OSWALD DE ANDRADE
VERBIVOCOVISUAL
"Oswald lança-se à tarefa radical de produzir imaginariamente uma realidade, que corte os efeitos da mistificação ideológica; ele o faz precisamente pra usar uma linguagem-objeto formalmente mais eficaz. Trouxe para nossa literatura o estatuto formal que permite em suas diversas reinterpretações o ciclo constante do novo. Abre as vertentes da atual vanguarda poética brasileira." (p. 42)
"(...) a construção será, neste caso, restrita à diferença lexical e também motivada por diferença fonológica: a morfologia dissilábica irá permitir encontrar uma identidade mórfica;
(...) a diferença semântica residirá na oposição morfológica entre os prefixos vocálicos a, h(u); logo, não residirá na construção anterior. Nesta oposição estará a causa principal da diferença semântica, pois é esta oposição que motivará o aspecto virtual daquela;
(..) existe também ao nível fonético uma identidade residual, que não ocorrerá ao nível semântico.\
A par desses comentários técnicos, conclui-se que do ponto de vista manifesto (na aparente estrutura da produção fonética), estabelece-se uma relação de contiguidade que remeterá a um motivador não-aparente: a l oposição morfológica, que por sua vez também motivará a oposição semântica. Daí ser morfo-fonológica. Ao nível da oposição comentada, a parcial analogia fonética irá acentuar a tênue diferença fonológica latente, aí, ao nível da língua. Há, neste nível, o predomínio de uma relação de contiguidade linear e simétrica; no entanto, subjacentemente será re-estabelecida uma sinonímia. A contiguidade simétrica, embora rejeitada (desatualizada), assenta-se nela. O reencontro dos termos afastados indica que, embora sendo diferentes no plano lexical, os componentes do binômio amor-humor irão se tornar dessacralizadores das expectativas geradas pela metáfora romântica. Para isso as diferenças semânticas se irão compor dos resíduos do diferenciado, para produzir a metáfora não-simbólica. Isso é provocado pela motivação do termo da semântica virtual (rumor), possível pela aspiração fonética do h, provocada pelo projeto semântico de quebra das expectativas sacralizadas da metáfora romântica. Amor, humor e rumor são os três termos sinonímicos dessa) semântica da desmistificação: ocupam o lugar da metáfora romântica. A composição metonímica, relação de contiguidade substitutiva amor-humor, assentou-se em bases metafóricas. O amor dessacralizado estará no lugar do amor romântico: predomínio da relação de substituição por similaridade — mas essa relação metafórica realiza-se às custas de um processo de economia do significante, processo metonímico onde o sentido oposto vale-se do resíduo do diferenciado. A substituição do sentido de humor para rumor, é provocada pela identidade fonética entre o h aspirado e ; ,o r, lidos em continuidade, por analogia com substituição do mesmo tipo na poética oswaldiana: (...) A substituição amor-rumor, tendo humor como signo intermediário, elemento de passagem, articulador, é metafórico, pois ocupa lugar idêntico ao signo intermediário de um triângulo consonantal, na forma como é aproveitado pelo modelo etnológico.
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O termo intermediário humor possui componentes semânticos comuns aos termos diferenciados: amor e rumor. A conversão destes, motivada por aquele, evidencia o caráter de substituição semântica assimétrica de passagem do manifesto para o subjacente. Daí ser metafórico. A dessacralização operada metonimicamente se irá associar com o próprio contexto interno da poética oswaldiana, indicador do sentido não-romântico de amor (cf. passagem do poema de reapropriação Secretário dos amantes = beijos e coices de amor), que atuará como sua conexão metafórica.
Logo, se amor for idêntico a humor, ao nível da estrutura fonética aparente o h será neutralizado; a inversão dessa estrutura aparente irá aspirar o h e amor se tornará sinônimo de humor, e humor idêntico a rumor, como desdobramentos semânticos de amor, no contexto oswaldiano, e irão significar beijos e coices de amor. Uma vez apresentado amor como sinônimo de rumor, (...) e significativa de dessacralização, com o texto do poema Secretário dos amantes, forma-se uma rede analógica similar, portanto de base metafórica, composta de invariantes não-unívocos, que será a conexão estruturante e, portanto, motivadora da relação metonímica exercida por contiguidade substitutiva em amor-humor. Rede esta que produz amor, como sentido inverso, assimétrico e desmistificador da metáfora romântica. Em Oswald, a surpresa pela invenção comunica a raridade desmistificante.
Se para a concepção romântica o r enfeiava o poema, por torná-lo agressivo, Oswald o evoca para fustigar a metáfora romântica, tirando-a do amor cortês e dando-lhe coices de amor. Quando a estilística fônica (apud Joaquim Ribeiro) considerava o u como "característico das coisas negras, sombrias e, por extensão, tétricas e tristes", não se pode deixar de cogitar sobre a possibilidade de uma ação desmistificante de Oswald ao usar o u para fazer e escrever (h)umor.
Textos extraídos de MENDONÇA, Antonio Sergio Lima & SÁ, Álvaro de. Poesia de vanguarda no Brasil: de Oswald de Andrade ao Poema Visual. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1983. p. 46-48.
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