POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS
FOTO: wikipedia
SIMÓNIDES
O mais extenso poema jâmbico1 que conhecemos da Grécia arcaica é, ao mesmo tempo, o poema mais desconcertante de toda a literatura grega. Trata-se da chamada "Sátira contra as Mulheres" de Semónides de Amorgos, poeta que terá vivido no século VII a.C.
O tom de escárnio e maldizer, inerente à estética da poesia jâmbica, é aqui aproveitado para construir uma tipologia propositadamente explosiva do sexo feminino. No entanto, a misoginia é tão exagerada no catálogo proposto para caracterizar a psicologia da mulher (porca, raposa, burra, macaca, etc.) que talvez nem chegue a chocar, de tão absurda.
Do outro fragmento a ultrapassar dois ou três versos que nos chegou do poeta jâmbico ressalta uma reflexão filosófica sobre a caducidade da vida, lembrando momentos célebres da epopeia homérica, como Odisseia XVIII, 130-142.
1 O termo "jâmbico" reporta-se, ames de mais, ao ritmo do verso, plasmado na sequência "breve/longa breve/longa" (u - U -), embora a primeira posição ("ancípite") possa ser ocupada por uma sílaba longa (— u -).
POESIA GREGA DE ÁLCMAN A TEÓCRITO. Lisboa: Livros Cotovia e Francisco Lourenço, 2006. 176 p. Capa e sobrecapa: Silva! Designers. ISBN 972-795-156-2
Ex. bibl. Antonio Miranda
1 Sátira contra as Mulheres (fr. 7 W)
Diferente fez o deus a mente da mulher, logo
de início. Uma, fê-la da porca de longas cerdas.
Na casa desta está tudo sujo de imundície,
tudo desarrumado, tudo espalhado pelo chão.
E a própria está sentada no esterco, sem se lavar,
com roupa suja, e não faz mais que engordar.
Outra, fê-la o deus da raposa matreira,
mulher em tudo sabichona. Nada do que é mau
lhe escapa, e nada também do que é bom,
já que muitas vezes chama más às coisas boas,
e boas às más. Tem sempre um feitio variável.
Outra, fê-la da cadela estuporada: a cara da mãe.
Esta quer ouvir tudo, quer inteirar-se de tudo.
Por toda a parte está a espreitar e a rondar
e põe-se aos gritos mesmo que não veja ninguém.
Nenhum homem a refreia com ameaças,
nem que, zangado, lhe parta os dentes
à pedrada; também não a leva com falas mansas,
nem que esteja sentada no meio de convidados,
mas ela continua a chatear sem que se possa fazer nada.
Outra, fizeram-na os Olímpios da terra e deram-na,
aleijada, ao homem. Uma mulher destas
não sabe o que está certo nem errado.
A única coisa que sabe fazer é comer.
Quando o deus manda um Inverno severo,
ela treme toda e leva a cadeira para junto da lareira.
Outra foi feita do mar. Esta tem duas disposições.
Uma delas é sorridente e um dia está alegre.
Um convidado que a veja em casa louva-a:
"não há mulher melhor que esta
em toda a humanidade nem mais bela".
Mas no dia seguinte é insuportável: nem se consegue
olhar para ela nem chegar-lhe ao pé, mas está desvairada
como uma cadela em torno dos seus cachorros,
implacável e contra tudo e todos,
independentemente de serem amigos ou inimigos.
Tal como o mar está muitas vezes calmo,
sem perigo, grande benesse para os marinheiros,
na estação do Verão, mas outras vezes se agita,
revolvido pelas ondas das profundezas:
assim é a disposição daquela mulher.
Pois o mar na verdade é variável.
Outra foi feita de uma burra bem espancada:
esta a custo faz as coisas à força de descomposturas,
mas depois lá faz e o resultado até é escapatório.
Mas entretanto come às escondidas todo o dia
e toda a noite; come também à lareira.
Do mesmo modo, no que toca às coisas
afrodisíacas, vai com quem lhe aparece.
Outra foi feita da doninha, criatura miserável
que faz pena. Nesta nada há de bonito,
desejável ou digno de amor.
Pela-se toda por ter relações sexuais,
mas causa nojo a quem dorme com ela.
