Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS

CHARLES BAUDELAIRE

 

Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867) foi um poeta boémio, dandy, flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX. /Biografia completa em: pt.wikipedia.org/wiki/

  

TRADUÇÃO
por JOSÉ JERONYMO RIVERA

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 2,
Número 4,  jul./dez., 2020.     
Brasília. DF: Editora Cajuína,
2020.  139 p.  ISSN 2674-8495


RECOLHIMENTO

Sé sábia, ó minha Dor, e fica sossegada.
Tu querias a Tarde; ei-la já ao casario
Se abraça uma atmosfera envolvente e velada,
A alguns trazendo a paz, aos outros desvario.

Enquanto dos mortais a sórdida manada,
Escrava do Prazer, esse verdugo frio,
Vai colher o remorso em festa degradada,
Minha Dor, dá-me a mão, vem comigo, eu te guio

Para longe daqui. Vem ver como pendeu
O Tempo, em veste anciã, sobre os balcões do céu;
Subiu da água profunda o Pesar sorridente;

O Sol, já moribundo, escondeu-se e descansa;
E, qual longo sudário a se arrastar no Oriente,
Escuta, amiga, escuta: a doce Noite avança...



MÚSICA

A música me atrai, muita vez, como o mar!
Rumo à etérea estrela,
Sob um teto de bruma ou na amplidão solar,
Ergo minha vela;

De peito para a frente e com os pulmões inflados,
Qual fossem de tela,
Escalo à vaga imensa os cimos sublevados
Que a noite me vela;

Sinto vibrar em mim o fervor das paixões
De um barco sofrendo;
O bom vento, a tormenta e sua convulsões

No abismo tremendo
Me embalam. Vez a vez, calmaria a espelhar
Todo o meu penar!

 *

Página ampliada e republicada em agosto de 2023.
 

 

BAUDELAIRE, Charles,  Elevação /e outros poemas/.  Tradução de Renato Suttana.  Capa e         ilustrrações internas: Aline Daka. Revisão: Camilo Prado.   Desterro, SC: Edições  Nephelibata, 2018.  109 p.  14,,5 x  20 cm.  Exemplar no. 20 de uma edição de 70. Col. Antonio Miranda

 

Charles Baudelaire (1821-1867) é um dos poetas mais relevantes da literatura ocidental e não seria exagero dizer que sua principal obra, As flores do mal (Los fleurs dn mal — 1857), representou uma verdadeira revolução no género lírico. Para além do escândalo causado por sua publicação, o que levou o poeta e seu editor aos tribunais (resultando numa segunda edição censurada em 1860), o livro instituiu as bases para o desenvolvimento posterior do decadentismo e do simbolismo, sendo considerado por muitos como a obra que inaugura a lírica moderna.

 

TEXTOS

EM PORTUGUÊS   -   EN FRANÇAIS

 

AU LECTEUR 

La sottise, l'erreur, le péché, la lésine,
Occupent nos esprits et travaillent nos corps,
Et nous alimentons nos aimables remords,
Comme les mendiants nourrissent leur vermine.

 

Nos péchés sont têtus, nos repentirs sont lâches;
Nous nous faisons payer grassement nos aveux,
Et nous rentrons gaiement dans le chemin bourbeux,
Croyant par de vils pleurs laver toutes nos taches.

 

Sur l'oreiller du mal c'est Satan Trismégiste
Qui berce longuement notre esprit enchanté,
Et le riche métal de notre volonté
Est tout vaporisé par ce savant chimiste.

 

Cest le Diable qui tient les fils qui nous remuent!
Aux objets répugnants nous trouvons des appas;
Chaque jour vers
l'Enfer nous descendons d'un pas,
Sans horreur, à travers des ténèbres qui puent.

 

Ainsi qu'un débauché pauvre qui baise et mange
Le sein martyrisé d'une antique catin,
Nous volons au passage un plaisir clandestin
Que nous pressons bien fort comme une vieille orange.
 

Serré, fourmillant, comme un million d'helminthes,
Dans nos cerveaux ribote un peuple de Démons,
Et, quand nous respirons, la Mort dans nos poumons
Descend, fleuve invisible, avec de sourdes plaintes.

