  profligadas;
 Busquemos  modo como de hoje em diante
 Façamos  ao tremendo Imigo nosso
 O  maior mal que esteja a nosso alcance,
 Como  repararemos nossas perdas.
 como  suplantaremos nossos danos;
 Indaguemos  que auxílios nos compete
 Ganhar  pela esperança, — e, em caso oposto,
 Qual  a resolução que achar podemos
 Do  desespero nos terríveis lances”.
 
 Assim  falou Satã ao companheiro
 Que  ali mais perto estava. Sobre as ondas
 Alevantava  então a fronte enorme,
 E  dos olhos vertia horrendo lume:
 O  mais corpo, bolando ao longo, ao largo,
 Por  ígneas águas se estendia
 Muitos  estádios, sendo no volume
 O  que a Fábula diz das vastas moles
 De  Briareu e de Tifão (que ocupa
 Junto  da antiga Társea um antro ingente).
 Filhos  da Terra que investiram Jove;
 Ou  como o Leviatã  marinho monstro,
 Que  Deus fez o maior dos entes vivos
 (O qual, dormindo da Noruega os mares ,
 Ilha  o crê o piloto de chalupa
 Colhida  em vendaval noturno, —  e lança,
 Como  é dos nautas voz, no escâmeo dorso
 Da  âncora o dente, e a sotavento escapa
 Enquanto  é noite e pelo dia almeja.)
 Tão  vasto assim, o arqu´inimigo alonga
 Seus  membros encadeado ao lago ardente,
 Donde  nunca teria erguido a fronte
 Se  do grão Deus a permissão suprema
 Lhe  não desse azo aos infernais desígnios
 Para  que, à força de contínuas culpas,
 Toda  a condenação a si chamasse
 Enquanto  males para os outros busca;
 Para  que, ardendo em raiva, percebesse
 Como  sua malícia inteira e astuta
 Servia  só a patentear do Eterno
 A  bondade, o favor, o amparo imensos,
 Vistos  no homem que pérfida enganara,
 E  no seu próprio coração maldito
 Ira,  vingança, confusão tresdobres.
 
 Logo  a monstruosa corpulência eleva
 Vertical  sobre o lago; as fluídas chamas,
 Lançadas  para trás, eis que se inclinam
 Em  agudos debruns de novo ao centro,
 E  desabando, encapeladas, formam,
 Um  vale, todo horror. Abrindo as asas
 Dirige  para cima um leve voo,
 Equilibrado  em ferrugíneos ares
 Que  sob o peso não usual gemeram;
 Depois  se foi poisar na seca terra,
 Se  era terra o que ardia em duro fogo
 como  árida a lagoa  em fogo fluido.
 
 Neste  comenos se afigura o monstro
 Penedo  enorme que tufões subtérreos
 Expelem  do Peloro derrocado
 Ou  do horríssono bojo do Etna em fúrias,
 Cujas  entranhas, que abrasadas dentro
 Té-li ferviam em cachões  de fogo
 Erguem-se  agora de tufões pungidas
 Furibunda  explosão jogando aos ares,
 Crestando  largo espaço que povoam
 Do  mefítico cheiro e negro fumo;
 Tais  os malditos pés ali pousaram!
 
 Seu  imediato sócio logo o segue,
 Gloriando-se  ambos por se verem salvos
 Do  lago Estígio, como deuses que eram,
 Sem  permissão do onipotente Nume,
 Mas  pela própria força recobrada.
 
 “Eis  a região, o solo, a estância, o clima,
 E  o lúgubre crepúsculo por que hoje
 Os  Céus, a empírea luz, trocado havemos!
 (O  perdido anjo diz). Troque-se embora,
 Já  que esse, que ficou dos Céus monarca,
 O  que bem lhe aprouver mandar-nos pode.
 É-nos  melhor estar mui longe dele:
 Se  a sublime razão a nós o iguala,
 Suprema  força o põe de nós acima.
 
 Adeus,  felizes campos, onde mora
 Nunca  interrupta paz, júbilo eterno!
 Salve,  perene horror! Inferno salve!
 Recebe  o novo rei cujo intelecto
 Mudar  não podem tempos, nem lugares:
 Nesse  intelecto seu, ele até pode
 Do  Inferno Céu fazer, do Céu Inferno.
 
 Que  importa onde eu esteja, se eu o mesmo
 Sempre  serei, — e quanto posso, tudo?...
 Tudo...  menos o que é esse que os raios
 Mais  poderoso do que nós fizeram!
 Nós  ao menos aqui seremos livres.
 Deus  o Inferno não fez para invejá-lo;
 Não  quererá daqui lançar-nos fora:
 Poderemos  aqui reinar seguros.
 Reinar  é o alvo da ambição mais nobre,
 Inda  que seja no profundo Inferno:
 Reinar  no Inferno preferir nos cumpre
 À  vileza de ser no Céu escravos.
   Página  publicada em novembro de 2019;  Página ampliada e  republicada em julho de 2020 
               
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