Prejudica muito a vizinhança por ser
cleptómana e come os restos crus dos sacrifícios.
Outra foi gerada por uma égua fina de longas crinas.
Esta descarta os trabalhos servis e as maçadas
e nunca tocaria numa pedra de mó, num passador,
ou levaria o lixo e o esterco para fora de casa;
nem ao lume se senta, pois evita ficar mascarrada.
Faz do marido um amigo da necessidade.
Todos os dias, lava-se duas vezes
(por vezes três vezes) e perfuma-se toda.
Traz sempre o cabelo bem penteado
e comprido, adornado de flores.
Uma mulher destas é uma bela visão
para os outros, mas para o marido é um flagelo,
a não ser que seja tirano ou detentor de ceptro,
alguém que se regozija com coisas destas.
Outra foi feita a partir da macaca. Esta é a pior
desgraça que Zeus deu aos homens.
E feíssima de cara. Uma mulher assim
é risível para todos quando vai pela cidade.
Tem pescoço curto e mexe-se com dificuldade.
Não tem traseiro, é só pernas. Pobre homem
que abraça um flagelo como este!
Pois ela conhece todas as velhacarias e manhas,
como uma macaca. Não se rala que se riam dela.
Fazer bem aos outros é que nem pensar,
mas está sempre à coca todo o dia,
sempre a ver como poderá causar maior dano.
Outra foi feita a partir da abelha. Feliz quem a apanha!
Só nesta não assenta qualquer tipo de censura.
Graças a ela, floresce e aumenta o sustento do marido.
Envelhece, amada, com o esposo amado,
tendo gerado uma bela e bem reputada progénie.
Sobressai no meio das outras mulheres
e há em volta dela uma graça divina.
Não gosta de se sentar com o mulherio
quando elas se põem a falar de sexo.
Com mulheres assim excelentes e tão sensatas
Zeus mostra o seu favor aos homens.
Por desígnio de Zeus todas estas raças
existem e permanecem entre os homens.
Pois o maior flagelo que Zeus criou foi este:
as mulheres. Se parecem úteis a quem as tem,
a esse em especial acontece a desgraça.
Quem vive com uma mulher nunca passa
o dia inteiro bem disposto,
nem depressa escorraça a Fome de casa,
maligna inquilina, inimiga dos deuses.
Quando um homem parece estar a divertir-se
em sua casa, por vontade divina ou graça humana,
ela lá encontra com que se chatear e arma-se para a zaragata.
Pois onde há mulher, os homens nem podem
receber amistosamente um convidado em casa.
Aquela que parece mais honesta,
essa é a que comete as maiores tropelias,
no O marido fica de boca aberta, enquanto
os vizinhos gozam, vendo como está enganado.
Cada homem quererá louvar a sua mulher,
mas quererá também censurar a do outro.
Até parece que não gastamos todos do mesmo!
Pois este é o maior flagelo que Zeus criou,
agrilhoando-nos com correntes inquebrantáveis,
desde o tempo em que Hades recebeu
aqueles que combateram por causa de uma mulher.
2 A condição humana (fr. 1 W)
Ó rapaz, é Zeus tonitruante que detém o desfecho
de tudo quanto existe e tudo dispõe como quer.
Não há inteligência nos homens, mas vivemos
efémeros como gado, sem sabermos
como o deus terminará cada coisa.
Porém a esperança e a credulidade
alimentam-nos a vontade do impossível.
Uns esperam que venha o dia, outros as estações.
Não há ninguém que não julgue chegar ao ano
seguinte, amigo da riqueza e da prosperidade.
Mas a velhice, nada invejável, apanha um homem
antes de chegar à sua meta; a outros mortais
destroem as doenças miseráveis; e Hades envia
outros para debaixo da negra terra, mortos por Ares.
Outros agitados na tempestade marítima
e nas ondas numerosas do mar purpúreo
morrem, quando não conseguem sustento em terra.
Outros ainda atam uma corda ao pescoço em desgraçado
destino e deixam por sua vontade a luz do sol.
Assim, nada existe sem misérias, mas incontáveis
desgraças e sofrimentos inesperados existem
para os mortais. Mas se eu tivesse o poder de persuadir,
não estaríamos apaixonados pelas desgraças,
nem daríamos cabo do coração com dores amargas.
*
|