HERMES FONTES
(1888-1930)
POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA
Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou vendo-a, sem, na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos — uns, sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do meu Ser;
outros — hóstias ideais dos meus anseios,
e todos cheios, todos cheios
do meu infinito amor...
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca!
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via-láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...
Um poema em forma de taça. Um precursor, sem dúvida, do caligrama (caligramme) entre nós, antes de Apollinaire. É certo que o autor não “desenhou” com letras a taça, como fariam os caligramistas, nem teve recursos gráficos para dar contornos mais definidos à figura, o que hoje seria possível fazer com qualquer programa de edição... Mas fica aqui o registro. Resta apenas determinar a data exata da publicação do poema acima para definir melhor a dimensão de seu pioneirismo. A.M.
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