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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Brazilian Poetry

 

GILBERTO MENDONÇA TELES


Gilberto Mendonca Teles was born in Goiàs, Brazil. He is an expert in Neo-Latin literature, holds a PhD in literature and teaches Brazilian Literature. He has published fourteen books of poetry andten on literary criticism. He has received numerous prestigious literary prizes, among them, in 1989, for his complete work, the Machado de Assis award, given by the Academy of Brazilian Letters.

 

All translations into English by William V. Rendom

 

 

 

 

NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6 

Includes 60 poets in Portuguese and English. 

 

G o i a n a l y r e

Gilberto Mendonça Teles

 

Cast my body in the rivers of Goiá¡s
my left hand caressing the waters of Araguaia,

and the right drawing the directions of Paranaiba,

the feet playing in the waters of Apore and Verdão,

the head at the junction of Araguaia and Tocantins

(I want to govern the wiles and latifundia),

the knees in Rio dos Bois and in Caiapó,

the penis well buried in the muds of Meia-Ponte.

 

But leave my soul in the River of Souls, leave my heart beating in Rio Turvo, leave my tongue in the sands of Corumbá
and my eyes drying in some lake
for the joy of the catfish, of lobós
and of treacherous piranhas.

 

Ah! leave also my smoking pipe too

in the splashes of light of the Golden Waterfall

I want to be like a rainbow

in the eyes of the women of Goiás.

 

*lobós: a kind of fish

  

Lira goiana

- Gilberto Mendonça Teles

 

Repartam meu corpo pelos rios de Goiás:

a mão esquerda acariciando as Águas do Araguaia,

a direita desenhando os rumos do Paranaíba,

os pés brincando nas Águas do Aporé e do Verdão,

a cabeça na junção do Araguaia e Tocantins

(quero governar daí­ as artimanhas e latifúndios),

os joelhos no Rio dos Bois e no Caiapó,

o sexo bem enterrado na lama do Meia-Ponte.

 

Mas deixem minha alma no Rio das Almas,
deixem meu coração batendo no Rio Turvo,
deixem minha língua nas areias do Corumbá
e meus olhos secando nalguma lagoa
para a alegria dos bagres, dos lobós
e das piranhas traidoras.

 

Ah! deixem também meu cachimbo fumegando
nos borrifos de luz da Cachoeira Dourada:
quero ser como
um instante de arco-íris
nos olhos das mulheres de Goá¡s.

 

[In Saciologia Goiana, 10a ed., 1982]

 

 

 

[ TELES, Gilberto Mendonça ]   VI SEMANA POÉTICA:  Gilberto Mendonça Teles.  Carlisle, PA: Dickinson College, s.d.   s.p.  14x21 cm.  Inclui uma selação de poemas do homenageado em português e traduções ao inglês por William V. Rendom. Impressão digital, exemplar grampeado, edição limitada.  (EA) 

 

 

TEORIA

A Heloísa de Campos Borges

 

1

 

Minha paixão teórica

é muito mais que paixão;

não está longe nem próxima,

está no ar e no chão.

 

Tem seu real, mas é órfica

como o sim, como o não;

sua antena parabólica

capta só distração.

 

Nunca exibe o seu código

livre na palma da mão,

embora sempre erótica

no seu tempo e viração.

 

Minha paixão teórica

segue o exemplo da inflação:

sobe e desce sem órbita,

é mais que bala — é balão.

 

2

 

Deixe que venha o poema

como um telefonema.

 

Deixe que o poema venha,

mas ponha fogo e lenha.

 

Que o poema venha, deixe,

mas com molho no peixe.

 

De lenha e telefonema,

de peixe e algum dendê,

 

pode-se ter um poema,

dependendo de você,

 

que é capaz de ver anjo

voando de mini-saia,

 

sem se dar conta do arranjo

ou do rabo-de-arraia.

 

 

3

 

Eu não sei se sou leigo ou laico,

sei que este poema é prosaico.

E sei que em matéria de poema

melhor é não criar problema.

