TONICO PORTELA
AUSENTES/PRESENTES
Extraído de:
INSTALAÇÕES BAHIA 2001: Bia Santos, Eriel Araújo, Tonico Portela, Virgínia de Medeiros. Apresentação: Michael Walker. Tradução [ao inglês]: Tania Belfort. Salvador, BA: Bigraf, 2001. 104 p. ilus. col. Prêmio COPENA Cultura e Arte. 21,5X28 cm. Tiragem: 500 exs. Ex. bibl. Antonio Miranda
“Ausentes/Presente é a suma das inquietações provenientes da fusão de materiais, ideias e conceitos. A poética se instaura a partir da palavra e de seus significados, perpassando por uma diversidade de práticas para compreender as relações entre Tradição e Contemporaneidade. A semântica dos conceitos Ausente/Presente é enfatizada pela combinação da palavra com as práticas artísticas, ou seja, a exploração das possibilidades significativas da linguagem verbal enquanto objeto artístico, ampliando a “realidade nocional da palavra”.
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O gesto revela, risca, marca, traça, arranha e deixa vestígios de um processo se construindo. O devir da imagem é uma impressão que transmite, física e opticamente, a semelhança do objeto; é um procedimento que se desenvolve pela força dos contrários — forma e contra-forma, presença e ausência—, criando relações entre o pensar e o fazer. É um movimento que constrói uma trajetória alimentada pela vibração das ambivalências. Como pulsações, Pothos e Himéros* atuam no ambiente, inserem-se nele para criar uma dialética com ele. A imagem poética interfere no espaço para registrar o embate das polaridades e aponta para a ambiguidade como um movimento cíclico e de mutação, pois, aqui, ela projeta-se sob o ponto de vista de uma filosofia que trabalha com e pela força dos contrários: o que é veneno é antídoto, o que é desejo é carência.
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A experimentação e a prática processual estão embasadas em processos intelectivos e colocam-se diante do espectador e do artista para “exame e análise de técnicas, procedimentos, instrumentos, materiais e suportes de ação” (REY, 1996, P.84). A aproximação entre o fruidor e obra revela devires às vezes imperceptíveis ao artista, são significantes inesperados presentes no processo e ausentes de sua visão. O espectador potencializa esse momento num ato sagrado e o artista ritualiza essa potencialização. A hierofoania desperta a dualidade de viver o real ou a ilusão, e o espaço ritualiza essa ou se profaniza, propiciando cruzamentos ou conexões: o local da encruzilhada, onde tudo muda, integrando linguagens de expressão distintas. Fotogravuras, areiagravuras, ausente-presente-gravuras e vídeo-imagens sãomanifestações singulares que se pluralizam através da refelxão, da repetição, da tautologia e da impermanência.
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Assim, o silêncio, o centramento e a repetição conduzem o ritual do desapego, pois o artístico não é o objeto, mas o próprio fazer criativo. Neste caso, o espaço torna-se olocal de ressonância entre a ação e a inspiração, onde a celebração é a própria criação. A ordem e a desordem cósmica se manifestam e se situam no espaÇO; deve-se aproveitar a chance de “estar presente, presenta à imagem no minuto da imagem” 9BACHLARD, 200, p. 1), visto que, a fugacidade das impressões atesta que nós não as possuímos, mas uma vez presentes no momento da imagem, podemos aprisiona-las através do conceito, dando sentido físico e moral às coisas.
Mas a obra é independente, e revela, torna presente, adensa e intensifica sua própria existência. A fenomenologia de Heidegger e de Merleau-Ponty respeita esta autonomia e não reduz a obra nem ao prazer, nem ao ideológico e nem ao cultural, pois vê na arte a ambiguidade da existência do ser humano e sua relação com o mundo.
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Neste viés, imprimir os sentidos ou os objetos é uma ação que cria relações entre os conceitos, o tempo e os materiais, permitindo também uma reflexão maior sobre as relações entre o universo cognitivo e o universo presente. Concentram-se, no símbolo IMPRMIR, as reflexões, experiências e conjecturas de uma metáfora que se materializa pelo polos da dualidade; opostos que dialogam e se complementam.
Impressões é um conceito e, como tal, torna-se o ponto de cruzamento dos eixos ausência e presença, ponto este que ressignifica a percepção como instrumento de apresamento das coisas.
Tonico Portela (2001)
- Pothos: desejo de ser ausente. Himéros: mais ardentemente, o desejo do ser presente. (Roland Barthes. O Ausente: fragmentos de um discurso amoroso).
IMA
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