ANDERSON BRAGA HORTA
N. a Carangola, Minas Gerais, Brasile, il 17 novembre 1934. Poeta, narratore, saggista. Laureao in giurisprudenza.
EN ITALIANO / EM PORTUGUÊS
Traduções de Mercedes La Valle
INVENÇÃO DA NOITE
Deste silêncio e desta treva
construo a minha noite
particular e intransferível.
Não preciso inventar as estrelas,
elas nascem e brilham por si mesmas.
E à meia-noite uma lua triste
levanta a cara de prata no horizonte
e verte nos meus olhos um choro, um frio.
(Altiplano e Outros Poemas, 1971)
INVENZIONE DELLA NOTTE
Con questo silenzio e con quest’ombra
costruisco la mia notte
particolare e intrasferibile.
Non voglio inventare le stelle,
che nascono e brillano per se stesse.
E a mezzanotte una luna triste
mostra il suo volto d’argento all’orizzonte
e versa nei miei occhi un pianto, un freddo.
DOS INSTRUMENTOS DE CAIM
Impossível situar
Caim, o onipresente.
Ele está na rosa-
-dos-ventos, em cada
pétala. Ele é o nosso
oeste, mas também
pode vir do leste.
Está ao norte e ao sul.
Talvez esteja em nós.
Impossível figurar
Caim, o onímodo.
Ele se veste: de sábio,
mulher, militar, político,
artista, multidão: nem sempre
de serpente. Está impresso
nos jornais. Enrosca-se
em papéis, papéis. Está
dentro da caneta.
Antes procurá-lo
nas suas armas. Mas
que imenso arsenal!
Qualquer coisa serve
para matar, e até
coisa nenhuma.
(Um advérbio, um silêncio.)
—Procurá-lo naqueles
de seus instrumentos
mais densos de
ódio: ei-lo.
(Exercícios de Homem, 1978)
GLI STRUMENTI DI CAINO
È impossibile cercare
Caino, l’onnipresente.
Egli sta in ogni petalo
della rosa dei venti.
È il nostro ovest, ma anche
può venire dall’est.
Si trova al nord e si trova al sud.
E forse anche in noi.
È impossibile immaginare
Caino: è illimitato.
Si veste da saggio,
donna, militare, politico,
artista, moltitudine: non sempre
da serpente. È stampato
nei giornali. Si avvolge
nelle carte, carte. Sta
ben dentro la penna.
Tentiamo cercarlo
fra le sue armi. Ma
che immenso arsenale:
qualche cosa serve
per uccidere, e perfino
nessuna cosa.
(Un avverbio, un silenzio.)
Ma se lo cerchiamo
fra quei suoi strumenti
più densi di odio,
ecco che lo troviamo.
O TEMPO
Soa a hora, sonora,
no relógio de pêndulo.
Que sabemos do tempo?
O tempo não se deixa capturar.
E pulsa, no escuro,
como um grande pássaro.
Inútil acender o dia.
Passa (e não passa) o tempo.
Mas
não fluvial, nem nuvens: como
as correntes marinhas
no mar imóvel,
flui o tempo em si mesmo.
IL TEMPO
Suona l'ora, sonora,
nell'orologio a pendolo.
Che sappiamo del tempo?
Il tempo non si lascia catturare.
E pulsa,nel buio,
come un grande pàssero.
È inutile accendere il giorno.
Passa (e non passa) i1 tempo.
Ma
non fluviale, ne nuvole: come
1e correnti marine
nel mare immobile, .
fluisce il tempo in se stesso.
O GRILO
A Carlos Drummond de Andrade
Emerso do dia áspero
de políticos, militares, catástrofes,
dobro minhas perplexidades,
revoltas, esperanças, junto
com as roupas, sobre a cadeira:
dispo-me
para o banho nirvânico do sono.
E vou contando os cavalos da insônia:
nossa incompleta humanidade,
nossa incapacidade de amar...
Súbito,
insistentemente,
um grilozinho no corredor
cricrila débil.
E seu cricrido é um vagido
de menino recém-nascido.
