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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ZILA MAMEDE

Poema de Antonio Miranda

 

Minha querida Zila,
que saudades de ti!

Pequenina, inquieta
por isso mesmo poeta.

E mais: bibliotecária,
operária do saber.

Tão frágil, tão forte!
Como sinto a tua sorte!

Eu era teu convidado
nas rodadas de Natal

Comíamos carne-de-sol
e de sobremesa, poesia.

Um dia... fatídico dia
que ninguém merecia

Menos tu, tão necessária
a quem tanto queríamos

foste ao mar inteira
para não regressar.

Na areia, aflitos
nem ouvíamos teus gritos

desapareceste no horizonte
na curva azul do mar

deixaste tua herança
recarregada de afeições

teu multiverso, teu
nomadismo, espanto

a força de teu canto
a essência-derradeira

de teu útero-concha
de mar indomável.

 

(Extraído do livro MIRANDA, Antonio. Retratos & Poesia Reunida.)

 

In: DIAS JUNIOR, Valter Gomes. A poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014.  268 p. Tese de doutorado defendida com Louvor.

          Passemos agora à leitura do próximo poema, no qual o viés lírico é mais intenso devido ao grau de sentimentalismo exteriorizado pelo eu que, neste texto, é o próprio poeta Antonio Miranda, pelo fato de ele ter sido amigo da pessoa a quem é feita memória nestes versos.

          A indicialidade do título deste poema remete-nos ao fato de que esse texto versará não apenas sobre uma pessoa, mas um indivíduo em particular que se tornou singular para o poeta, por isso ele evidenciá-la com nome e sobrenome e o fato de estes terem sido escrito com todas as letras maiúsculas reforça mais o destaque pretendido pelo artista da palavra. No aspecto formal, vemos que Antonio Miranda equilibra uma vez mais aspectos tradicionais como estrofes divididas em dísticos, rimas ricas como inquieta (adjetivo) / poeta (substantivo), forte (adjetivo) / sorte (substantivo) / dia (substantivo) / merecia (verbo) ou rimas pobres como (os adjetivos) bibliotecária/ operária, com as estruturas modernas como versos polimétricos e brancos. Já vimos que esse jogo de contrários inclusive na forma é uma característica bastante comum deste bacabalense. O ritmo é variante, , porque há verso binário ascendente “Como sinto a tua sorte!”, que os gregos classificaram de troqueu, e ternário ascendente “Pequenina, inquieta”, conhecido também de anapesto. Estes se alternam com outra modalidade rítmica que se materializa inclusive em versos formados  por duas sílabas fortes encadeadas por uma sílaba breve, cuja estrutura recebera a denominação grega de antibáquio ou palimbáquio, como ocorre na linha “Tão frágil, tão forte!”. Essa diversidade rítmica favorece bastante a musicalidade do poema e demarca uma típica característica da escritura poética mirandiana.

          A natureza ascendente do ritmo deste poema harmoniza-se com os sentimentos externados pelo eu lírico que são crescentes com a mesma intensidade. Conteúdo e forma interligam-se erigindo a tessitura poética. E assim inicia a voz enunciadora “Minha querida Zila”, “que saudades de ti”. A simbolicidade presente nestas linhas demonstra todo o carinho de Antonio Miranda para com a paraibana Zila Mamede que por ter vivido e atuado a maior de sua vida no Rio Grande do Norte, considera-se uma cidadã potiguar. O pronome possessivo minha e o adjetivo querida demonstram bem esse afeto como também a proximidade que havia entre ambos. O próprio poeta apresenta-a no decorrer das estrofes “Pequenina, inquieta”, “por isso mesmo poeta.” Esses dois primeiros signos que funcionam como qualificativos do ser poeta são bastante sugestivos porque é suscitado que com a pequenez a inquietude ganha proporções cada vez maiores e desse comportamento desponta o poeta. A metalinguagem faz-se presente neste segundo dístico quando o eu poético expõe o que é ser poeta, isto é, o signo e o objeto fundem-se em uma mesma estrutura.

          Após a voz poética expor características e funções de Zila Mamede, o eu lírico continua fazendo memória à pessoa dela, à história que a vitimou e aos bons e inesquecíveis momentos que ambos vivenciaram juntos. O oxímoro “Tão fágil, tão forte” mostra-nos um indivíduo frágil devido à sua condição humana, o que não deixa de ser intrínseco a qualquer pessoa e, ao mesmo tempo, forte pela determinação, pela capacidade vivaz, pela luta por seus ideais. Porém, pelo decorrer da narrativa lírica, o eu enunciador lastima o que ocorrera à poeta “Como sinto a tua sorte!”.

          O lamento em decorrência da ausência é mais acentuado quando o eu faz referência que eles viveram juntos: “Eu era teu convidado”, “nas rodadas de Natal”, comíamos carne-de-sol”, “e de sobremesa, poesia.” O símbolo convidado denota a atenção de alguém para um outrem o qual se torna especial pelo fato de querer-lhe bem e por almejar proximidade. Ao solicitar a presença numa festa ou numa comemoração específica, como o Natal, demonstra-se a importância que se tem com o sujeito invitado, uma vez que se requer o comparecimento a fim de que ambos possam celebrar a vida.* E quais seriam os alimentos que recepcionariam as pessoas convidadas? Carne-de-sol e como sobremesa aquilo que os aproxima muito mais: a poesia. Esta é mencionada no poema como iconicidade metafórica de um alimento que adoça a vida do poeta por ser, como se sugere nas entrelinhas poéticas, uma substância essencial à organicidade do criador da poesia.
          Além disso, a menção a comer poesia manifesta novamente a natureza metalinguística deste poema através da metapoesia. Estrutura esta pertinente e necessária num diálogo memorialista entre poetas amigos. Contudo, um terrível acidente interrompeu essa convivência entre eles para sempre. O ritmo do poema muda e torna-se mais acentuado. Altera-se a natureza da mensagem quando o eu lírico finda o período com um ponto final logo após o signo poesia. O poeta passa agora a narra o triste ocorrido e a lamentá-lo: “Um dia... fatídico dia”, “que ninguém merecia”, “menos tu, tão necessária, “a quem tanto queríamos”, “foste ao mar inteira”, “para não regressar”. A anáfora do representamen dia serve para evidenciar quão marcante ele foi e a reticência sugere uma pausa longa e densa, proporcionando uma reflexão sobre o instante e possivelmente sobre aquilo que será relatado.

