GRUPO FRENTE
Márcio Almeida
A geração FRENTE nasceu também sob o signo do inconformismo, em busca de uma revisão de valores da época ditatorial. A conduta ideológica de FRENTE põe em destaque o sentido do movimento aberto e dinâmico/ da participação através das artes, do testemunho vivenciado, da ação poética. Seus temas absorvem o acontecer do mundo e da vida. Toma-se onsciência da insignificância do homem diante de sua própria limitação. O assunto local passa a ser o reflexo da situação universal.
A aldeia de McLuhan está fervendo, a reprodutibilidade de W. Benjamin leva o poeta a utilizar novos meios de comunicação.
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O movimento surge não como substituto do grupo VIX, mas para ampliar a ação poética em Oliveira com maior número de participantes, envolvidos agora não só com a poesia, mas também com as artes em geral. Esta diferença é importante para que se possa distinguir o trabalho pioneiro de VIX do trabalho cultural do MAPA.
FRENTE faria seu posicionamento num tempo em que, por todo o país, os poetas vinham questionando a situação da poesia na vida do homem contemporâneo. Marx já havia dito que "numa sociedade capitalista não há lugar para a poesia". Em contrapartida FRENTE insistiria com alento, na busca de um sentido para sua geração, já pressentindo o caos, a falência de todos os mitos e heróis, a massificação da cultura, a reprodutibilidade da obra, a irreversível condição de mortais condenados pela própria ação
predatória da humanidade.
FRENTE descobre (via VIX) em Cassiano Ricardo a necessidade de o poeta ser também um técnico em linguagem, na produção do poema, mantendo sempre a emoção sob controle para garantia da mensagem, da marca do humano.
Constituído basicamente por Maria Célia Rocha Nicácio, Heloísa Muniz Benedetti, Maria José Chagas, Judas Tadeu dos Mártires, Márcio Almeida, Hugo Pontes, além do "pessoal" do MAPA (em 66 o movimento chegou a agregar 52 participantes, com atividades no salão da ex-Casa Paroquial, sendo vigário o recém- chegado Pé. Nereu de Castro Teixeira), esses poetas viriam, em nível local/ desencadear novos rumos para a linguagem da poesia de Oliveira/ além dos contatos permanentes com valores do interior/ da Capital e de outros Estados/ sendo comuns as semanas de artes em Divinópolis/ Pirapora/ Montes Claros/ Itapecerica e Oliveira/ os happenings de Cataguases, debates/ mostras.
FRENTE publicou três revistas/ respectivamente em 1965, 66 e 1968, mas os poetas desse movimento publicaram nos vários jornais e revistas da época/ entre eles Gazeta de Minas, SLD, de Cataguases/ Agora, de Divinópolis/ Tribuna Literária, de Pirapora/ Jornal do Escritor e Jornal de Leiras/ Rio de Janeiro/ Suplemento Literário do Minas Gerais, de Belo Horizonte/ inclusive em edição especial/Azor/ de Barcelona/ Poema Convidado, de Boulder/ Colorado.
Os poetas de FRENTE ganhariam também prémios nacionais/ mas até o momento apenas Judas Tadeu dos Mártires publicou livro-solo/ Espaço Curto de Tempo, pela Santa Cruz Editora/ em 68.
O trabalho dos poetas de FRENTE coincidiu com a busca de circuitos alternativos/ com o fim do sectarismo do final dos anos 50/ com o resgate de uma linguagem coloquial e o advento do movimento do poema-processo/ com a utilização do mimeógrafo como mídia impressa do poema/ com a revolução estudantil/ as
críticas de G. Vandré/ a Tropicália/ os Atos Institucionais/ o gigantismo imposto pelo endividamento/ com o estruturalismo de L. Strauss/ cassações e exílios/ com as experiências pioneiras da holografia.
A linguagem dos poetas de FRENTE reflete seu contexto histórico. Verso livre/ explorações verbivoco visuais herdadas de VIX/ a psicose da inquietude pêlos atos ditatoriais/ a ameaça nuclear/ a perda da individualidade/ a postura anti-cadêmica/ apesar de incisiva presença lírica em alguns/ a expectativa de uma mudança na ordem política.
POETAS AUTÔNOMOS
Em 1970/ a geração FRENTE desfez-se em virtude das contingências naturais da vida no interior: o êxodo para a cidade grande atrás de uma especialização profissional/ de um emprego/ do futuro/ da sobrevivência/ de uma história nova/ então ainda por ser vivenciada in loco.
