Rui RIBEIRO COUTO
nasceu em Santos, em 1898, e morreu cegO, em ParIs, em 1963. Cresceu ouvindo e vend o barulho e a azáfama dos embarques e aprendendo a poesia do comércio, conforme ele mesmo revela em poema dedicado à sua cidade natal. Em Santos fez seus estudos primários e secundários. Veio seguir, depois, os cursos jurídicos em São Paulo, ocasião em que ingressa na imprensa, a principio como revisor e, logo mais, como redator. Assistiu à exposição renovadora de Anita Malfatti e apoiou a pintora na sua experiência em prol da arte nova. Em Campos do Jordão e Pouso Alto andou a reconquistar a saúde. Foi promotor público em São Paulo e em Minas Gerais. Ingressou em 1928 na carreira diplomática, tendo representado o Brasil
na lugoslávia, junto ao Marechal Tito, depois de haver servido na Franca, Portugal e Holanda. Conquistou prêmios literários no estrangeiro e publicou livros escritos em francês. A ele se deve a divulgação da poesia brasileira no exterior.
Além de poeta, Ribeiro Couto é autor de romances, contos e crônicas, tendo pertencido à Academia Brasileira de Letras. Seu primeiro livro de poemas apareceu em 1921 e intitulava-se O Jardim das Confidencias, obra que João Ribeiro saudou como "um dos poucos evangelhos de renovação e renascença poética". Cultivando inicialmente um simbolismo intimista, penumbrento, expresso em versos musicais e discretos — teve sempre horror à eloquencia e ao alarido — fixou, com ternura e melancolia, temas humildes, num canto à simplicidade. Dos assuntos burgueses, cujo sentimentalismo bem traduziu, revelando o encanto dos serões tranquilos,
a modorra dos subúrbios, as despreocupações da infância, os problemas de amor e insatisfações das meninas e moçoilas floridas, evoluiu para urna lírica entre brejeira e sentimental. "É o nosso Casimiro de Abreu"' '— dele dizia Graça Aranha. Mas, a seguir, transformou-se numa espécie de Noel Rosa apurado. "Ele sofre e caçoa, numa admirável transposição culta, dessa carioquice sem comparação no mundo, que está nos sambas, nas modinhas, nas marchas carnavalescas" '— anotaria Mario de Andrade. Deixou-se fecundar pelas construções rítmicas e métricas e pelo espírito dessas formas de expressão da música popular. Dos versos rimados e obedientes às convenções, passou para a liberdade formal, vindo a alcançar, com esse novo instrumento, um ritmo próprio e o pleno domínio da matéria poética. Não se esqueça, porém, que esse homem tranquilo e sereno, incansável pesquisador
dos mistérios e da essência da vida, aprendeu, desde a infância, a poesia do comércio. Se tem "no sangue o instinto da partida, o amor dos estrangeiros e das nações", é também temperamento ativo e dinâmico, a discutir o preço do café e a fazer a apologia das coisas práticas e concretas — conforme o depoimento de Tristão de Ataíde. Se canta a mansuetude da vida, se incorpora a si e à sua poesia as contradições afetivas e sentimentais do brasileiro, se é um intérprete do lirismo capadócio e jocoso do povo, consegue igualmente traduzir entusiasmo pelo Brasil e pela América, e ser, ainda, um homem do mundo e do seu tempo dramático e
inspirador.
Obras: O Jardim das Confidencias (1921); Poemetos de Ternura e Melancolia
(1924); Um Homem na Multidão (1926); Canções de Amor (1930); Noroeste e Outros Poemas do Brasil (1933); Província (1933); Cancioneiro de Dom Afonso (1939); Cancioneiro do Ausente (1943); Dia Longo (1944); Poesias Reunidas (1960); Longe (1961).
Biografia de autoria de Mário da Silva Brito (Poetas Paulistas da Semana de Arte Moderna. São Paulo: Martins, Conselho Estadual de Cultura, 1972)
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ITALIANO
MODINHA DO EXÍLIO
Os moinhos têm palmeiras
Onde canta o sabiá.
Não são artes feiticeiras!
Por toda parte onde eu vá,
Mar e terras estrangeiras,
Posso ouvir o sabiá,
Posso ver mesmo as palmeiras
Em que ele cantando está.
Meu sabiá das palmeiras
Canta aqui melhor que lá.
Mas, em terras estrangeiras,
E por tristezas de cá,
Só à noite e às sextas-feiras.
