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   POEMA-MONTAGEM  E O MÉTODO IDEOGRÃMICO
 por  Philadelpho Menezes *
              Vimos  que a motivação plástica e semântica entre os signos de um poema deflagra as  potencialidades interpretativas (no nível semântico-pragmático) do trabalho,  depositando a dominante dessa corrente da "poesia visual", a que  denominamos então de poema-montagem, no campo de intersecção entre a densidade  dos significados e sua exteriorização visual.  Comparativamente com o poema-embalagem e o  poema-colagem, ressalta no poema-montagem, dominantemente, o aspecto semântico  dos signos visuais que o compõem. Não quer isto dizer que a leitura de  "conteúdos" é a dominante de todo o poema, sobrepujando a sua  elaboração formal. Apenas significa que sua elaboração formal não se fundamenta  num aspecto dominantemente plástico, e sim numa projeção de sentidos  intelectuais que encontra seu reflexo na própria forma visual que os cria. Algo  que poderíamos classificar corpo uma "semântica sensorializada",  assim como ocorre no ideograma chinês: a combinação formal visa a produção de  conceitos, que por sua vez se materializam no próprio modo combinatório, num  contínuo jogo de espelho, complementação e reversão dos significados sobre o  significante e vice-versa, o que faz com que se abrevie essa linha de ligação  arbitrária entre um e outro pela sugestão de uma motivação que os una.            Se  nos remontarmos à análise feita do método ideogrâmico no capítulo referente à poesia  concreta do grupo Noigandres, podemos afirmar que as três espécies sintáticas  (a soma, a intersecção e a colisão) estão presentes nos poemas-montagem, já em  trabalhos esporádicos da virada da década de 60 e 70.       TAXIUm ideolograma de
 FLORIVALDO MENEZES
 
              Assim,  o método ideogrâmico da soma entre signos está em poemas como "TAXI",  de Florivaldo Menezes, que aponta para a linha cursiva da narrativa, onde a imagem  seguinte acrescenta sentidos aos da página anterior, numa montagem de encadeamento.           Em  "Taxi" — um "ideolograma", como o adjetiva no título o  autor,  referindo-se  à ideologia) - a desintegração da escrita (palavra TAXI) se põe na mão contrária  da narrativa, num esfacelamento da palavra, página à página, figurando o atropelamento  da própria leitura. O desastre léxico se consubstancia nas duas últimas páginas,  com o XI feito de molas soltas e o TA em forma de cruz tumular ao pé da página.  Volta aqui a questão da variabilidade interpretativa anteriormente  exemplificada pela leitura do poema "Koito" (vale lembrar, sem  título), de Villari Hernnann: também  em  "TAXI" há que se decodificar, primeiramente, o acontecimento presente  na figuratividade da imagem, para depois se partir para as interpretações  variáveis, onde reside a riqueza do poema. Assim, deve-se antes de mais nada  decifrar o nível elementar dos significados das imagens do poema, a saber, o  desastre de taxi observado por um transeunte (o taxi visto de frente, o taxi  visto por trás, as molas soltas a figurarem a batida e a exclamação  "XI", e o túmulo com as letras "TA"). A partir dessa  captação do "referente" das imagens, deve-se passar para a leitura  dos sentidos que o poema assume, de acordo com o repertório e as preocupações  de cada leitor. Daríamos a interpretação do desastre léxico a configurar o  desastre da leitura cursiva e a própria desintegração da linearidade verbal,  manifesta no esfacelamento da palavra, num poema que usa da narrativa para  destruí-la. Mas essa interpretação é tão-só uma que se faz, em vista das preocupações  do presente estudo.            Mas  podem-se arrolar outras, que derivariam do dado contido na palavra "ideolograma"  ou entender o poema como uma abordagem da questão da recepção, representada  pelo papel do transeunte que não pára o taxi, isto é, não capta a mensagem que  passa a sua vista, ou ainda do próprio taxi-mensagem que, sem ser captado pelo  receptor, se destrói. Enfim, essa análise tenta apontar variáveis de  interpretação de sentidos que nos são dados em potencial por um poema, a partir  da "charada visual" que é a decifração inicial dos significados da  imagem.          Se o poema se reduzisse aos significados  decifrados na "charada", conclui-se que seria um exercício formal,  plástico, de onde caímos de novo na questão de que a elaboração formal na  poesia deve sempre conduzir a um adensamento semântico-pragmático que permita  ao leitor ir co-criando o poema na medida em que se detém sobre ele e lê as suas  projeções de sentido, que deverão ir às questões da estética, da poética, da  ideologia, da política, etc. Em última instância, é nessas projeções da forma  que provavelmente se detona o que se chama de "prazer estético" (o  que já abre uma outra discussão, muito ampla para os limites desse estudo).     *  Fragmento do 4o. Capítulo do livro de Philadelpho Menezes.  Poética e Visualidade: uma trajetória da  poesia brasileira contemporânea.  Campinas,  S.P.: Editora da Unicamp, 1991.   198  p.  ilus. Trata-se  de uma obra importante para quem pretende estudar as diversas facetas da poesia  visual até o século passado, mas está esgotada no mercado, encontrável apenas  em sebos e bibliotecas, merecendo uma reedição. Já existe uma versão ao inglês  desta obra:    MENEZES, Philadelpho. Poetics and visuality: A trajectory of  contemporary Brazilian poetry. by Philadelpho Menezes. Perfect Paperback |  San Diego State University Press | 1994ISBN-10: 1879691299 | ISBN-13: 9781879691292       |