 

Si le viol, le poison, le poignard, l'incendie,
N'ont pas encor brodé de leurs plaisants dessins
Le canevas banal de nos piteux destins,
C'est que notre âme, hélas! n'est pas assez hardie.

 

Mais parmi les chacals, les panthères, les lices,
Les singes, les scorpions, les vautours, les serpents,
Les monstres glapissants, hurlants, grognants, rampants,
Dans la ménagerie infâme de nos vices,

 

II en est un plus laid, plus méchant, plus immonde!
Quoiqu'il ne pousse ni grands gestes ni grands cris,
Il ferait volontiers de la terre un débris
Et dans un bâillement avalerait le monde;

 

C'est l'Ennui! L'oeil chargé d'un pleur involontaire,

II rêve d'échafauds en fumant son houka.

Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,

— Hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!

 

 

 

AO LEITOR

 

A tolice, a avareza, os erros, o pecado
Ocupam nossa mente e o corpo nos devastam;
E um amável remorso em nós é cultivado —
Como mendigos de que os vermes se repastam.

 

Teimosos em pecar, lentos no arrepender,
Por nossas confissões alto preço cobramos;
E ao caminho do mal voltamos com prazer,
Crendo que em pranto vil nossas nódoas lavamos.

 

Ao lado, na almofada, eis Satã Trismegisto,
Que há muito nos embala o espírito encantado;
E da nossa vontade o metal impermisto
Pelo químico audaz é todo evaporado.

 

O fio que nos move o Diabo empunha, eterno!
Achamos grande encanto em coisas repugnantes;
Descemos diariamente outro passo ao Inferno,
Sem horror, através de escuridões nauseantes.

 

Como beija e devora um pobre libertino
De antiga meretriz o seio murcho e lasso,
Roubamos, ao passar, um gozo clandestino,
Como laranja que se espreme até o bagaço.

 

Como helmintos, em bando, a ferver, aos milhões,
De Demónios um povo a mente nos chafurda,
E nos desce, a cada hausto, a Morte nos pulmões,
Como invisível rio, em lamentação surda.

 

Se o incêndio ou o veneno, o estupro ou o punhal

Não bordaram assaz seu padrão luxuriante

Sobre a tela da nossa erma sorte, banal,

E só porque nossa alma — ai! — não ousa o bastante!

 

Mas por entre chacais, e linces, e panteras,
Macacos, escorpiões, abutres e serpentes,
E o uivar, latir, berrar de rastejantes feras,
No infame zoo dos nossos vícios repelentes,

 

Sem produzir embora amplos gestos ou gritos,
Um é mais feio, mais iníquo, mais imundo!,
Que faria de bom grado a Terra em detritos
E engoliria num bocejo o próprio mundo:

 

E o Tédio! Opaco o olhar de um pranto irreprimível,
Fumando um narguilé, sonha com a punição.
Tu o conheces, leitor, esse monstro sensível
— Hipócrita leitor, — meu igual, — meu irmão!

 

 

 

L'ENNEMI

 

Ma jeunesse ne fut qu'un ténébreux orage,
Traversé çà et là par de brillants soleils;
Le tonnerre et la pluie ont fait un tel ravage,
Qu'il reste en mon jardin bien peu de fruits vermeils.

 

Voilà que j'ai touché l'automne des idées,
Et qu'il faut employer la pelle et les râteaux
Pour rassembler à neuf les terres inondées,
Où l'eau creuse des trous grands comme des tombeaux.
 

Et qui sait si les fleurs nouvelles que je rêve
Trouveront dans ce sol lavé comme une grève
Le mystique aliment qui ferait leur vigueur?

 

— Ô douleur! ô douleur! Le Temps mange la vie,
Et l'obscur Ennemi qui nous ronge le coeur
Du sang que nous perdons croît et se fortifie!

 

 

 

 

O lNIMIGO

 

Foi sô negra tormenta a minha mocidade,
Que resplendentes sois alguma vez cortaram.
Tais danos lhe causou a horrível tempestade,
Que em meu ermo jardim poucos frutos restaram.

 

Eis que o outono da mente em mim foi alcançado;
E eis as pás, e outra vez eis que cumpre empunhá-las
Para juntar de novo o terreno inundado
Onde, quais tumbas, a [agua escavou grandes valas.