Pobre grilozinho noturno
evadido da sombra exterior
para o dia elétrico do apartamento,
lá fora teus irmãos maiores
trilam tão forte,
ébrios de natureza. Mas tu,
pobre grilozinho noturno,
renunciaste estrelas, orvalho,
pra lembrar que não me secaram
de todo as fontes de ternura.
IL GRILLO
Emerso dal giorno aspro
di politici, militari, catastrofi,
raddoppio le mie perplessità,
rivolte, speranze, insieme
con i vestiti, sulla sedia:
mi preparo
per il bagno nirvanico del sonno.
E vado contando i cavalli dell'insonnia:
nostra incompleta umanità,
nostra incapacità di amare.
Subito,
insistentemente,
un piccolo grillo nel corridoio
canta debolmente.
E il suo canto è un vagito
di bimbo appena nato.
Povero piccolo grillo notturno
evaso dall'ombra di fuori
nella luce elettrica dell’appartamento,
là fuori i tuoi fratelli più grandi
trillano così forte,
ebbri di natura. Ma tu,
povero piccolo grillo notturno,
respingesti stelle, rugiada,
per ricordare che non mi inaridirono
del tutto le fonti della tenerezza.
VAZIO
Voam velozes, vazios,
vagos, volúveis, os ventos.
E vai a vida voando
na vaga verde do tempo.
Ávidas aves vadias
vagam, navegam no vento.
E vão vagindo, vingando
na vaga voraz do tempo.
Alma! ai ave que vacila
na voz uivante dos ventos!
ai nave a vogar vazia
na vaga escura do tempo!
(Cronoscópio, 1983)
VUOTO
Volano veloci, vuoti,
liberi, volubili, i venti.
E va la vita volando
nell’onda verde del tempo.
Avidi ucelli oziosi
vagano, navigano nel vento.
E vanno gemendo, trionfando
nell’onda vorace del tempo.
Anima! ah, uccello che vacilla
nella voce ululante dei venti!
ah, nave vuota che voga
nell’onda oscura del tempo!
PUREZA
As luzes se apagaram de repente.
E redescubro, em plena noite urbana,
o céu de minha infância.
Lírico céu noturno,
céu lavado de chuva, céu telúrico.
Estrelas, altas estrelas,
e ao nível de meu gesto os pirilampos.
Odor de terra e mato.
Sarapatel de sons: corujas, grilos, sapos.
Intimidades de capim e orvalho.
O gosto
bom de uma argila ainda não corrompida.
(Cronoscópio, 1983)
PUREZZA
Le luci si spensero all’improvviso.
E rividi, in piena notte urbana,
il cielo della mia infanzia.
Lirico cielo notturno,
cielo lavato di pioggia, cielo tellurico.
Stelle, alte stelle,
e a portata di mano le lucciole.
Odore di terra e di selva.
Miscuglio di suoni: civette, grilli, rospi.
Intimità di fieno e rugiada.
Il piacere
buono di un’argilla ancora non corrotta.
Traduções de Vera Lucia de Oliveira
COMPARAÇÃO
Noite. Deito-me. Insone, fito a lâmpada
em que acham luz e morte as mariposas.
Idealizo a última catástrofe.
(Incomunicação, 1977)
COMPARAZIONE
Notte. Mi corico. Insonne, fisso la lampada
in cui trovano luce e morte le falene.
Ideo l’ultima catastrofe.
UNIÃO
À noite a insônia deita-se comigo.
Dessa união nascem meus poemas e minhas olheiras,
meu deslumbramento noturno,
meu fascínio ante o mistério,
meus medos e minhas vagas
difusas frágeis crenças.
UNIONE
Di notte l’insonnia si corica con me.
Da questa unione nascono le mie poesie e le mie occhiaie,
il mio incantamento notturno,
il mio fascino di fronte al mistero,
le mie paure e le mie vaghe
diffuse fragili credenze.
Traduções de Giampaolo Tonini
(para a antologia bilíngüe Poeti Brasiliani Contemporanei,
organizada por Sílvio Castro – Veneza, 1997)
O RIO
Caem
do céu as trevas.
Inquiro-as:
onde a luz?
e as trevas calam.
E diz-me o rio a tremular o dorso:
—Eu sou a luz. Caminho.
Ai marulho que emerges
dentre o sono das coisas,
luz pressentida em prata,
fluvial eflúvio, cantas
bolhas na epiderme da noite.