(de "Literatura em Oliveira de 1961 à Atualidade"/ in Gazeta de Minas,
Oliveira, 02 novembro 1986.)
ENTREVISTA
respostas de márcio Almeida/ maricoeli rocha/
judas Tadeu/ Jieloísa Muniz
1) Há quem diga que a palavra já não tem vez na poesia.
Usam-se recursos gráficos, plásticos, etc. enfim: em que medida a palavra funciona ainda na poesia? ou não funciona mais? está viva ou morta?
"Ai, palavra, ai, palavra que estranha potência a vossa." A palavra no poema vale como um instrumento capaz de revelar em seu contexto estético-gráfico-visual - aquilo que a condiciona para uma comunicação em comum, sem os preconceitos bolorentos, cristalizados e impostos por uma cultura e época não-funcionais à realidade poética de agora. Com o concretismo, a palavra ganhou mais força audio-visual no contexto e permitiu ao poeta pesquisar outras formas e estruturas mais convenientes à criação de poemas, realmente livres dos chavões tradicionais. Os recursos gráficos, plásticos e semânticos, possibilitaram ao poeta maior desenvoltura e sair do caos da hierografia poética, tantas vezes inútil e hermética. Estes elementos mostraram ao poeta o seu campo de ação e pesquisa, a matéria-prima do seu trabalho e facilitaram a comunicação com o público. Substituíram o discursivo, a verborreia e hoje "cada palavra é um poema no todo que se revela".
2) Acreditam na eficácia da poesia oral? em que moldes deveria ser feita? vocês a fazem? hoje, mais que nunca, a poesia está visual. Isto impede ou não que seja recitada ou lida em público?
Há certas coisas que só o poema de vanguarda consegue, visualmente, "falar", outras que somente a poesia oral consegue comunicar. Como "faber", "collage, 66", "não, poesia para" e no caso do movimento oliveirense. Senso, Memorando, Chão e outras "oralizações poéticas".
Um poema, de por exemplo Verlaine ou Victor Hugo é discursivo, feito numa época já suplantada pela tecnologia e eventos artísticos hodiernos. Nem por isso, ele deixa de possuir sua vitalidade clássica. E por um processo de oralização perfeito, ainda funciona ou "fala" - o que marca sua importância. O poema, antes de tudo deve aproximar o público daquilo que ele apresenta como arte comunicante. A poesia oral é um veículo para essa comunicação e o concreto-visual não impede que ela tenha sua razão de ser em pleno período de fixação do poema/processo.
Márcio Sampaio quis visualizar um romance. Isto demonstra que um poeta sério e consciente de sua participação tentou levar ao público o discursivo em moldes de uma estrutura de vanguarda, por outro lado, deve-se salientar que o público está (mal) acostumado a ler (com os olhos) e a ouvir a poesia sem, entretanto, admitir que ela possa ser algo visualizado numa forma que nada tem a ver com o discurso.
3) Qual a opinião de vocês sobre a poesia nova mineira?
Acreditamos que no país a poesia e a poética levadas a sério com conscientização dos problemas e o universal das coisas está agora em Minas - movimento iniciado com Tendência por Afonso Ávila, se ramificando em grupos como Ptyx e Vereda - este último propiciando o surgimento de outros pelo interior (G. E. L. A., Grunappo, VIX). Sem negar a importância vital do movimento Verde, de Cataguases, onde ainda se tem Literatura e Cinema e Teatro de vanguarda, mantidos em sua evolução pêlos poetas do S. L. D., e em especial Joaquim Branco, Rosário Fusco e a tradição de Humberto Mauro que fixou ali o marco primeiro da cinematografia no Estado. Cremos também, lamentavelmente, que a importância de Afonso Ávila ainda não foi devidamente correspondida ao esforço do poeta de "Carta ao Solo" como o de projetar Minas no cenário lítero-artístico numa época em que o mineiro se despertava para a vanguarda em seu sentido mais amplo.