 

Cada um escreve o que pode:

este aqui tem barba e bigode

e pode até não ter cabelo,

mas não é preciso dizê-lo.

 

O leitor, que hoje está na moda,

é que deve fazer a poda

e colher o que mais lhe agrade,

mesmo que seja tempestade.

 

Mas se eu não for laico, for leigo?

E se o meu poema for meigo?

Onde é que fica o meu conceito,

se ainda não matei o sujeito?

 

E adio mesmo que além de tudo

um poema, mesmo sisudo,

pode até ser (tecer faz mal?)

um poema sentimental.


THEORY

 

For Heloisa de Campos Barges

 

1

There is more to my passion for theory

than just a passion profound;

it is never far or close or dreary,

it is in the air and on the ground.

 

It is real, orphic, not secretarial

like the yes and like the negation;

its parabolic aerial

only picks up distraction.

 

It never shows its code semioric

in the palm of the hand, it is free;

although it is always erode,

in its time and frequent variety.

 

My passion for theory is a rarebit,

follows the example of inflation tune:

it goes up and down without an orbit,
it is more that a bullet, it is a balloon.

 

2

Let the poem come to you all

like a telephone call

 

Let the poem come from my lyre,

but first put wood on tile fire.

 

Let the poem come, make it a dish,

seasoned like the dressing for fish.

 

With word and a telephone call,

with fish and some Bahia spice,

you can get a poem to recall,

that for yourself will suffice

 

which is able to see the gold dust

of an angel flying to pray,

without worrying about how to adjust

this beam of the sun ray.

 

3
I do not know if I am a secular or lay,

but I know this poem is prosaic in a way.

And I know that on the subject of a poem

it is better not to create any problem.

 

For each one writes as best he can:

this has a moustache and a beard

and it can even seen as bald man,

but there is no need to confess it's weird.

 

The reader, who today is in fashion,

must perform the trimming with compassion

and pick what is most agreeable

even if it is a tempest unforeseeable.

 

But if I am not secular, I am layman?

And if my poem is not that of a craftsman?

Where is my reputation and fame,

if to the killing of my subject, I lay is no claim?

 

And I think, besides all this styling,

a poem, even unsmiling,

can weave words masterly

and make a good poem eagerly.

 

 

ORIGEM

 

I

Agarro o azul do poema pelo fio

mais delgado da lã de seu discurso

e vou trançando as linhas do relâm-

pago no vidro opaco da janela.

 

Seu novelo de nuvens reduplica

a concreta visão desse animal

que se enreda em si mesmo, toureando

a púrpura do mito e se exibindo

diante da minha astúcia de momento.

 

Sou cheio de improviso. Sou portátil.

E sou noite e falácia. Sou impulso

e excesso de acidentes. Sou prodígios.

E agora que há sinais de ressonância

sou milícia verbal configurando

a subversão na zona do silêncio.

 

II

Todo inicio é noturno. Todo início

é maior que seu tempo e sua agenda

de imprevistos. Mas todo início aguarda

a visita dos deuses e demónios.

 

Há fórmulas polidas nos subúrbios

da fala. Há densidades nos recintos

desprovidos de margens. E nos mínimos

detalhes de ruptura existe um sopro

de solidão que soa nesta vértebra

de audácia e persistência.

                                       Alguém perturba

o horário de recreio das palavras.

 

 

ORIGINS

 

I

Grab the blue of the poem with the thread

of the thinnest wool of your discourse

and plait the threads into the light-

ning of the opaque glass of the window.

 

Your roll of clouds will double

the concrete vision of this animal

which gets tangled in itself, rushing

at the purple of the myth, and showing

its expertise of the moment.

 

I am fed up with improvisation. I am portable.

And I am night and fallacy. I am impulse

and excess of accidents. I am prodigies.

And now with the signals of resonance,

I am a verbal militiaman configuring

the subversion in the zone of silence.

 

II

Everything begins at night. All beginning

is greater tlian the time and the agenda

of the foreseen. Every beginning awaits

the visit of the gods and the demons.