E eu sigo liquefeito. E as
águas encurvam meandros à
Lua, lingotes de aço em
brasa chicoteando a
noite.
E as águas:
—Rio não és, caminhas
mas sufocas os peixes no teu lodo.
Ai cristalinidade.
Me purifico. E vou rio.
E o rio:
—Vida não tens, que és puro e
falso
como uma rosa geométrica.
As rosáceas são frias e inodoras
como os peixes não crescem sem mistério.
Ai dosagem ideal
de limo e argila e pranto.
Só Natureza sabe as suas fórmulas.
E modelo-me em fôrmas
que não sei. E sou homem, e,
rio,
cavo o meu leito e vou
no rumo do remanso.
Sou água, e diz-me a água:
—Vai, que a saudade espreita-te das margens.
E em teu espelho não se quebrará
a face dos lírios que sobre ti se inclinarem.
(Incomunicação, 1977)
IL FIUME
Scendono
dal cielo le tenebre.
Le interrogo,
dove la luce?
E le tenebre tacciono.
E mi dice il fiume scintillando il dorso:
– Io sono la luce. Cammino.
Ahi tumulto che emergi
di tra il sonno delle cose,
luce presentita nell’argento,
fluviale effluvio, canti
bolle sull’epidermide della notte.
E io proseguo liquefatto. E le
acque curvano meandri alla
Luna, lingotti d’acciaio
incandescenti che sferzano
la notte.
E le acque:
– Fiume non sei, cammini
ma soffochi i pesci nel tuo loto.
Ahi trasparenza.
Mi purifico. E vado fiume.
E il fiume:
– Vita non hai, che sei puro
e falso
come una rosa geometrica.
Tali rose sono fredde e inodori
come i pesci non crescono senza mistero.
Ahi dosaggio ideale
di limo e argilla e pianto.
Solo Natura sa le sue formule.
E mi modello in forme
che non so. E sono uomo, e,
fiume,
scavo il mio letto e vado
verso più quiete sponde.
Sono acqua, e mi dice l’acqua:
– Va, che la nostalgia ti spia dalle rive.
E nel tuo specchio non si spezzerà
l’immagine dei gigli che su di te si inclineranno.
O TEMPO
Espantados olhos
vasculhando a treva.
(A ignorância nossa
do mistério é ceva.)
Num lugar da noite
(ao lado ou cá dentro)
dormem o ontem, o hoje,
o amanhã e o sempre.
Onde a espada que
a armadura rompa,
onde a lança que
desmantele o escudo e
mostre as faces do
tempo simultâneas?
(Altiplano e Outros Poemas, 1971)
IL TEMPO
Sgomenti occhi
esploranti le tenebre.
(La nostra ignoranza
del mistero è esca.)
In un luogo della notte
(accanto o qui dentro)
dormono l’ieri, l’oggi,
il domani e il sempre.
Dove la spada che
l’armatura rompa,
dove la lancia che
sfasci lo scudo e
mostri le facce del
tempo simultanee?
OLHOS
De repente descubro
a lavada beleza de teus olhos.
(Entre mim e o sono
trazes um sol nos lábios
e nos seios Vênus.)
Teus olhos são como céus que choveram.
(Incomunicação, 1977)
OCCHI
All’improvviso scopro
la lavata bellezza dei tuoi occhi.
(Tra me e il sonno
porti un sole sulle labbra
e sui seni Venere.)
I tuoi occhi son come cieli che han piovutto.
NÓS, O HOMEM
Mineiro noturno, escavo
minhas minas de angústia.
Uma luz na testa —
um caminho, antolhos, parede de pedra.
Uno e múltiplo,
solidário e solitário, respiro
pó e treva. E esperança.
Escavo a terra,
mas de mim mesmo extraio as minhas gemas.
Elas brilham no escuro,
iluminam meus medos e meus tédios,
minha força e minha fé.
Ajo e contemplo-me.
Escavo, escravo: de antever-me
lavado em névoas matutinas.
E vou, retórico e despido,
a caminho de mim.
(Exercícios de Homem, 1978)
NOI, L’UOMO
Minatore notturno, scavo
le mie miniere d’angustia.