          Percebemos que o verso onde se encontra o signo fatídico é constituído da presença maior do som da vogais /i/ e /tu/ que promovem o fechamento bucal no alto da pronúncia gerando a iconicidade imagética através da assonância. Esse cerramento sonoro sugere o sentimento apertado e doloroso externado pela voz lírica o qual se acentua com a paranomásia aliterativa do fonema oclusivo /t/ dos signos tu, tão, tanto, que sugerem as batidas do coração proporcionadas por uma sensação de lamento.  Esta é evidenciada pela sonoridade vocálica nasa de /ãu/ e /ã/ que estão acrescidas à plausividade da consoante /t/. Estes aspectos formais explodem o ápice do sentimento quando nos é revelado que Zila Mamede morrera afogada através de um eufemismo incorporado nos versos: ”foste ao mar inteira”, “para não regressar”.

          Toda uma completude física e emocional registrada pelo signo inteira sofre um intenso apagamento oriundo da força do mar. Em contraposição ao espaço líquido, na areia não se conseguiu captar a angústia e o desespero originados dos aflitos gritos da vítima. Essas duas localidades geram uma forte antítese, isto é um acoplamento por equivalentes em oposição, porque no mar eclodiu a sonoridade dobrado proporcionado por um afogamento e na areia o silêncio e a tranquilidade daqueles não estavam com suas percepções sensoriais aguçadas uma vez que não testemunharam visualmente e auditivamente o terrível incidente.  O hipérbato da estrutura “Na areia, aflitos”, “nem ouvimos os gritos” acentua a distância do desespero intenso que naquele instante era, sem querer, ignorado. Na ordem direta, a sequência sintática dos vocábulos seria: “Na areia, sem ouvíamos teus grito aflitos”. E o fato de a locução circunstancial de lugar “na areia” ter introduzido a sentença é ara situarmo-nos de imediato com a dimensão dos espaços, ambos grandes, e provavelmente seria oque dificultaria a absorção em todas as suas acepções do acidente que matara a poetisa, desparecendo bem distante da margem da praia: “no horizonte”, “na curva azul do mar”.

          Todavia, a morte de Zila Mamede não fez também desaparecer sua estimável herança recarregada de afeições: o seu multiverso, seu nomadismo e a força de seu canto. Estes se associam à pluralidade de pensamento e de atividade artística desta paraibana, uma vez que o campo de observação do poeta é amplo para que, através disso, sua ação seja diversificada. Além disso, é importante destacarmos, mais uma vez, o estilo metapoético mirandiano que se incorpora com os signos multiverso e canto, os quais são o maior legado desta poetisa, porque é de onde se absorge, como profere a voz poética, sua força, seu ato marcante.

          O leitor poderia perguntar-se da finalidade da ocorrência do signo espanto no final do antepenúltimo dístico, porque ele justamente rompe com a linearidade sintático-semântica do texto. Não seria possível afirmarmos a presença do enjambement entre as estrofes partindo deste símbolo. Assim ficaria a sentença: “espanto a força de teu canto”. Tal estrutura quebraria a lógica do encadeamento sígnico, pontuando, com esse contraponto, a natureza esperpêntica, oximórica, própria da poesia de Antonio Miranda, isto é, um estilo de ruptura com a lógica, com pés quebrados, signos controversos e contraversos, em rumo à contramão. Características demasiadamente presentes na via poética mirandiana. Isso nos remete novamente ao comportamento do criador da poesia, rompendo com padrões preestabelecidos. As qualidades sígnicas do termo espanto, isto é seus qualissignos, são tão aguçadas que o leitor ao confrontar essa palavra com o contexto realmente se espanta.

          O intérprete realmente se sente provocado diante deste vocábulo. No entanto, podemos entender que este signo gerador de inquietações acomoda-se bem à informação do afogamento dela do qual seus amigos e parente tomam conhecimento e chocam-se com a revelação de uma excelente nadadora como ela era, que diariamente frequentava a praia, tenha morrido afogada. Espanto e surpresa com sua morte e com o que herdamos: seu multiverso. Antonio Miranda faz a seguinte afirmação sobre a veia poética dela: “poeta sutil, elegante, de um lirismo contido e introvertido, de solidão e paixão mas também, não raras vezes, com um fundo social relativo às temáticas do sertão nordestino. Drummond tinha-a entre suas predileções”**. Daí entendermos a referência ao seu verso múltiplo referenciado neste poema. A sua essência-derradeira regressa ao útero-concha, que é iconicidade metafórica do mar indomável. Ela retorna às origens, ao ambiente marítimo de que sempre gostou. Toda menção à história desta artista e à sua poesia faz deste texto uma metapoesia de cunho memorialista, pelo fato de Antonio Miranda, poeta-amigo dela, explorar-lhe a vida e arguir sobre sua ars poetica.

*Nota: Natal é também o nome da cidade em que vivia Zila, criando uma ambiguidade, sem dúvida, intencional...  A.M.

 Disponível em:

<http://http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/zila_mamede.html.

         

 

 

 

 


 

 

 
 
 
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