 

There are polished formulas of speech

In the suburbs. There is density in the precincts

of the empty margins.

And the minimum

details of rupture exist in the whistle

of solitude that sounds in the vertebrae

of audacity and persistence.

                                         Some one has to disturb

the playtime of words

 

 

 

EXEGESE

 

Você quer se esconder, então se mostre.

Diga tudo que sabe sobre a vida.

Conte a sua experiência nos negócios,

proclame seu valor de parasita

e deixe que discutam nas casernas

o seu bendito fruto entre as melhores

famílias desta terra.

 

Depois esconda tudo num poema

e fique descansado: ninguém lê.

Se ler, começam logo a ver navios

e achar que tudo é poetagem, símbolos,

desejos reprimidos,

                              psicanálises,

o diabo a quatro.

 

O poema não é uma caverna

sigilosa, com sombras tautológicas

nas paredes.

 

                    O poema é simplesmente

a sombra sem caverna, o vulto espesso

de si mesmo, a parábola mais reta

de quem escreve torto,

                                    como um deus

canhoto de nascença.

 

 

EXEGESIS

 

If you want to hide , then show yourself.

Say everything you know about life.

Tell about your experience in business,

proclaim your value as a parasite

and let them discuss in the barracks

your blessed fruit as among the best

families of this land.

 

Then hide it all in a poem

and relax, no one will read it.

And even if they do, they will see a smoke screen,

and think that it is all poetic fog, symbols

repressed desire,

                           psychoanalysis,

a devilish confusion.

 

A poem is no cavern

                    secretive, with tautological shadows

written on the walls.

                               The poem is simply

                  the shadow with no cavern, the thick face

of one's self, the straiglitest parable

of one wlio writes on crocked lines

                    like a god,

                left handed from birth.

 

 

LITER-ATURA

 

Que seria dos congressos e seminários de literatura

se não houvesse os colóquios dos dias livres,

se não houvesse as horas neutras dos intervalos,

os interstícios ocasionais, as interrupções,

quando todas as gatas são realmente pardas

e a comunicação se torna livre e táctil

como um aperto de mão?

 

Que seria da vida e da poesia

se não houvesse os apartes femininos

humanizando o contexto dos linguólogos,

se não houvesse na primeira fila

aquele olhar que flerta e que sonha

diante da voz que fala fala fala

                                               tagarela

sobre os direitos e avessos

da mulher latino-americana?

 

Tudo o mais são penugens, conversas interrompidas,

fragmentos de sorrisos discretos na continuidade

do amor que viaja para lugares distantes

(Aquidauana

                    Montes Claros,

                                          uma rua em Brás de Pina)

e deixa no ar promessas de beijos e de cartas

para serem discutidas e transcritas

nos anais do próximo congresso.

 

 

LITERA-TOUR

 

What would be tlie conferences and seminars

of literature without the daily chatting when free?

If there were no neutral intervals for talk,

for the occasional breaks, and interruptions,

when at dusk all the ladies are appealingly equal

and communications are free and tactile

like the warm handshake?.

 

What would be of life and poetry

without the interventions oftlie ladies

humanising the contexts of the arid linguist?

If there were not in that front row

that eye that flirts you and dreams

beyond that voice that goes on and on

                                                           gabbling away

about the rights and ins and outs

ofthe Latin American woman?

 

All the rest is soft hair, interrupted chats,

fragments of discreet smiles in the continuity

of love which travels to distant places

(Auckland

                Manchester

                                    A back street in Chelsea)

and leaves in the air promises of kisses and letters

to be discussed and transcribed

in die annals of the next congress.

 

 

 

RITUAL

Para Laila e Erley

 

O mormaço envelhecia as folhas

da mamoneira e punha brilho de foice

nas árvores do quintal.

                                    Era o princípio

de setembro, o sufocado estio,

o pressentido medo de se ficar sem ar

na tarde ressequida, no ermo

das ruas marginais do povoado.

 

Em breve, a chuva apagaria

as cinzas das coivaras. Os aceiros

se cobririam de formigas

e os cupins ressurgiriam festivos

no cheiro sensual da terra molhada.