 

E as flores novas com que sonho encontrarão
Nesse solo, talvez, lavado da aluvião,
O místico nutrir que as ceva e vivifica.

 

— Vai o Tempo engolindo — oh, dor! — nosso viver.
E em nosso peito o obscuro Inimigo, a roer,
De sangue, sem cessar, cresce e se fortifica!

 

 

 

 

ALMEIDA, Guilherme de. POETAS DE FRANÇA. São Paulo: 1936.

 

         Escolhemos, deste livro, os seguintes poemas:

 

 

 

PARFUM EXOTIQUE

Quand, les deux yeux fermés, en un soir chad d´automne,
Je respire l´odeur de ton sein chaleureux,
Je vois se dérouler des rivages heureux
Qu´éblouissent les feux d´un soleil monotone;

Une ile paresseuse où la nature donne
Des arbres singuliers et des fruits savoureux;
Des hommes dont le corps est mince et vigoureux,
Et des femmes sont l´oeil par as franchise étonne.



Guidé poar ton odeur vers de charmands climats,
Je vois un port rempli  de voiles et de mâtes
Encor tout fatigués para la vague marine,

Pedant que le parfum des verts tamariniers,
Qui circule dans l´air et m´enfile la narine,
Se mêle dans mon âme au chant des mariniers.





PERFUME EXÓTICO



De olhos fechados, quando, alta noite, no outono,
Respiro o cheiro bom dos teus seios fogosos,
Vejo entreabrir-se além cenários deleitosos
Cintilando ao ardor de um sol morno de sono;

Uma ilha preguiçosa, e molenga, e sem dono
Em que há árvores ideais e frutos saborosos;
Homens de corpos nus, finos e vigorosos,
Mulheres cujo olhar tem franqueza e abandono.

 

Guiado por teu perfume às paragens mais belas,
Vejo um porto a arquejar de mastros e de velas
Ainda tontos talvez da vaga alta que ondula,

Enquanto um verde aroma — o dos tamarineiros —,
Que passeia pelo ar e que aspiro com gula,
Se mistura em minha alma à voz dos marinheiros.

 



L´INVITATION AU VOYAGE

 

Mon enfant, ma soeur,
Songe `a la douceur
D´aller là-bas vivre ensemble!
Aimer à loisir,
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble!
Les soleils mouillés
Des ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux,
Brillant `a travers leurs larmes.

Là, tout n´est qu´ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décorreraient notre chambre;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l´ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
A l´âme em secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n´est qu´ordre et beauté,
Luxe,, calma et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseux
Dont l´humeur est vagabonde;
C´est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu´ils viennent du bout du monde.
Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière
D´hyacinthe et d´or;
Le monde s´endort
Dans uma chaude lumière.

Là, tout n´est qu´ordre et beauté,
Luxe, calma et volupté.

               

 

O CONVITE À VIAGEM

Minha filha e irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos longe, em viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis, entre véus,
Desses turvos céus
Para mim têm todo o encanto
Cruel e singular
Do teu falso olhar,
Brilhando através do pranto.

Lá tudo é calam, beleza,
Luxo, volúpia e clareza.

Móveis lisos, ou
Que o tempo lustrou
Decorariam o ambiente;
Cada rara flor
Misturando o olor
A um âmbar vago e envolvente,
Tetos colossais,
Profundos cristais,
Toda uma pompa excessiva,
Tudo isso a falar
À alma, a segredar
Na doce língua nativa.

 

Lá, tudo é calam, beleza.
Luxo, volúpia e clareza.

Pelos canais, vê
Esses barcos que
Têm um humor vagabundo;
É para poder
Te satisfazer
Que eles vêm do fim do mundo.
Os poentes sensuais
Vestem os canais,
A cidade, o campo em torno,
De ouro e de lilás;
Dorme o mundo em paz
Num clarão macio e morno.
                 

Lá, tudo é calam, beleza.
Luxo, volúpia e clareza.

 

 

 

       
LE GOÛT DU NÉANT
       
Morne espirit, autrefois amoureux de la lutte,
L´Espoir, dont l´époron attisait ton ardeur,
Ne veut plus t´enfourcher! Couche-toi sans pudeur,
Vieux cheval dont le pied `a chaque obstacle butte.

Résigne-toi, mon couer, dors ton sommeil de brute.

