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OSMAR DILLON
OSMAR DILLON, UM ARTISTA DE VANGUARDA(cópia de um texto manuscrito, incompleto, de Da, nirham: eRos (pseudônimo de Antonio Miranda nos anos 50 e início dos anos 60 do século XX)
Osmar Dillon é uma das pessoas que mais admirei em minha juventude. Cheguei até ao apartamento em que vivia, na zona sul do Rio de Janeiro, com nosso amigo comum Roberto Pontual, outro admirador e propagador de sua obra. Isso aconteceu no início do emblemático ano de 1960 — ano da inauguração de Brasília, no auge da Bossa Nova, do Cinema Novo e do movimento neoconcreto (criado em 1959). O arquiteto Osmar Dillon já montava seus “livro-poemas” e, em decorrência, os “não-objetos verbais”, numa experimentação de textos manipuláveis, participativos, escultóricos.
Um dos primeiros exercícios de ideogramização do verso é o MUSGO/MURO, a seguir: |
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Muito jái se escreveu sobre este trabalho pioneiro de Dillon. Eu mesmo me referi a ele em várias oportunidades, no Brasil e na Argentina, em artigos e cursos sobre arte verbal de vanguarda.
Publiquei um texto sobre a criação de Dillon no célebre SDJB com o pseudônimo de Da Nirham Eros (da,nirham: eRos) — “Poesia/Um paralelo – Estrutura e Conteúdo”, Suplemento Dominical de Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 out. 1961. Confesso que não lembrava mais... Descobri a referência bibliográfica no catálogo do artista de uma exposição individual : OSMAR DILLON . objetos. múltiplos 1972, Galeria de Arte Ipanema. Não conservei, infelizmente, nem o recorte do jornal nem o manuscrito do artigo mas é questão agora de ir aos arquivos da editora... mas certamente aludia à fusão do verbal com o visual em sua obra. |
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Logo em seguida Dillon partiu para exercício no espírito da integração das artes:
“Uma poesia de permanente fundamento plástico, como se as palavras
se destinassem à pintura (“meus dedos são tubos de tinta”); uma
pintura de fala, com a viscelaridade de contorsões oníricas
correspondendo ao jogo aliterativo de toda a sua poesia. Assim — com
a poesia perdendo palavras, mas não a referência ao mundo exterior, e
a pintura abandonando a figuração explícita, mas não o símbolo — foi
por um processo natural de despojamento de ambos os âmbitos, e com
o acréscimo de sua tarefa profissional de arquiteto, que ele formulou a
partir de 1960 o rumo ainda hoje se desdobrando”. Roberto Pontual,
no catálogo supra citado, 1972.
Surge a proposta “neoconcreta” de superar o maquinismo e assegurar o conceito de Wladimir Weidlé que Pontual reitera no referido catálogo:
“no sentido de sua nítida semelhança estrutural com os ORGANISMOS
VIVOS. Assegurando o revigoramento de três vetores básicos da arte
em nosso século [XX] — substituição do ato de representar a realidade
pelo de presentificá-la; a emergência de participação do espectador
como co-autor da obra, infinitamente aberta; e a síntese dos antes
estanques departamentos da expressão — tentativas de ampliar e
aprofundar a fusão da palavra e a visualidade, seja em ideogramas
verbais, em livros-poemas ou em NÃO-OBJETOS, termo
visionariamente criado por Ferreira Gullar para definir uma nova
categoria de trabalho”.
Um exemplo é o livro-poema AVE, de 1960, de Dillon: |
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em que a manipulação da placa azul, presa ao centro do suporte, podia ser circulada no processo de “leitura”, sugerindo o “vôo” da ave. Em verdade, o “vôo” (movimento) da “asa” é dado pela participação e vivenciamento do “leitor” durante a manipulação da peça.
Merece destaque também o “poema” CHEIO, descrito por Roberto Pontual: |
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“O passo seguinte, no impulso de curiosidade por diferentes processos,
seria o abandono da pura superfície do papel em busca do espaço
tridimensional concreto que nos circunscreve. CHEIO é o melhor
exemplo dessa transição de extrema importância: aqui, a folha vazada
nos conduz para além do plano e engendra seu significado pela tensa
oposição dos elementos verbal (cheio) e visual (vazio). É preciso
constatar ainda, nesse mesmo ideograma, o emprego tático de uma
particularidade física das letras que constituem a palavra CHEIO, todas
elas permanecendo simetricamente idênticas quando divididas pela
metade, o que impede, nessas circunstâncias, que a palavra tenha um
avesso.”
Roberto pretendeu assinalar que, se o “leitor” virar a folha ao contrário e virá-la de cabeça para baixo, ela continuará apresentando a palavra CHEIO, e não seu avesso... Efeito que poderia ser apresentado atualmente numa animação gráfica, virtualmente. Cabe ressaltar ainda que as letras estão vazadas na superfície da página, pelo corte do papel, efeito tridimensional que a Internet ainda não consegue apresentar... Efeito que poderia ser apresentado atualmente numa animação gráfica, virtualmente. Previsivelmente, o artista-arquiteto parte para uma criação mais “vivencial”, através de projetos de monumentos como o SÓ, que chegou a ser semifinalista do Symposium Urban Nürenberg. |
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“Uma proposta de atingir e ativar o inconsciente pela envolvência dos
choques de visualidade amalgamada a sons, palavras, materiais e tempo
— a vida totalizada. Mergulhado e envolvido, o homem se conheceria,
alfa e ômega, retornando. Teria passado pelo frio e fogo de sua própria
matéria”. Roberto Pontual
Uma autêntica “instalação”, só que permanente, como um templo para a vivência, digamos, litúrgica em sua relação com a arte e a poesia.
Em 1966 fui para a Venezuela e só voltei a estar com Dillon em 1968, numa breve visita que fiz ao Rio de Janeiro. De lá para cá perdi o contato com o grande artista. Descubro-o pela Internet, que é o lugar de encontro com os contemporâneos. Quase quarenta anos depois!
Quero completar a presente homenagem ao amigo com a imagem de um de seus trabalhos mais recentes. Atestando a evolução e a permanência de uma proposta criativa que se renova mas não trai as suas raízes, como sugeriu Edgar Morin ao exigir da poesia o lastro de sua sustentabilidade.
Antonio Miranda, jan. 2005
Veja trabalhos do artista em:
http://www.rioartecultura.com/osmardillon.htm |
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