Nada mais simples não há!
Canta modas brasileiras.
Canta — e que pena me dá!
Da Longo — Lisboa: Portugália Editora, 1944
VIOLÁO DO CAPADÓCIO
Cada muiher é uma valsa.
Muiher, sincera ou falsa,
Faz cantar meu violão.
Quando eu por uma sou traído e abandonado,
Recebo de outra um bilhetinho perfumado,
Me chamando seu coração.
Eu me consolo tão depressa
Que não sei quando o amor começa.
Ora em riso, ora em pranto,
Já amei tanto, tanto
Que não sei mais a quem.
Por mais que eu ame e mais que eu chore, é sempre pouco:
Mas o violão, que é meu amigo, fica rouco:
O meu violão chora também.
Se ao meu violão confio a queixa,
Ele soluça e não me deixa.
LUAR DO SERTÃO
Ao trote
Do baio,
Na estrada
Deserta,
que bom!
Anoitece.
Ao longe,
No vasto
Horizonte
Da serra,
O pasto
Parece
Suspenso
Das nuvens.
Molhada
De chuva
A estrada
Deserta
Prolonga
A esperança
Da boa
Pousada:
Café
Com mistura;
Cigarro
De palha;
Na escura
Cozinha,
Tições
Que chamejam;
Na sala
Em silêncio,
A rede
Que range.
Ao trote
Do baio,
Que doce
Lembrança
O rosto
da moça
Que mora
Na serra,
No rancho
De palha!
Serão
Vaga-lumes?
Na sombra
Da noite,
Dois olhos
Espiam
Perdidos
Na moita.
Serão
Vaga-lumes.
De súbito
Um tiro.
Agora,
No vasto
Horizonte
Da serra,
Silêncio.
Ao longe,
Na beira
Da estrada,
A moça
Esperando.
A lua
Vermelha
Por cima
Da serra
Começa
A apontar.
Por que
Tarda tanto
O trote
Do baio
Na estrada
Deserta?
“Falou
Que passava
Na boca
Da noite.”
Café
Com mistura,
Calor
E ternura,
Que noite
Bonita
Com a lua
Vermelha
Por cima
Da serra!
Na rede
Que range,
Quem bom esperar!
Que bom esperar!
Porém,
Na cozinha
O fogo
Apagou.
A lua
Vai alta.
Na rede
Quieta
A moça
Adormece
Sòzinha,.
É madrugadinha.
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POESIA BRASILIANA EN ITALIANO
LUNA AGRESTE
Trad. Anton Angelo Chiocchio
Che bello
trottar
Coi morello!
Già è scuro
sul moto
tratturo.
Lontano,
nel vasto
orizzonte
montano,
um poscolo
vano
di nuvole.
Molle
di pioggia,
la strada
selvaggia
affretta
al ritorno:
la teglia
che bolle,
caffè
sigaretta,
nel forno
la legna
che abbaglia
e che crepita,
in câmera
um´amaca
dondola
e raglia.
Che dolce
trottare
e sognare
la Donna
che veglia
nel rancho
di paglia!
Che sono,
due lucciole?
Brillano
fissi
dall´ombra
del raro
macchione
due occhi:
due lucciole,
è chiaro;
ma esplode
um sparo.
Ora lato
è il silenzio
nel vasto
orizzonte
montano.
Lontano,
la Giovane
aspetta
sul ciglio
del viottolo.
Dietro
la vetta
comincia,
rossiccia,
la luna
a spuntare.
“Perchè
non si sentono
ancora,
o mio snello
morello,
trottare
i tuoi zoccoli?
Eppure
dovevi
arrivare
a quest´ora...”.
E fuma
il cafffè;
tenerezza,
tepore;
profuma
la brezza
notturna
e la luna
resseggia.
Che bello
aspettare
e l´amaca
far dondolare!
É bello
aspettare!
Ma il fuoco
s´è spento.
Già alta
nel vento
la luna
veleggia.
Nell´amaca,
queite,
la Donna
s´appisola.
Albeggia.
Extraído de ANTON ANGELO CHIOCCHIO – CINQUE NOTTURNI BRASILIANI (Cinco noturnos brasileiros). Rio de Janeiro: Edições GRD, 1964.
Exemplar da coleção de Marly de Oliveira, doada pela família à Biblioteca Nacional de Brasília.
Página publicada em junho de 2009.
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