Una luce sulla fronte –
un cammino, occhiali, muro di pietra.
Uno e multiplo,
solidario e solitario, respiro
polvere e tenebre. E speranza.
Scavo la terra,
ma da me stesso estraggo le mie gemme.
Esse brillano nell’oscurità,
illuminano le mie paure e i miei tedi,
la mia forza e la mia fede.
Agisco e mi contemplo.
Scavo, schiavo: d’antevedermi
lavato in nebbie mattutine.
E vado, retorico e spoglio,
verso me stesso.
OS CENTAUROS
A meu Pai
Na acidentada crosta
de sua esfera, os Centauros
galopam, cavalgados
por demônios contrários.
Os Centauros! — os olhos
presos nos astros áureos;
a centrípeta força
os pés acorrentados.
Relampejam nos olhos,
relampejam nos cascos,
dos demônios em guerra
as flamejantes armas.
Surda guerra invisível!
a que se vê e escuta
é só eco e reflexo
dessa mais funda luta.
Porém eco e reflexo
tão raio e tão veemência
que vão girando a esfera
em dois cruzados eixos.
Em tais reflexos e ecos,
de sua vida a corrente
elétrica se alterna:
os sóis intermitentes!
Pastando nas planícies,
que com as patas escarvam,
ei-los medonhos, bravos,
os miseráveis bichos.
Mas, erguendo as cabeças
para a serra azulada,
nos broncos peitos sentem
uma vontade de asas.
Asas! asas para o Alto!
Asas! desejo ardente
que metade consente
e a outra metade cala!
Asas para o Infinito!
E sentem os Centauros
crescer dos próprios flancos
—dois dolorosos gritos,
duas sementes claras—
as asas que do Sonho
germinavam. E voam!
voam, só asas! pássaros!
(Cronoscópio, 1984)
I CENTAURI
A mio padre
Sull’accidentata crosta
della loro sfera, i Centauri
galoppano, cavalcati
da demoni contrari.
I Centauri! – fissi gli
occhi sugli astri aurei;
da centripeta forza
i piedi incatenati.
Lampeggiano negli occhi,
lampeggiano negli zoccoli,
dei demoni in guerra
le fiammeggianti armi.
Sorda guerra invisibile!
quel che si vede e si sente
è solo eco e riflesso
di più profonda lotta.
Però eco e riflesso
così folgore e veemenza
che van girando la sfera
su due incrociati assi.
In quei riflessi ed echi,
di lor vita la corrente
elettrica s’alterna:
i soli intermittenti!
Pascendo in pianure
che con le zampe raspano,
eccoli terribili, selvaggi,
i miseri animali.
Ma, ergendo le teste
verso i monti azzurrini,
nei rozzi petti sentono
un desiderio d’ali.
Ali! Ali per l’Alto!
Ali! desiderio ardente
che una metà consente
e l’altra metà nega!
Ali per l’Infinito!
E sentono i Centauri
crescer dai propi fianchi
– due dolorosi gridi,
due sementi chiare –
le ali che dal Sogno
germinavano. E volano!
Volano, pure ali! Uccelli!
O PÁSSARO NO AQUÁRIO
§
Era um ponto no aquário.
Era uma escama aberta
no verde dúbio da água. Era uma estrela
mínima em céus de queda.
Era um frêmito, um ritmo,
um verso regressivo à origem, nada,
um sopro extinto, inda outra vez soprado
por sol de oblívio, escuro.
O pássaro no aquário
solfejava em silêncio um sol futuro.
§§
E eram guelras na escuma, e os olhos, algo
como um pranto na areia, entre algas, planctos,
como um pranto chorado em meio a lágrimas
retidas no olho inexistente. E em breve
eram garras na terra, a dura guerra,
o mar perdido e o espaço ausente, ausente.
§§§
Garras, e a crua guerra.
Berro de espanto e dor no descampado
entre o sêmen do sonho e a fronde ao vento.
Mas o dó, mas o espanto,
a dor e seu invento:
um sol menor no peito;
domado, um lá na plúmea
escama distendida em ala urgente.
E era um pássaro na alva de escarlata,
cantando no alto a ária de orvalho e prata!