Espirit vaincu, fourbu! Pour toi, vieux maraudeur,
L´amour n´a plus de goût, non plus que la dispute;
Adieu donc, chants du cuivre et soupirs de la flûte!
Plaisirs, ne tentz plus un couer sombre et boudeur!

Et le Temps m´engloutit minute par minute,
Comme la neige immense un corps pris de roideur;
Je contemple d´en haut le globe en sa rondeur,
Et je n´y cherche plus l´abri d´une cahute.

Avalanche, veux-tu m´emporter dans ta chute?

 

 

 

O GOSTO DO NADA

Morno espírito, antigamente afeito à luta,
A Esperança, que te esporeava outrora o ardor,
Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,
Cavalo que tropeça em tudo e em vão reluta.

Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta.

Espírito vencido! Em ti, velho impostor,
Já não mais gosto o amor, nem o tem a disputa;
Não mais a voz do cobre e da flauta se escuta!
Deixa esta alma sombria, ó Prazer tentador!

Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor!

E o Tempo me devora em marcha resoluta,
Como a ampla neve um corpo rijo em seu torpor;
Contemplo do alto o globo túmido e incolor,
E nele nem procuro o abrigo de uma gruta.

Queres levar-me, ó alude, em tua queda abrupta?

 

 

 

SONETOS. v.2. Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d.  151 - 310 p.  16,5 x 11  cm.  ilus. col.  Editor: Edson Guedes de Moraes. Inclui 171 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e portugueses.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

   OBSESSÃO

Os bosques para mim são como catedrais,
Com órgãos a ulular, incutindo pavor...
E os nossos corações , — jazidas sepulcrais,
De profundis também soluçam, n´um clamor.

        Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh´alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.

        Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso , o Nu!

        Que a própria escuridão  é também uma téia,
Que vejo fulgir, na luz dos meus olhares,
Os entes que perdi, — espectros familiares!

 

 A BELEZA

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor.
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor de Carrara.

                Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
De brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.

                O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes...

                Tenho, p´ra fascinar o meu dócil amante,
Espelhos de crista, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição : — os meus olhos ardentes!

 

        OS MOCHOS

       Sob os feixos onde habnitam,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e inquietos, meditam.

        E assim permanecerão
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredão.

        Do seu exemplol, tirai
Proveitoso ensinamento:
— Fugíi do mundo, evitai

        O bulício e o movimento...
Quem atrás de sombras vai
Só logra arrependimento!

 

 A GIGANTA

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava à terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d´uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d´uma rainha!

                Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveis

                Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas,
E às vezes, no verão, quando o ardente solo

                Eu visse deitar, numa quebreira estranha,
Dormir serenamente à sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!

       

O TONEL DO RANCOR

O Rancor é o tonel das Donaidas alvíssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vão encher-lhes as trevas profundíssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.

        O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se extravasa o líquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.

        O Rancor é qual ébrio em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-o multiplicar como a hidra de Lema.

        — Mas se o ébrio feliz sabe com quem se avém,
O Rancor, por seu mal, não logra conseguir,
Qual torvo beberrão, acabar por dormir.

 

SEPULTURA D´UM POETA MALDITO

Se, em noite horrorosa, escura,
Um cristão, por piedade,
te conceder sepultura
Nas ruínas d´alguma herdade,

                As aranhas hão-de armar
No teu coval suas teias,
E nele irão procriar
Víboras e centopeias.

                E sobre a tua cabeça,
A impedi-la que adormeça.
— Em constantes comoções,

                Hás-de ouvir lobos uivar,
Das bruxas o praguejara,
E os conluios dos ladrões.

 

 

 

 

 

BAUDELAIRE, CharlesAs Flores do Mal.  Tradução, introdução e notas de  Ivan Junqueira.  Edição bilingüe Francês – Português.  7a. impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,    1985.  658 p.  (Poesia de todos os  tempos) Capa: Victor Burton.  16x 23 cm.  ISBN 978-85-209-0505-6   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

CORRESPONDANCES

 

La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.

 

Comme de longs échos qui de loin se confondent

Dans une ténébreuse et profonde unité,

Vaste comme la nuit et comme la clarté,

Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.

