NOIGANDRES: ORIGEM E SIGNIFICADO DO TERMO
em pesquisa de Antonio Risério
Muitos "críticos" escrevem o que "acham" sobre determinados textos... Visões subjetivas do objeto "estudado", frases despistadoras, sem base no original... É o que Antonio Risério criticou: "Esta crítica jornalística, imprecisa e insatisfatória em suas análises" (p. 88, op. cit.)
O poeta e crítico baiano, ao contrário, fundamenta-se em bibliografia pertinente e ampla, produto de pesquisa e análise que exige erudição e interpretação criativa. Seus ensaios são bem documentados, mas em linguagem fluída e contagiante, que equilibra razão e sentimento. Sou um admirador do trabalho dele! ( A. M. )
A seguir, um fragmento do capítulo "Formação do Grupo Noigandres", do livro:
Antonio Risério
cores vivas
Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989. 132 p.
[inclui um texto s/ Noigandres]
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Por fim, "noigandres". A história desse nome merece algumas linhas. Tudo começa com um verso misterioso de Arnaut Daniel, na canção "Er vei vermeills". A bem da verdade, a canção não é nem mais nem menos hermética que outras do mesmo Arnaut. Nem o verso em questão é especialmente enigmático. O mistério, desafiando longamente as habilidades champollionescas dos eruditos treinados na lírica medieval dos séculos 12 e 13, concentrava-se numa única expressão, que coincidia ser o sintagma final do texto: "noigandres". E quando Ezra Pound, atraído pela criação poética dos trovadores occitâni-cos, topou com a velha dificuldade dos lexicógrafos, recorreu ao provençalista alemão Emil Lévi, deixando-nos, em seus "Cantares", um relato da conversa: "Noigandres, eh, noigandres,/ Now what the DEFFIL can that mean!", exclamara Lévi, carregando no sotaque - "Canto XX". Cerca de um quarto de século mais tarde, no Brasil, os irmãos Campos e Décio Pignatari, em busca de combustível para a viagem sígnica a que davam início, fixaram sua atenção na aventura crítico-poética de Pound. Foram ao "Canto XX" e aí pescaram o nome para o grupo que acabavam de formar. A expressão provençal fora "tomada como sinónimo de poesia em progresso, como lema de experimentação e pesquisa poética em equipe", informa, em comentário retrospectivo, a sinopse do movimento "concretista", estampada em apêndice à "Teoria da Poesia Concreta". A referência a Arnaut Daniel é reveladora em si mesma. Na classificação poundiana dos escritores, Arnaut é considerado o "inventor" típico. Exemplo de artista capaz de gerar novas matrizes estéticas. Deste ângulo, "noigandres" seria uma denominação poética para a invenção. Desafio as-' sumido de produzir procedimentos inéditos no campo da poesia. E assim enriquecido de nova aura semântica - enigma linguísticco a ser decifrado na prática poética -, o termo ingressaria na cultura literária brasileira. Interessante é que os poetas do grupo "noigandres" teriam de esperar pela década de 70 para conhecer o sentido exato da expressão ado-tada na juventude. Hugh Kenner ("The Pound Era", Faber & Faber, Londres, 1971) desvelaria o mistério, revelando que Lévi, após seis meses de labuta, conseguira reconstituir o termo: "d'enoi gandres". "Enoi" seria forma cognata do francês moderno "ennui" (tédio). E "gandres" derivaria do verbo "gan-dir" (proteger). Assim, além do sabor de palavra "portmanteau", "noigandres" significa algo que "protege do tédio" ("ainda bem", co- rnentoLi Augusto de Campos, ao receber a boa nova). E nada mais justo. De onde quer que seja encarada, a trajetória do "grupo noi-gandrcs", que se inicia em 1952 (revista "Noi-gandres l", compendiando as colctaneas de poemas "Ad Augustum per Angusta" e "O Sol por Natural", de Augusto de Campos, "Rumo a Nausicaa", de Décio Pignatari, e "A Cidade" e "Thalassa Thalassa", de IIaroldo de Campos) e se estende formalmente até 1962 (com "Noigandres 5", antologia do grupo, "do verso à poesia concreta", acrescido dos nomes de Ronaldo Azeredo e José Uno Grunewald), é a história de uma militância poética e intelectual, cuja vitalidade jamais admitiria o mormaço da existência melancólica. (p. 93-96).
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