L’UCCELLO NELL’ACQUARIO
§
Era un punto nell’acquario.
Era una squama aperta nel verde dubbio dell’acqua. Era una stella
minima in cieli in caduta.
Era un fremito, un ritmo,
un verso regressivo all’origine, nulla,
un soffio estinto, ancor di nuovo soffiato
da sol d’oblio, oscuro.
L’uccello nell’acquario
solfeggiava in silenzio un sol futuro.
§§
Ed eran branchie nella spuma, e gli occhi, quasi
come un pianto nella sabbia, tra alghe, plancton,
come un pianto singhiozzato tra le lacrime
trattenute nell’occhio inesistente. E in breve
erano artigli nella terra, la dura guerra,
il mare perduto e lo spazio assente, assente.
§§§
Artigli, e la cruda guerra.
Urlo di terrore e dolore nel campo
tra il seme del sogno e la fronda al vento.
Ma il dolo, ma il terrore,
il do(lore) e la sua invenzione:
un sol minore nel petto;
domato, un la nella piumosa
squama spiegata in ala urgente.
Ed era un uccello nell’alba in scarlatto,
che cantava là in alto l’aria di rugiada e d’argento.
Traduções de Salvator d’Anna
(pseudônimo de Renzo Mazzone)
CARTA-ORAÇÃO EM FEITIO DE POEMA
À FORÇA JOVEM DA AMÉRICA
Nasceste, América,
filha dileta de modernos deuses.
Construíste do crepúsculo belicoso de um mundo
um novo Olimpo
e o repovoas de tua própria semente.
Cresceste, América,
robusta, feérica, impaciente,
águia ciosa de seus ares,
puma soberano em suas extensões.
Cresceste muito, América,
e já não podias conter-te em teus quintais imensos
e as águas de dois oceanos se fizeram poucas
para tuas abluções.
Puma e águia, ensinaste ao mundo
os músculos e os vôos da Liberdade,
a força e a leveza da Liberdade,
as febres e as delícias da Liberdade.
Sempre o mundo te será grato por isso.
Mas precisaste expandir os teus prados
para a corrida,
precisaste alargar os teus céus
para mais vôo,
precisaste de mais oceanos
para o mergulho.
E te fizeste incontrastável,
única,
e tomaste, arrogante, a túnica de teu irmão,
e espezinhaste, orgulhosa, o relvado de teu vizinho,
e voltaste a cara, sobranceira,
às dores impotentes de teu próximo,
e a todos impuseste a tua pax.
Ontem, América,
forte e bela mulher,
descuidada e feliz em teus campos lavrados,
picou-te as plantas a serpente do ódio.
Das sombras faiscou o bote terrível
e voltou para as sombras.
O golpe foi vil,
peçonhento
e covarde.
É justa a tua dor,
a tua indignação
e a tua ânsia de vingança.
Mas não respondas às sombras
como os seres das sombras.
Gigante mordido por répteis que se ocultam,
não te debatas na cegueira da fúria.
Olha que um golpe cego pode atingir teu irmão,
vê que teus golpes cegos podem destruir o mundo em redor,
e na queda o mundo te arrasta.
Tu que no vigor sem peias da adolescência
rasamente entendeste de solidariedade,
aprende que, por menos que o queiras,
o mundo é solidário contigo
e tu és solidária com o mundo.
Cresceste, América,
tens responsabilidades adultas.
Tens sido a força motriz do mundo.
Tens sido a Meca das raças e das religiões,
das ciências e das artes,
e te sentiste, de súbito,
o cérebro do mundo,
a vontade do mundo.
América, sê agora
o coração do mundo!
Agasalha teu irmão
com um abraço fraterno.
Ajuda teu vizinho a regar sua relva.
Estende a mão amiga ao que a teu lado míngua.
Estende a todos,
em vez da pax das águias,
a paz do cordeiro.
Aprende que a verdadeira inteligência,
a inteligência que é sabedoria,
não é apenas coisa mental,
não é uma coisa fria.
aprende, América!
Tu, que és cabeça e nervos,
tu, que és a força,
aprende a ser o coração do mundo!
Brasília, setembro de 2001
LETTERA APERTA IN FORMA DI POEMA
ALLA GIOVANE FORZA DELL’AMERICA
Nascesti, America,
figlia diletta di moderni dei.
