TOM JOBIM
O Mestre Jobim é ou não é poeta? Pergunta idiota, mas que muita gente ainda faz diante de compositores como ele... Se um poema é musicalizadO, o autor é poeta. Se o compositor é autor da “letra” da música, ou alguém versejou com ele, aí não é... Já escrevi sobre isso, não vou voltar ao tema.
Jobim é poeta, fazendo poesia ajustada ao formato de suas músicas, como qualquer poeta ajusta seus versos aos formatos poéticos de sua eleição.
Mas o que eu quero colocar aqui é outra coisa... Acontece que o poema discursivo sempre tem um ritmo, mesmo quando é sem rima... Porque o nosso idioma é fonético e a composição poética é sempre musical, deliberada ou intuitivamente.
No caso de Tom, nos acostumamos a ver os versos dele acompanhando as notas no pentagrama. Agora deparamos com outra forma de inscrição de seus versos, no texto de Luiz Tatit, um dos autores da obra “TRÊS CANÇÕES DE TOM JOBIM” , de Lorenzo Mammi, Artur Nestrovski e Luiz Tatic, livro acompanhado De um CD com as músicas (“Sabiá”, Águas de Março” e “Gabriela” em gravação com Ná Ozzetti (voz) e André Mechmari (piano e arranjos)). A edição é da excelente COSAC NAIF.
O interessante no texto do Tatic é a forma como ele registra a letra: em diagramas que “traduzem alguns aspectos da composição, sobretudo o perfil melódico, mas apresentam simultaneamente melodia e letra (...) Cada espaço entre as linhas corresponde a um semitom, portanto a totalidade dos espaços representa o campo de tessitura disponível para o canto no âmbito de uma obra determinada”, explica o ensaísta. E continua: “Basta um olhar sobre os diagramas transcritos acima para verificarmos que há um trajeto melódico a percorrer e que suas etapas já estão relativamente demarcadas pela lei de gradação.”
Ver a comparação entre a música “Gabriela” do Caymmi e a de Jobim nos diagramas:
Quem quiser mais detalhes, deve ir ao livro, que vale a pena. O que nos interessa aqui é chamar a atenção para a visualidade do poema com sua notação melódica. A pergunta que nos ocorre pode ser ingênua, mas faz sentido: seria pertinente fazer o mesmo tipo de registro com poemas que exigem uma entonação e ritmo específico para seu melhor entendimento? Talvez faça sentido, pois dois intérpretes não fazem a mesma leitura de um mesmo poema... e deve haver uma leitura mais adequada à intenção do poema, que pode ser gravada mas também, neste caso, registrada na superfície do papel ou na tela do computador.
Um amigo me disse que assistiu ao célebre poeta russo Evtushenko declamando os próprios poemas e era música pura!!! Não se captava o sentido de nenhuma palavra, mas era cativante o som que saia da voz do poeta... Um registro apropriado talvez ajudasse a ler melhor a música original de poemas segundo seus autores, como o músico que pretende que as interpretações de suas composições tenham os sons indicados.
Ver Diagrama 4 da mesma música (“Gabriela”):
SANT´ANNA, Affonso Romano de. Música popular e moderna poesia brasileira. Petrópolis: Vozes, 1977. 268 p. 14x21 cm. “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
“ (...) surgem as composições que conceituam a teoria
e a prática da Bossa Nova como «Samba de Uma Nota Só» (Jobim-Newton Mendonça) e «Desafinado» (Jobim-Newton Mendonça). Esta, especialmente, é uma espécie de manifesto, comentário teórico e irónico sobre a maneira de compor e cantar a Bossa Nova. Essas letras inscrevem-se dentro daquilo que hoje se chama de metalinguagem: uma linguagem comentando outra linguagem, tomando como assunto da composição a própria composição e MO os temas naturais e sentimentais. AFFONSO ROMANO DE SNT´ANNA
DESAFINADO
Se você disser que eu desafino, amor,
saiba que isto em mim provoca imensa dor.
Só privilegiados
têm ouvido igual ao seu
eu possuo apenas o que Deus me deu.
Se você insiste em classificar
meu comportamento de antimusical
eu mesmo mentindo devo argumentar
que isto é bossa nova,
que isto é muito natural.
O que você não sabe
nem sequer pressente
é que os desafinados também têm um coração.
Fotografei você na minha rolley-flex
revelou-se a sua enorme ingratidão.
Só não poderá falar assim do meu amor,
ele é o maior que você pode encontrar, viu.
Você com a sua música esqueceu o principal
que no peito dos desafinados
no fundo do peito
bate calado,
no peito dos desafinados
também bate um coração.
Ver/ouvir o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=44sp4W3WiBk
Publicada em fevereiro de 2010; ampliada em setembro de 2015. |