 

Il est des parfums frais comme des chairs d'enfants,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
— Et d'autres, corrompus, riches et triomphants,

 

Ayant l'expansion des choses infinies,

Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens,

Qui chantent les transports de l'esprit et des sens.

 

 

 

CORRESPONDÊNCIAS

 

A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.

 

Como ecos longos que à distância se matizam
Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.

 

Há aromas frescos como a carne dos infantes,
Doces como o oboé, verdes como a campina,

E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,

 

Com a fluidez daquilo que jamais termina,

Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente,

Que a glória exaltam dos sentidos e da mente.

 

 

 

L'AUBE SPIRITUELLE  

Quand chez les débauchés l'aube blanche et vermeille
Entre en société de l'Idéal rongeur,
Par l'opération d'un mystère vengeur
Dans la brute assoupie un ange se réveille.

 

Des deux Spirituels l'inaccessible azur,
Pour l'homme terrassé qui rêve encore et souffre,
S'ouvre et s'enfonce avec l'attirance du gouffre.
Ainsi, chère Déesse, Etre lucide et pur,
 

 

Sur les débris fumeux des stupides orgies
Ton souvenir plus clair, plus rose, plus charmant,
A mes yeux agrandis voltige incessamment.

Le soleil a noirci la flamme des bougies;

Ainsi, toujours vainqueur, ton fantôme est pareil,
Ame resplendissante, à l'immortel soleil! 

 

A AURORA ESPIRITUAL

 

Entre os devassos, quando a branca e rubra aurora

Faz mútua sociedade com o Ideal roedor,
Por obra e graça de um mistério vingador
Na entorpecida besta fera um anjo aflora.

 

Dos Céus Espirituais o azul inacessível,

Para o homem que padece e sonha em paroxismo,
Se entreabre e se aprofunda em fascinante abismo.
Assim, graciosa Deusa, lúcida e sensível,

 

Sobre os despojos fumegantes das orgias

Tua imagem mais clara, mais rósea, mais cheia,

Ante meus olhos pasmos sem cessar volteia.

 

O sol crestou nos castiçais as chamas frias;

Assim, triunfante, o teu fantasma se parece,
Alma radiosa, ao sol que eterno resplandece!

 

BAUDELAIRE, CharlesAs Flores do Mal. Tradução, introdução e notas de Jamil Almansur Haddad. Editor Victor Civita.  São Paulo: Abril Cultural, 1984.  336 p   13 x 20 cm.  Capa dura.  Ex. bibl.AntonioMiranda


A seguir, três dos “POEMAS ACRESCENTADOS À FLORES DO MAL” Na Edição Postuma:

 

ORAÇÃO DE UM PAGÃO

 

Tua chama não se apague;
O meu coração aviva,
Volúpia, da alma o azorrague!
Supplicem exaudi!   Diva!  *

 

Deusa pelo ar difundida,
Flama em nosso negro espaço!
Ouve esta alma consumida
Que te eleva um canto de aço.

 

Volúpia, de glória cheia!
Toma forma de sereia
Feita de carne e veludo,

 

Ou verte o teu sono rudo
No vinho místico e aplástico,
Volúpia, fantasma elá
stico!

 

                *Escuta o suplicante, deusa!

 

 

 

A ADVERTÊNCIA

 

O homem, como tal respeitado,

Áspide tem no coração,

E o reptil no trono instalado,

Se o homem diz sim, responde não!

 

Mau há de ser que os olhos fixes

Pelas Bacantes, pelas Nixes

Que a presa diz:   "O teu dever!"

 

Gera os teus filhos, planta as árvores,
Os versos lustra, esculpe os mármores,
A presa diz:   "Não vais morrer?"

 

Em tudo o que espera ou que sonha
O homem nunca vive em essência S
em que ele padeça a advertência
Da áspide e de sua peçonha.

 

 

 

O REBELDE

 

Um anjo risca o céu feito ave de rapina,

Firme passa a agarrar os cabelos do incréu,

E sacudindo-os diz:   "Saberás a doutrina!

(Pois eu sou teu bom anjo!)   Assim o exige o céu!

 

Pois é preciso amar sem que um esgar se faça,
O embrutecido, o torto, o sempre atado ao mal,
Para estenderes a Jesus, quando ele passa,
Com tua caridade um tapete triunfal.