Da un mondo al suo tramonto hai costruito
un nuovo Olimpo
e l’hai ripopolato col tuo seme.
Crescesti, America,
forte, meravigliosa ed impaziente,
aquila ansiosa delle sue distanze,
puma sovrano nei suoi spazi aperti.
Tu sei cresciuta, America,
e non puoi più rinchiuderti in recinti
per quanto smisurati
e l’acque degli oceani ora sono
soltanto gocce per le tue abluzioni.
Leone ed aquila: hai insegnato al mondo
la spinta e i voli della Libertà,
la levità e la forza d’esser liberi,
l’ansia e le gioie della Libertà.
E sempre il mondo te ne sarà grato.
Tu hai dovuto estendere le piste per la tua corsa,
hai dovuto allargare gli orizzonti
per più alti voli
né più ti basta il mare conosciuto
per immergerti in esso.
E sei diventata inarrestabile,
unica e temeraria
hai indossato i panni del fratello
ed orgogliosa
hai calpestato il prato del vicino
e negato lo sguardo alteramente
ai dolori del prossimo impotente
imponendo su tutto la tua pace.
Ieri, tu America,
donna domina, bella e spensierata,
felice nei tuoi campi dissodati,
sei stata punta al piede dal serpente
dell’odio, che dall’ombra il colpo ostile
vibrò e tornò a nascondersi nell’ombra.
Fu vile il colpo,
velenoso, abietto.
È giusto il tuo dolore,
l’indignazione e l’ansia di vendetta.
Ma tu non devi replicare all’ombre
come chi trae vita dalle tenebre.
Tu ferita da rettili striscianti,
non dibàtterti in una furia cieca.
Può un colpo cieco
toccare il tuo fratello
ma la tua furia cieca può distruggere
il mondo attorno,
trascinando anche te nella rovina.
Se nel vigore dell’adolescenza
tu senza freni non hai conosciuto
la solidarietà,
impara che, per meno che tu voglia,
ti è solidale il mondo,
e tu sei solidale con il mondo.
Tu sei cresciuta, America,
e sono adulti pure i tuoi doveri.
Tu motore del mondo,
tu la Mecca di razze e religioni,
delle scienze e dell’arte, hai preso il ruolo
di cervello e di volontà del mondo.
America, devi essere
ora il cuore del mondo!
Accogli ogni fratello in un abbraccio.
Aiuta il tuo vicino
a irrigare il suo campo.
Tendi la mano amica a chi al tuo lato
stenta. Ed estendi a tutti
invece della pace delle aquile,
la pace dell’agnello.
Impara che la vera intelligenza
è la sapienza,
non un semplice gioco della mente,
non una cosa fredda.
Tu America,
che sei pensiero e azione, vera forza,
devi imparare ad essere del mondo
il cuore.
TERCETO PAGÃO
Quem há de resistir à esquiva sedução
de um gesto que se quer de rigorosa entrega
e se finge da mais desdenhosa evasão?
O tenro de uma boca em flor, o alvo de um seio
em flor, em flor também! Distende-se a alma e ofega,
submissa à carne em fogo, e se esquece no enleio.
Esqueceram-se nesse encanto algumas vezes
e embalaram-se à doce, à tórrida canção,
evadidos do Olimpo etéreo, os próprios deuses.
Eu, pequeno que sou, ascendo à etérea esteira
consumido do amor na pura combustão.
Natureza, acendeste em mim esta fogueira!
Haviam de exigir que eu a apagasse os deuses?
(Pulso, 2000)
TERZETTO PAGANO
Chi mai resisterà alla seduzione
di un gesto
restìo ma che sa di dedizione,
quella
che si maschera di sdegnosa fuga?
La tenerezza di una bocca in fiore,
il biancore di un seno,
e anch’essa in fiore l’anima si apre
e anela
sottomessa a la carne
accesa e si abandona in un abraccio.
Cercarono l’oblio in questo incanto
talvolta e si cullarono al calore
della dolce canzone
gli stessi dei fuggiti dall’Olimpo.
Io, piccolo che sono, la celeste
eterea rotta ascendo
consumato d’amore
in una fiamma purificatrice.
