História de enamorados
                    
                    Oh quanto eu soube  morrer por ti e quanto 
                      eu não soube viver por ti.
                    E contaram-me a teu  respeito, que és bonita, que és de lá, 
                      que me amaste outrora muito, que amas ainda.
                      Também me disseram alguma vez que teu nome ao que parece
                                                                                                   é Ruhama.
                    E aliás combina muito  contigo, ou seja, a tua roupa.
                      Tu sabes, são muitos os boatos que vêm de lá
                      e na realidade aguardei hoje a tua vinda.
                      Oh quanto eu soube morrer por ti quanto
                      eu não soube viver por ti.
                     
                    E meus dias te  sussurraram em silêncio exemplar sussurros
                                                                                                       sem cessar 
                      de todo vento eventual que tocou no teu peito desnudado.
                      E com todo toque suspiravas: já é noite.
                      E te enganavas, naturalmente. Era manhã, mas uma manhã triste. 
                      E repentinamente sentiste um dia que já eras adulta 
                      e o vento foi perambular entre bambus de junco.
                    E a água era funda no  lago. E quando a escuridão 
                               escorregou nela como esquadra de barcos,  uma opressão 
                      indistinta na base do peito causou dor. E quando a escuridão 
                      não escorregou sobre ela como esquadra de barcos, o silêncio  pressionou o teu corpo como uma grande naja.  Não na escuridão 
                      era a questão. E quando um sol de manhã saltou,
                             já  compreendeste que a noite tinha passado e tinhas ido dali, 
                               mais  experiente e preocupada de tudo que jamais foste.
                    E  perguntei-te seriamente como vai Ruhama
                    e  como tens esta ferida na mão
                    E  tu sorriste e disseste ah a ferida é de lá.
                    Oh  se apenas pudesses compreender, mas tu jamais
                    compreendeste  como eu soube morrer por ti e quanto
                    eu  não soube viver por ti.
                     
                    E  teu fim naturalmente é voltar um dia para lá,
                    e  eu te acompanharei por uma certa distância e depois voltarei.
                    E  não é certo se voltarei a minha cabeça atrás de ti. Oh quanto
                    algum  vento ocasional entreterá o meu peito desnudado.
                    E  no decorrer do tempo tentarei adivinhar se já estás lá,
                    e  depois esquecerei novamente cada manhã triste.
                    E  se em momentos de fraqueza me lembrar de ti, Ruhama,
                    proteger-te-ão  bambus escuros de junco.
                     
                    E  quando uma vez num momento forte de fraqueza eu te desejar
                    andarei  com passos apressados na direção do lago,
                    virá  um vento absolutamente ocasional numa corrida e assobiará 
                                                                                                           em  ti
                    e  te despirás, e haverá uma espécie de farfalhar no lago
                    e  encontrarei as tuas roupas apenas. Então talvez rangerá em ti
                    um  amor antigo e sem perspectivas. No lago
                    ancorará  num sussurro um silêncio perdido. E também
                    se  retorcerá ali algum vento ocasional que depois silenciará em ti.
                     
                     
                                Tradução de Nancy Rozenchan
                     
                    Fata Morgana
                     
                     
                     
                    Trombetas  brilhantes ao longe inundaram a relva quente 
                      E cavalos cinzentos aspergiram a sua espuma
                      E havia ali uma choupana de madeira alongada de vigas sólidas 
                      e também uma cerca de arame farpado.
                     
                    (E  quanto quisemos sempre que isto fosse verdade, 
                      e quanto polimos sempre trombetas e quanto
                      eram as vigas sólidas 
                      e também cerca de arame farpado.)
                     
                    E  lá o trem passa de vez em vez,
                    e  o cheiro de fogo excita as patas dos cavalos,
                    e  a relva estremece com o sopro leve. Há um lugar
                    a  que se pode chegar se realmente se quer,
                             e talvez vê-lo do topo de uma rocha como  num filme de guerra 
                                                                                                  hollywoodiano 
                               os  braços estão estendidos à frente e o olho examina.
                     
                    (E  quanto quisemos sempre que isto fosse verdade 
                      e quanto desprezamos isto por vezes e quanto 
                      exasperava a fumaça as patas dos cavalos 
                      e também cerca de arame farpado.)
                     
                    E  por vezes você acredita de repente, acredita de verdade
                    que  trombetas brilhantes ao longe ainda inundam a relva quente,
                    e  a luz clara cochila confortavelmente e os
                    cheiros  das flores ela respira profundamente, e seu cheiro
                    é  como uma espécie de melodia tépida, cansada mas tempestuosa,
                    que  fechou os nossos olhos, apagou o tabaco do cachimbo,
                    os  músculos estão lassos, está quente fora mas ao mesmo tempo
                                                                                                            de perto
                    sente-se  nitidamente como ao longe o trem passa,
                    e  as patas dos cavalos irrompem na choupana. E amiúde
                    há  dentro pessoas esquisitas de algum outro país.
                    
                    
                               Tradução de Nancy Rozenchan
                     
                     
                    Procuração
                     
                                                   (A quem interessar possa)
                     
                     
                    O que justifica mais do que tudo 
                      a solidão, o grande desespero, 
                        o carregar estranho do jugo 
                          a solidão grande e o desespero grande 
                            é o fato simples, cortante 
                            que não temos na realidade para onde ir.
                     
                    Em noites  claras o ar é frio
                    e por vezes  as noites são espessas também,
                    e chove e há  sirocos
                    e corpos  bonitos e também rostos,
                    que por  vezes sorriem e por vezes não,
                    por vezes  por causa dela, por vezes por causa dele.
                     
                    A paisagem é  simples e desprovida de névoas,
                    anjos na  escada não descem, não sobem,
                    por vezes  odeiam, por vezes amam,
                    há poucos  amigos e principalmente inimigos,
                    mas há um  forte desejo de fluir
                    como um rio,  único, à luz do dia,
                    permanecer  jovem sempre e sonhar
                    com um ritmo  ousado à luz do dia,
                    como um rio,  único, fluir, fluir
                    só o nosso  corpo envelhece dia a dia.
                     
                    O que  justifica mais do que tudo 
                    o sonho, o desespero grande, 
                    o  conhecimento de que não há qualquer justificativa
                    e a sua  busca renovada a cada momento,
                    a comoção e  a opressão,
                    o que  justifica mais do que tudo,
                    o que  justifica o desespero grande,
                    é o fato  simples, cortante
                    que não  temos na verdade para onde ir.
                     
                    Só o nosso  corpo envelhece dia a dia
                    e somos um  rio à luz do dia,
                    fluir único,  único a fluir,
                    o que  justifica, o que justifica o sonho
                    o que  justifica o desespero grande,
                    o que  justifica mais do que tudo.
                     
                     
                    (N.B.)
                     
                    As noites  são claras e o ar é fresco,
                    há vigor e  há energia e amor não há
                    e já não há  sorriso e já não há palavras,
                    anjos na  escada não descem, não sobem
                    as poesias,  como de hábito, só revelam
                    aquilo que é  possível dizer com palavras,
                    por isso a  si próprios do topo de uma rocha lançam
                    ao grande  mar, e ali as ondas
                    sobem e  descem, sobem e descem.
                     
                     
                     
                    Tradução de  Nancy Rozenchan