 

Em breve o pai abriria as primeiras covas

para a canção do milho,

                                       E em breve

eu me deitaria no chão para escutar

o silêncio da plantinha crescendo,

crescendo mais alto que a personagem

nos confins de outra estória.

 

 

RITUAL

For Laila and Erley

 

The stifling heat dries up the leaves

on the fruit tree and puts a scythe like shininess

on the trees of the back garden.

                                                It is the beginning

of September, die suffocating passage

out of the period with fear of being breathless,

on tile dry afternoon, in the loneliness

of the side streets in the little village.

 

Shortly, the rain will wash out

the ashes of the bonfires. The clearings

will become full of ants

and the termites appear in feast

at the sensual scent of the damp earth.

 

Shortly, father will open the first trenches

for die song of the maize.

                                       And shordy

I will lie on the ground to hear

the silence of the plants growing,

growing taller than people

in the confinement of another story.

 

 

 

TERRA À TERRA

 

Uma cantiga de gafanhotos

caiu de repente sobre a certeza

das árvores

e rolou pelos campos confundindo

a linguagem dos ventos.

 

E foi sugando o mel,

o alimento,

                 a força,

                              o imã

e a solidão do musgo entrincheirado

na fratura indiscreta de uma pedra.

 

E foi pondo a nu a nuvem

e foi pondo à terra a terra

e foi ensinando aos homens

o segredo da terra.

 

Mas foi preciso primeiro colher

o espanto dos miosótis.

Foi preciso primeiro velar

os olhos violáceos que indagavam

sobre a exatidão perfeita

dos crepúsculos.

 

E foi preciso sobretudo que se destruísse

a paciência dos homens.

 

 

EARTH TO EARTH

 

The song of the grasshoppers

fell suddenly on the certainty

of the trees

and spread over the fields, bewildering

the language of the winds.

 

And sucked up the honey,

the food,

             die energy,

the magnetism

and the solitude of the moss, entrenched

in the indiscreet opening of the stone.

 

And it placed naked the cloud

and it set earth to earth

and taught men

the secret of the earth.

 

But it was necessary first to harvest

the fright of the primroses.

It was necessary first to watch

the violet eyes that souglit

the perfect exactitude

of twilight.

 

And it was necessary above all

to destroy the patience of man.

 

 

 

A CASA DE VIDRO

A Celuta Mendonça Teles

 

No sonho e na poesia

vai-se elaborando a essência

do que não se perde nem se altera

na língua comum dos homens.

 

Anterior às circunstâncias,

filtrada de si mesma e seu refúgio,

a imagem não conheceu ainda nem o remorso

nem a fuligem mais precária da vida.

 

E pode assim surgir na transparência

de uma casa de vidro, onde a figura

real de minha mãe, iluminada,

me sorria e acenava,

                                 deslizando-se

pelo perfil das portas invisíveis.

 

Aí o seu espírito sereno

foi-se igualando à pura densidade

da luz, quando o seu nome, rarefeito,

de repente ecoou no mais extremo,

no sem-fim da fala absoluta.

 

 

THE GLASS HOUSE

For Celuta Mendonça Teles

 

In dreams and in poetry

the essence of that which is not lost

or changed is elaborated

in tlie common language of mankind.

 

Before the circumstances,

filtered by itself and its refuge,

tlie image does not know yet remorse

nor the most precarious soot of life.

 

And so it can rise in the transparency

of a glass house, where the real figure

of my mother, illuminated,

smiled at me and waved,

                                       gliding along

through the profiles of invisible doors.

 

There her serene spirit

reached pure density of light,

when her rarified name

suddenly echoed in the furthest space,

of the unending of absolute speech.

