A VANGUARDA E A RETAGUARDA DA CRÍTICA
a partir de um texto de Antonio Sérgio Mendonça e Álvaro Sá em
POESIA DE VANGUARDA NO BRASIL:
de Oswald de Andrade ao Poema Visual.
Rio de Janeiro: Edições Antares, 1983
A obra em questão já está esgotada nas livrarias, apenas aparecem exemplares nos sebos. Sorte dos colecionadores, pois é uma das melhores reflexões escritas no Brasil sobre o tema, concordemos ou não com os autores. Leitura densa, crítica, inovadora. Embora baseado em teorias e asserções científicas, é polêmica por suas posições estéticas próprias, não raras vezes em confronto com os dogmas da academia.
Selecionamos alguns trechos da parte introdutória, em que os autores definem a questão da vanguarda. Valeria a pena ler toda a apresentação, além dos diversos capítulos... Mas as regras inerentes ao direito autoral, mesmo na internet - mais por razões éticas do que legais, por enquanto - inibem transcrever depois de certos limites. Fica apenas uma sugestão e o convite para que visitem os originais...
Por que vanguarda e retaguarda da crítica? Justamente porque a vanguarda é sempre um desafio para os críticos que se instrumentam em teorias e metodologias antigas para entender o novo... É o que se depreende das análises e invectivas nos excertos a seguir... (A. M.)
EXCERTOS
"No seu setor específico, por exemplo, o poema de vanguarda imediatamente se descarta da figuração do verso, da metáfora e de outros usos tradicionais da palavra, passando a informar pela comunicação de novos conceitos, através de novos processos.
Com isto a estética é substituída pela semiótica: não se trata mais de descobrir e qualificar o belo. Trata-se de ler a informação, a partir da própria beleza...
O próprio conceito de arte redefine-se." (op. cit. p. 12)
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"Uma vez que a vanguarda caracteriza-se exatamente por uma ampliação do repertório, carecem de fundamento as atitudes críticas impressionistas ou comparativistas, para estabelecer qualidade baseada em subjetivismos, pois não existem valores preestabelecidos naquilo que ela traz de novo." (...)
Tratando da vanguarda, cabe ao crítico a tarefa de um tradutor que produz versões capazes de mostrar ao público menos informado exatamente os aspectos do produto de vanguarda, que representam o aumento do repertório. E neste mister, o mais interessante seria utilizar, ao máximo, a própria linguagem empregada no produto: se ele é visual, visuais também deveria ser as críticas." (op. cit. p. 13)
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"Não caberá a esta crítica de vanguarda um juízo de valor, mas um juízo analítico e produtivo. Não é a mesma coisa. Não se trata de detectar índices de vanguardismos, mas de construí-los na leitura crítica, como produto da opção de linguagem produtiva da obra.
O exercício da função do crítico de vanguarda, como decorrência, implica a criação de novos meios teóricos para a análise do novo produto, já que o instrumental se faz necessário. É assim que saindo da posição tradicional de usuário e analista do conhecimento, ele situa-se dentro da condição de produtor de conhecimento. Deste modo, torna-se um importante fator do desenvolvimento da prática teórica e da prática artística. A história tem dados vários exemplos da falência da crítica, quando esta se utiliza de meios caducos para entender o novo: talvez o mais gritante tenha sido a sua ignorância frente ao impressionismo, no século passado.
No Brasil, os tempos atuais assistiram e assistem a fatos similares: e aí estão o concretismo, o cinema marginal, o poema/processo para mostrar a impotência da crítica impressionista, não instrumentalizada." (op. cit. p. 14)
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"Coloca-se assim a função do crítico de vanguarda, pois tudo isto é realmente o que se espera de quem é crítico. Fácil é o que fazem todos, ao se dedicarem a Balzac, a Kafka ou a João Cabral: afinal nada tem a perder quem se manifesta em torno daqueles que foram consagrados pela ideologia. Difícil é lançar-se de encontro ao novo. procurando estabelecer novos instrumentais para criticá-lo, arcando com todos os riscos do pioneirismo: mas é precisamente com esta atitude que o crítico recebe o respeito do criador, por nivelar-se a ele. E recebe também o respeito do público, pois está exercitando na prática a transformação do sujeito, na medida em que atua na arte para criar um público capaz de usufruí-la.
"A arte produz não só um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto." (Karl Marx)
A crítica situa-se como atividade teórica de leitura da prática e como a chave prática que instrumenta o repertório da teoria. Se o poeta toma a realidade como objeto, o crítico toma o poema como realidade." (op. cit. p. 16
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"o modelo é agente sempre empobrecedor do ato criativo, por se basear no já dado impede a apreensão da informação nova. O textualismo subtrai semanticamente os efeitos criativos do contexto." (op. xir, p. '6-17)
"A informação está profundamente vinculada ao ato de leitura e Camões há de ter sido lido de forma diferente no tempo e no espaço" (op. ci. p. 18) |