Perché
tu, o Natura, in me hai acceso il fuoco
se gli dei dovevano volere
ch’io lo spegnessi?
INDAGAÇÕES
A prancha, o papel, os óculos, a caneta.
E a inspiração não vem.
Donde surge o poema?
De que portas que se fecham
e que tento arrombar,
ferindo-me nos escombros?
Ah! donde vem o poema?
Da indisfarçável dor que carrego nos ombros?
Do encontro, da cópula,
do amor das palavras,
umas levando a outras em livre contubérnio?
Ou de uma luz interna,
que pinga pelas brechas, pelas trincas do muro?
Donde sangra o poema?
De um equívoco? de um útero?
de algum nebuloso agregado de acasos?
De que nebulosa?
É um parto? um jogo? um grito?
De onde desce o poema?
Nasce por gravidade?
por leviana vaidade?
por ato de vontade?
Desce do espírito? sobe da matéria?
Flui do coração
ou da mente?
É tijolo que se acrescenta
ou mera imitação?
É suor, cálculo ou flora?
É tudo isso em mistura,
retrato da criatura
que em criador se arvora?
Não sei. Só sei que tonto,
perdido em meio às taças,
bebo os álcoois do poema.
E suplico ao Incógnito
que, indagando do poema,
de mim ache a resposta.
(Pulso, 2000)
INTERROGATIVI
Il tavolo, gli occhiali, carta e penna
ma niente ispirazione.
Dove sorge il poema? Le sue porte
davanti a me si chiudono e io tento
invano di forzarle
e mi ferisco.
Donde viene il poema?
Dall’indissimulàbile dolore
che mi trascino appresso?
Dall’incontro d’amore: la parola
e la copula sempre conviventi?
O da un’intima luce che trapela
da una fenditura
lungo il muro?
Da dove sgorga il sangue del poema,
da un utero o un equivoco,
da una nebulosa casuale
aggregazione?
È un parto – il grido – o un gioco?
Come nasce il poema?
Nasce per gravità,
per vanità, imprudenza, o per un atto
di volontà?
Discende dallo spirito o risale
dalla materia,
rifluisce dal cuore o dalla mente?
É un rifugio sicuro o una finzione?
É progetto, sudore o solo un fiore?
E tutto ciò rimescola e ritrae
la creatura
che s’erge a creatore?
Non so, sono confuso
tra calici svuotati ed ubriaco
di poesia...
E supplico il dio sconosciuto
che dal poema trovi una risposta.
HERMÉTICA
É impossível
eu não ser os outros.
É impossível
os outros não serem eu.
Oh! divina impossibilidade
de a parte não ser o todo!
Inferno e Paraíso de a estrela
caber na poça de lodo!
(Quarteto Arcaico, 2000)
ERMETICA
È impossibile ch’io non sia gli altri
ed è pure impossibile che gli altri
non siano me.
Oh la divina impossibilità
che la parte non possa essere il tutto!
Inferno e paradiso di una stella
che si riduce in polvere
o nel fango.
SEMÁFORO
Para Aldo Tedeschi, in memoriam
Sob o heráldico azul de um céu sem nuvens
o duplo azul do mar pacificado.
Dourada areia.
Ao largo a caravela
paira,
madura de contidos ventos.
Sobre a areia dourada eis que flutua,
não mais terra, nem céu nem mar ainda,
grave, solene, armado, o Cavaleiro.
Já contra o rosto o sal da travessia.
SEMAFORO
Ad Aldo Tedeschi, in memoriam
Sotto l’azzurro
araldico di un cielo senza nuvole
il doppio azzurro
del mare
pacificato.
Spiaggia dorata. Al largo un bastimento
si lascia lieve spingere dal vento.
Sulla sabbia dorata a fluttuare
non più terra né cielo
nemmeno mare...
(Solenne, armato del suo sguardo è un uomo,
cui sferza il viso un vento
che sa di sale.)
HAICAI DA TERCEIRA IDADE
Trêmula a mão, voa e
quebra a dentadura.
E agora, como sorrir?
HAICAI DELLA TERZA ETÀ
La mano trema
vanno cadendo i denti...
E il mio sorriso? |