 

 

 

 

TELES, Gilberto Mendonça.  Os Álibis do Amor: A tradução de alguns poemas de Gilberto Mendonça Teles.  Edição bilíngue Português-Inglês. Organização e tradução de William Valentine Redmond. The Alibis of Love: the translation of some poems …Bilingual edition Portugues – English. Organização e tradução de William Valentine Redmond.  Juiz de Fora, MG: Editar Editora Associada Ltda, 2017.  260 p.  15x22 cm.  ISBN 978-85-7851-163-0   Ex. bibl. Antonio Miranda 

 

NOS ÚLTIMOS 20 ANOS

Nos últimos vinte anos, muitas coisas
tiveram seu princípio —
                                   Uma lagarta
começou a comer o talo verde
de uma folha esculpida na parede
do edifício mais próximo.
                                    Uma aranha
teceu e desteceu a sua renda
a espera da odisseia de um inseto
curioso.
                                    Um beija-flor
impaciente começou a amolar o longo bico
no metal do verão.
                                    Recém-nascido,
um menino berrava o beabá
mijando indiferente.

Entre greves, censura e terrorismo,
um relâmpago veio da internet,
riscou no movimento o próprio site
e se perdeu na pós-modernidade
do milênio.
                 Enquanto isso, o amor abria
seus e-mails (sem vírus), a sua flor
de signos, suas formas, a sua arte
de escandir as vogais, tanger os ictos,
as consonâncias e, sílaba a sílaba,
plantar no íntimo do homem o desejo
mais fundo da poesia.

Madrid (Barajas), 11.3.03

 

IN THE LAST TWENTY YEARS

 

In the last twenty years, many things
Have had their beginning
                                     A lizard
began to eat the green stem
Of a leaf sculptured on the wall
Of the building next door.
                                      A spider
Wove and unwove its rich web
Awaiting the odyssey of an insect
Too curious to survive.
                                      A humming bird,
Impatient, began to sharpen its long beak
On the summer metal.
                                      Newly born,

A baby boy, screamed out in half sounds the ABC
Weeing everywhere indifferently.

Between strikes, censorship and terrorism
The lightning of the internet arrived,
Sketched itself in movement on its own site
And lost itself in the post modernity
Of the millennium. Meanwhile, love opened
its emails ( unvirused),with its flower
Of signs, of forms, of art
Of scanning vowels, stressing ictuses
And consonants and, syllable by syllable,
Planted in the innermost of man
An ever deeper desire for poetry.

Madrid (Barajas) 11.03.2003 

 

            A FALTA 

Onde começa, onde termina a forma
do silêncio mais puro e fabuloso,
ausência primitiva e provisória
no cenário mais íntimo das coisas?

 

E onde a língua infalível, a que exibe
seu ermo de rascunho e desafogo,

deixando apenas um sinal de elipse,
o balbucio de um desejo rouco?
 

Por ele nem sou pouco nem sou muito
nem clamo, nem recuso, nem ignoro
que algo fascina e dói, imperativo,
e vai repercutindo, bem no fundo,
o eco longínquo, o gaguejar remoto
da voz de um índio que ficou sem tribo.

 

ABSENCE

 

Where does the form begin and end
In the most pure and fabulous silence
The primitive and provisional absence
In the most intimate scene of things?

 

And where is the infallible tongue which shows
The solitude of its rough copy and its relief
Leaving only a signal of ellipsis
An inarticulate sound of hoarse desire?

 

For it, I am neither more nor less

I do not proclaim, nor refuse, nor ignore

Imperative, it is a thing which fascinates and pains,

And it touches and vibrates deep down

The far off echo, the remote stutter

Of the voice of the Indian without a tribe.     

 

 

EXTREMO

 

Ultrapassei os teus limites, última
testemunha da noite, quintessência
dos nomes e das cores, desespero
dos espaços vazios incendiados
pelos longos janeiros que articulas
na penugem dos pêssegos.

                   Sou límpido
e táctil como um vaso destilado

 

da vida, nesta margem, neste extremo
que busca o manancial inesgotável
e derradeiro.

 

 

EXTREME

 

I have passed the limits, the last
Testimony of the night, quintessence
Of names and colours, despair
Of empty spaces on fire
In the long Januaries what articulate
The hair on the peaches

                                      I am clear
And soft like the distilled vase

 

Of life, on this bank, on the extreme
That seeks the unending,
the final source.
 