Negar "Carta Referencial" como um documento imprescindível para os poetas novos é o mesmo que julgar a Antropofagia de Oswald de Andrade, a Semana
de 22, Noigandres, Verde-Amarelo e Praxis como movimentos retrógrados na Literatura nacional. O mineiro, de modo geral, tem timidez de confirmar a presença de Afonso Ávila, especialmente na Poesia de Minas, mas reconhecemos, como um simples movimento do interior as influências do poeta pelas raízes que ele plantou para os novos colherem frutos poéticos mais sólidos e menos amargos que a primeira safra de Tendência.
Outros poetas estão presentes: Libério Neves e Henry Correia de Araújo, de Vereda, Márcio Sampaio, de Ptyx, Emílio Moura, Laís Correia de Araújo, na capital. Lázaro Barreto, de Agora, Divinópolis, juntamente com Neide Malaquias e Osvaldo Melo. Pirapora que, apesar de recente já nos deu José de Arimatéia. Juiz de Fora, a presença de Wagner Correia de Araújo. Sete Lagoas com o ex-vixiniano Márcio V. Silveira Santos. A presença maior, acha-se no Suplemento Literário onde publicam os melhores poetas, contistas e escritores. Há ainda alguns que não poderíamos deixar de citar: Adão Ventura, Sebastião G. Nunes, [Fernando Teixeira e os novos que têm surgido com muita promessa.
|4) Como encaram a poesia participante ou engagée. Vanguarda?
Participação: entendemos ser a tomada de posição do poeta sobre a realidade universal e depende da intervenção (ingerência) dele através da vigência no desenvolvimento artístico e tecnológico. Sem conscientização poética, participação, na contextura da época, sem pesquisa séria, sem identificar a poética às artes plásticas, o poeta de vanguarda não terá razão de ser, sendo superado em suas raízes.
Vanguarda: A participação do poeta na sua época, refletindo sua criação no meio direto de comunicação das coisas dessa época. Não é só "ir e frente, na frente e em frente"; é sobretudo ter consciência disto. "A poesia passa a ser uma resposta atuante, integração do real, linguagem criativa, da afirmação estética que aflora uma consciência, abertura dentro da dinâmica social."
5) Para onde caminha a poesia? Ou está parada?
A poesia não está parada. É um veículo de (e para) comunicação sem combustível (linguagem) suficiente para levá-lo ao seu objetivo (massa). O movimento do poema/processo atesta uma época de símbolos e outros recursos inventados. Em si, ele é a prática do gesto de uma palavra (quando em consumo) e a experiência de gesticular uma síntese (quando em procedimento do poeta-público). A radicalidade de um é, pois, o espantalho (a presença de aproximação para a efetuação maquinal do objeto ou poema) de outra. Cada poeta de vanguarda, desde que não esteja vinculado a um determinado grupo ou movimento é uma
tendência que se impõe, individualmente. Há muitas e a maioria insiste nas teclas já desafinadas quanto à criação do novo que surge de uma minoria.
A poesia que deveria ser agora, antes de tudo, um propósito de experiência para uma possível "saída" está num círculo-vicioso. O que se faz poeticamente (salvo algumas exceções) é dar outra forma ao já formado; reinventar, copiar ou transferir a palavra de um estado formal discursivo ou sintético para a síntese concreta ("o concretismo parou na soleira...") também gasta. As influências de João Cabral, Drummond, Cassiano Ricardo foram importantes, mas já não abrem caminhos para aqueles que chegaram no fim do beco. A vanguarda é válida porque
tem evolução própria e coletiva em relação às demais poéticas. Marcuse, por exemplo, sabe como comunicar, mas, não é a comunicação.
Acreditamos que muitos poetas novos se envolveram até nas raízes dos poetas maiores pois que eles tinham já uma conduta poética mais sólida e definida e agora não acham a saída porque não sabem ou então não procuram a sua própria linha, além de se perderem em experiências que nada acrescentam de novo e de importante contra crise que lhes pertence. É preciso que cada um tome consciência daquilo que está fazendo. A verdade é que, muitos aguardam, comodamente, que um dia alguém descubra a porta e possam todos passar por ela rumo ao sol do outro lado.
A época é de festivais e fofocadas. E deveria haver no Brasil, e em cada Estado, se possível, um Festival de Poesia.
(in Suplemento Literário do Minas Gerais, Ano IV, n" 125, Belo Horizonte, 18 janeiro 1969.)
Extraído de
DIMENSÃO – Revista Internacional de Poesia
Uberaba/Brasil – Ano XVII – N. 26 – 1997 – Número Especial III
Direção de GUIDO BILHARINHO
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