O QUE JOÃO CABRAL DE MELO NETO OPINAVA SOBRE O CONCRETISMO
Extraído de:
ATHAYDE, Felix de. Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998. p. 21-23
Não sou um concretista. O Concretismo — dizem-no os membros do movimento — surgiu a partir da minha poesia. Afirmam-se, pois, meus seguidores. Tenho orgulho disso, pois trata-se de um grupo de jovens poetas, extremados tecnicamente, muito inteligentes e de grande craveira intelectual. O Brasil de São Paulo. Introduziram o debate de questões que nenhum crítico havia aberto antes. Têm todos um grande amor à literatura, à polémica, à briga. (...) Na verdade, talvez se possa falar atualmente num tecnicismo exagerado, mas não é menos certo que o Concretismo deu ao Brasil uma extraordinária consciência de crítica, que exige de quem escreve uma seriedade e uma autenticidade cada vez maiores.
Muitos dos que começaram comigo não teriam agora possibilidades de se afirmar. Os concretistas desempenham hoje um papel idêntico ao de Mário de Andrade no seu tempo. (...) Um exagero formalista pode desligar o poeta de muitos problemas importantes e isso pode ser pernicioso. Mas, repare que são, em grande parte, os preguiçosos que acusam os concretistas de formalismo exagerado. A inspiração tem raiva do apuramento formal, porque sabe que, quando se criar uma alta consciência crítica, não vai ter vez. Há mais perigo no informalismo que no formalismo. Eu acho que os momentos de despreocupação formal deram porcarias
muito maiores.
(Entrevista a José Correia Tavares, Letras e Artes, Lisboa, 08 jun. 1966.)
O Concretismo foi a coisa mais importante que aconteceu na literatura brasileira, desde o romance do Nordeste, nos anos 30, e da grande fase criativa dos poetas que vinham do Modernismo, como Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano, Cecília Meireles, Vinícius. Sobretudo porque, pela primeira vez na nossa literatura, as pessoas sabiam o que estavam fazendo. Se formos analisar o Modernismo de 1922, à parte de sua importância aqui, veremos que os modernistas eram profundamente provincianos e desatualizados em relação a tudo o que se fazia na Europa. Eles fizeram, em 1922, o que o mundo fazia em 1909.
O Concretismo, porém, se não aconteceu antes de estourar no resto do
mundo, aconteceu simultaneamente.
(Jornal da Tarde, São Paulo, 25 jun. 1974.)
(...) Duas coisas são essenciais no Concretismo: em primeiro lugar, os concretistas não foram improvisadores, foram pessoas que chegaram com uma cultura extraordinária; em segundo lugar, a atitude concretista não é uma atitude romântica, de inspiração, de lirismo. Esses dois aspectos construtivistas me conquistaram. Quando eu digo Concretismo, digo Concretismo e suas consequências. Como todo movimento literário, houve muita briga, separação de grupos. Eu me refiro a todos.
(Edla van Steen, Viver e escrever, v. l, Porto Alegre, L&PM, 1981.)
(...) acho o Concretismo, por sua base cultural, mais importante do que o
Modernismo.
(Entrevista a Régis Bonvicino, O Estado de Minas, Belo Horizonte, 04 dez. 1982.)
Tenho a impressão de que, desde aquele Congresso Internacional de São Paulo, em 1954, já tinha lido alguma coisa deles [dos concretistas], se não me engano o primeiro livro de Augusto de Campos, O rei menos o reino, que eles me mandaram quando eu estava em Barcelona, creio que por volta de 1950. Desde então, quase sempre que estou no Brasil os vejo. Não me correspondo, porque não me correspondo com ninguém, nem com a minha família. Eu tenho horror a escrever carta... Em todo caso, quando eles me mandam coisas, eu leio com o maior interesse e sempre procuro conversar...
(Entrevista ao cineasta Ivan Cardoso, Folha de S.Paulo, Folhetim,
São Paulo, n° 533, 24 abr. 1987.)
Independentemente do valor literário dos concretistas, que reconheço, que acho muito interessante, eles fizeram uma coisa importante: abriram a discussão para, como se diz, o fenómeno literário. Quer dizer, o brasileiro tinha sempre a ideia de que escrever era uma bossa. Baixava um santo. Eles, divulgando Ezra Pound e outros sujeitos, ajudaram o brasileiro a ter uma base mínima de consciência literária, de saber o que é poético. O fato de que uns tenham brigado com outros, isso foi um acidente. Eles abriram os olhos para a critica e para a teoria aqui no Brasil.
(Entrevista a Toni Marques, 0 Estado de S. Paulo, Caderno 2,
São Paulo, 17 set. 1988.)
Eu tenho a impressão de que aquelas experiências concretistas não estavam esgotadas. Eles podiam continuar fazendo aquilo. Agora, se ele sentiram necessidade de fazer outra coisa é um problema deles, Mas a experiência deles não estava esgotada. É a mesma coisa que dizer que a pintura de Mondrian estava esgotada. Mondrian morreu, deixou de pintar, mas podia ter continuado naquelas experiências. Existe uma concepção agora de que o autor tem sempre que se renovar. Eu tenho a impressão de que o autor, depois de chegar à sua maneira pessoal, deve desenvolver aquilo e executar aquilo, e não viver num estado permanente de evolução. Você vê a pintura, por exemplo, ou a escultura. Hoje você pega dois tijolos, amarra com um arame e diz que é uma escultura.
(Entrevista a José Geraldo Couto, Folha de São Paulo, caderno Mais! São Paulo, 25 maio 1994) |