 

COISAS

Eu sempre me rodeio de coisas,
não porque eu seja o número um,
o círculo perfeito cuja linha
disfarça o anil das aproximações.

Eu sempre me rodeio de coisas,
porque são elas que me devolvem
a primitiva consciência do mundo.

São elas que me situam o centro
de mim mesmo, na linguagem maior
que não ousa atravessar as lindes
mais fundas do silêncio.

 

       THINGS

 

I always surround myself with things

Not because I want to be the best

The perfect circle whose curve

Hides the indigo of approximations.

I always surround myself with things
Because it is them that give back to me
The primitive consciousness of the world.


Because it is them that places me in the centre
Of myself, in the greater language
Which does not dare cross the frontiers
Of the deepest silence.

 

 

TELES, Gilberto. Mendonça.  Lirismo rural. O Sereno do Cerrado. Rural lyricism. Our Sereno from Cerrado.  Tradução e notas Carol Piva. Translated from the Portuguese and with note by Carol Piva.  Rio de Janeiro: Batel, 2017.   216 p.  12,5 x 19,5 cm. Capa Mariana Barbosa  ISBN 978-85-99508-88-6   Ex. bibl. Antonio Miranda 

 

Sereno nasceu da poesia, inspirada de madrugada, quando o céu exibia as nuvens avermelhadas prenunciando o lirismo rural do cerrado. Persona de alma essencialmente poética, ele se revela com incrível capacidade de perceber o meio, com o jeito peculiar de dizer o belo, de retratar o cotidiano, de mostrar o fascínio das coisas do sertão, dos biomas, dos lugares, do regional, do literário, da vida, do amor, enfim, de tudo o que envolve seu Lirismo rural das mais diversas maneiras, onde a poesia pode alcançar.

O cenário do cerrado é bem conhecido de Sereno, que o descreve como se fosse pintando o retrato onde se registra a paisagem natural e se insinuam os traços relevantes que podem existir nesse ambiente, além de permitir o despertar e o conhecer das emoções e sentimentos de um sujeito lírico que externa o rumor e o murmúrio dos mistérios do lugar.      
ROSEMARY FERREIRA DE SOUZA

 

Sereno sprang from poetry, created in the dawn when the sky displayed its reddish clouds as ifannouncing the rural lyricism ofthe Cerrado. Poetically built as a persona, he comes up with a dazzling capacity to sense—the everyday lifes forward motion, the environment, the beauty, every singularity of the backlands, the biome itself, and its places, regional features, literary nuances: its life, love, and anything else that encapsulates his Rural Lyricism in ways poetry sensitively finds its rhythms.

He knows so very profoundly this scenery that he describes it as ifportraying a natural landscape where we can immediately recognize the significant aspects ofsuch a realm replete with emotions and feelings, as simply precious as intensely drawn together, that a lyrical-I can bring forth, between the rumors and the murmurs of that mysterious place he dwells in.

ROSEMARY FERREIRA DE SOUZA 

 

A linguagem, nos versos de Gilberto Mendonça Teles, é extrema e exuberantemente experimental. Isso equivale a dizer que suas palavras se compõem das possibilidades mais criativas da língua brasileira, em todos os sentidos, de modo a renovar e revitalizar a realidade pulsante do mundo que ele traz à cena: o Cerrado, que prepondera no nosso Brasil Central. É nele que as aventuras de Sereno acontecem, neste que é o bioma da maior biodiversidade do mundo. Mas não é como "paisagem exótica" nem como "interior" que o Cerrado é aqui retratado. Gilberto (re)cria e (trans)vê as pessoas do sertão e, propriamente, este sertão-Cerrado. E faz isso através das experiências de sua "persona poética", que vai então vivendo a vida, ao passo que o poeta segue alinhavando nela os hábitos e crenças de Sereno; suas expectativas e frustrações; seus relacionamentos, lembranças e vivências de dentro de uma "intimidade tão íntima", a do Cerrado, com sua linguagem e silêncio peculiares...              CAROL PIVA 

 

Language in Gilberto Mendonça Teles' Unes is exuberantly and elaborately experimental; his words, I mean, hint at the creativepos-sibilities of language in ways it can be used to renew and revitalize the very reality of the world he brings in: the Cerrado. This biome is the dominant type of vegetation in Central Brazil—where Serenos adventures take place—and has become known as the savannah zone with the worlds richest biodiversity. But it is neither as an ex-otic landscape nor as a countryside that the Cerrado was portrayed; beyond it, the author re-creates the people and the backland of those days his "poeticpersona, "Sereno, experiences life itself—Teles inter-weaves Serenos habits, beliefi, anticipations, frustrations, relation-ships, memories, and other myriad experiences with the "intimacy of the Cerrado," its silence, its own language...

CAROL PIVA

 

 

CADERNO

 

Encontro no seu caderno de aula os nomes

           de alguns amigos de infância:

 

— O mais antigo: Zezinho, de Bela Vista,

           brincava de carrinho.

— O mais levado: Neném da D. Joaquina,

           de Hidrolândia, brincava de esconder.

— O amigo prático: Euclides, de Braz Abrantes,

           sabia fazer bodoque e estilingue.

— O amigo protetor: William, de Inhumas,

           defendia-o de quem lhe queria bater.

— O colega e amigo do Ateneu: Raul, a quem

Sereno deu aula de matemática para a 2a época

e de quem ganhou, como pagamento,}

as Obras completas de Junqueira Freire,

a primeira a entrar na sua estante.

 

 Mas lá estavam também — mal riscados —

 os nomes de alguns "amigos de infâmia".

 

 

NOTEBOOK

 

I found some of his friends' names

      in his boyhood notebook:

 

"The oldest: born in Bela Vista, Zezinho

      played with cars."

"The naughtiest: born in Hidrolandia, Nenem of D. Joaquina

      played hide and seek."

"The most pragmatic: born in Braz Abrantes, Euclides

knew how to make bodoques™' and slingshots."

"The protective friend: born in Inhumas, William

was defended in every ways from any aggressor."

"The fellow from high school: Raul,

to whom Sereno used to teach Arithmetic,

and for which he paid him

with Junqueira Freire's complete works,

the very first book on Sereno's shelf.

 

But there was also a black list

      of some "ill-famed friends."

 

A bodoque is an Indian two string bow, with a saddle in the middle, very common among boys in Central Brazil. It is used for hurling small stones or hard clay pellets instead of arrows. 

 

        IMPROVISO 

A folhas tantas do tempo
escrevi quase em segredo:
meu amor é como a folha
que se agita no arvoredo.
 

Bom-dia, moça morena,
meu doce bem queimadim,
meu amor que vale a pena
embora longe de mim.
 

Eu também te muito amo
 amo-te muito, muitão:
não tenho rumo nem ramo
sou ave de arribação.
 

 

        IMPROVISATION 

The myriad lines of time
I wrote them, as if in secret:
my love is like a leaf
fluttering in a grove of trees.
 

Good morning, dusky girl,
my dark coconut little candy,
the love I feel is worth it
notwithstanding its distance.
 

I, too, love you so
and more, girl, I wholly do:
even with my no branch
me, this bird of passage.
  

 

         DIÁLOGO

 

 À beira da estrada de Aruanâ

 o outono amanhece nas frutas

do cerrado.

 

  O rancho de pau a pique

  anuncia:

Mangaba...

 

   Sereno desce do automóvel:

— Bom-dia, moça, qual o seu nome?

           — Camila.

— Bom-dia Camila, quero comê-la,

a mangaba...

   — Não se come: Chupa-se.

 

   Sereno saiu sorrindo:

   uma vasilha de mangaba em cada mão. 

 

                           

                            DIALOGUE

 

At the edge of the road near Aruanã

an autumnal sun rises

over the fruits of the Cerrado.

 

The wattle and daub house
in the ranch impels:

Mangaba...

 

Sereno got out of the car:

"Good morning, miss, what's your name?

"Camila."

"Good morning, Camila, may I eat...?
Oops, I mean, the mangaba..."
"No, you'd better suck...it."

 

Sereno drove away, delightfully,
holding a jar of mangaba in each hand.

 

 

The mangaba (Hancornia speciosa) is a Brazilian fruit, plum-sized, red, and with a sweet taste and an exotic aroma. The mangabeiras (mangaba trees) grow plentifully in Central Brazil or all along the northeast coast. It was common—even a good fun—for people like Sereno, who lived in ranches, to go into the woods, pick up mangabas or any other fruit from the Cerrado, and eat them.  

 

 

MURIÇOCA

 

À beira-rio, enquanto rio

de alguém que conta uma potoca,

pode-se ouvir no desvario

o cantochim da muriçoca.

 

Música fina, feminina,
fino fiapo de flanela,
que não respeita lamparina
nem repelente na canela.

 

Qualquer que seja o nome,
o tipo (pernilongo / carapanã),
sua bicada deixa um chip
para de noite, e de manhã.

 

Pelo seu som vindo no breu,
na musiquinha que decoro,
invejo o índio que lhe deu
o nome de animal sonoro.

 

 

MURIÇOCA

 

At the edge of the river
trailing off through the fields
I hear this or that taradiddle
as the muriçoca cheep-cheep-sings.

 

Fine melody, feminine,
with its bit of nuisance
but as subtle as a flannel lint
chasing your body as in a dance.

 

You can call it pernilongo or carapanã

that it will sting you the same

all night long pounding on

like a chip on your skin stamped.

 

The melody diffuses through the dark,
that's the bug in its night thrusts,
a fine sound is what I learn by heart
as I cover the one who was first touched.

 

Muriçoca is a species of mosquito, blood-sucking, also known as pernilongo. Both pernilongo and carapanã are known in Brazil as a muriçoca.

 

 

PONTOS CARDEAIS

 

Os pontos cardeais do cerrado
têm de ser vistos, não pelo espaço
comum da linguagem geográfica,
mas pela anatomia natural do tempo
que se divide em géneros e espécies
na fartura natural das coisas do planalto.

 

Pode-se, por exemplo, reunir espaço e tempo
como formas de grandezas inter-relativas
e apresentar assim os quatro pontos extremos
das árvores, das frutas, dos animais e dos peixes:

 

O ponto mais alto das árvores:
aroeira pau-d'arco pau-terra pequizeiro.

 

A beleza das frutas:

ata mangaba jabuticaba araticum.

 

O máximo dos animais:
ema anta veado lobo guará.

 

A mudez, o silêncio dos peixes:
lambari piau papa-terra pintado.

 

Tudo o mais se curva, genuflexo,

ante o impulso vital da natureza.

 

 

 

CARDINAL POINTS

 

To see the cardinal points of the Cerrado

is neither about tracking the sun's locations

nor searching for geographic patterns.

It's crucial to penetrate deeply the genuine

anatomy of time, its genera and species,

that natural profusion of rudiments in the plateau.

 

You may, for instance, join space and time together
as a set of interrelated quantities, a reference point;
so you will detect the four basic extremes
of fruits, trees, animals, and fishes.

 

         The highest peak of the trees:

         aroeira, pau-d'arco, pau-terra, pequizeiro.

 

The beauty of the fruits:

ata mangaba jabuticaba araticum.

 

The animals in all their splendor:
ema anta veado lobo guard.

 

The dumbness, the silence of the fishes:
lambari piau papa-terra pintado.

 

All the rest bows down low

to the impelling force of nature.

 

 

The author alludes to trees very typical throughout the Cerrado. The pequizeiro, or pequi tree, is the symbol of the Cerrado; its fruit, the pequi, is deeply rooted in the region's popular culture, with which people make so many traditional dishes, especially in the state of Goias.

 

 

Página publicada em janeiro de 2014. Ampliada e republicada em julho de 2017; ampliada em fevereiro de 2018 - Ampliada em fevereiro de 2019

 

 
 

 

 

 
 
 
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