 

Este é o amor!   E bem antes que seja apática
Tua alma, a Deus acende a tua crença extática;
Esta é a volúpia ideal, a que jamais se trunca!"

 

E o anjo, possuído a um tempo de ódio e amor supremo,
Com punhos de gigante excrucia o blasfemo;
Só sabe responder o amaldiçoado: "Nunca!"

 

Recueillement

 

Sois sage, ô ma Douleur, et tiens-toi plus tranquille.
Tu réclamais le Soir ; il descend ; le voici :
Une atmosphère obscure enveloppe la ville,
Aux uns portant la paix, aux autres le souci.

Pendant que des mortels la multitude vile,
Sous le fouet du Plaisir, ce bourreau sans merci,
Va cueillir des remords dans la fête servile,
Ma Douleur, donne-moi la main ; viens par ici,

Loin d'eux. Vois se pencher les défuntes Années,
Sur les balcons du ciel, en robes surannées ;
Surgir du fond des eaux le Regret souriant ;

Le Soleil moribond s'endormir sous une arche,
Et, comme un long linceul traînant à l'Orient,
Entends, ma chère, entends la douce Nuit qui marche.

Charles BaudelaireLes Fleurs du mal CLIX

 

 

 

REVISTA DE POESIA E CRÍTICA. Ano VI  No. 8. Setembro 1982.  Diretor responsável: José Jezer de Oliveira.  Brasília: 1982. 

 

       Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos:

 

RECOLHIMENTO 

Tem juízo, ó minha Dor! Maior serenidade.
Reclamavas a noite, e ei-la que está descendo:
uma atmosfera escura envolve já a cidade,
a uns inquietação, a outros paz trazendo.

Em breve dos mortais a vil comunidade
nas saturnais remorsos estará colhendo,
sob o relho do Vício, esse algoz sem piedade;
deixemo-los, tuas mãos às minhas mãos prendendo.

Vê como se debruçam nos balcões celestes
os falecidos Anos, de antiquadas vestes;
surge das águas a Saudade rindo, ó minha

Dor! Adormece sob a ponte o sol poente,
e, qual longo sudário a se arrastar no Oriente,
ouve, querida, a doce Noite que caminha.

 

MENEZES, Philadelpho. Coisas reunidas / Philadelpho Menezes; ed. Ana Aly; prefácio Lúcia Santaella; posfácio Marcus Bastos.   São Paulo: EDUC: Laranja Original, 2019.  188 p.  17 x 23 cm.  ISBN 978-85-283-0631-6 (Educ)  ISBN 978-85-92875-62-6 (Laranja Original)            Ex. bibl. Salamão Sousa

 

O inimigo
(As flores do mal)

 

Meus jovens anos não passaram de intempérie
às vezes clareada por raios solares.
Chuva e trovão causaram danos em tal série,
que poucas são as frescas nos pomares.

Agora que já chego às idéias de outono,
é necessário recriar com pá e enxada,
onde a água escavou grandes covas de sono,
o solo infértil desta terra desolada!

Quem saberá se as flores novas do agreste
não terão nesta campo limpo pela peste
o místico alimento que lhes dá vigor?

Ó dor! Ó dor! Enquanto o tempo come a vida,
o obscuro Inimigo rói a cor da cor
no coração, feito em ó já tudo e bebida!

 

 

Grafasias
(Os frutos do mal)
(15.03.1866 – 31-08-1867)
 

Meus jovens anos não passaram de intempérie
às vezes clareada por raios solares.
Chuva   trovão causaram danos em tal série,
poucas são    frutas frescas nos pomares.

 

Agora        chego       idéias        outono,
recriar           pá       enxada
água escavou                  covas     sono,
solo infértil          terra desolada!

                       

                           flores              agreste
campo limpo        peste
vigor?

 

  dor!    dor!                                        vida,
cor       dor

cor

 

 

         Tradução de Philadelpho Menezes

 

 

VEJA e LEIA outros POETAS DO MUNDO em nosso Portal:

http://www.antoniomiranda.com.br/poesiamundialportugues/poesiamundialportugues.html

 

 

Página publicada em dezembro de 2021

 

Página ampliada em maio de 2021

 

 

Página publicada em janeiro de 2019. página ampliada e republicada em fevereiro 2019l


 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar