I
Flor envenenada, ares degenerados, temores
e prazeres, a alma é insondável e cruel
enquanto carne, dilacerável,
é afeita à tortura
e à vertigem.
Tão erma
e frágil.
Um corpo
que é um cofre,
uma argamassa maleável,
uma geografia de montes e abismos,
aquela massa de manobra e conversão,
suscetível a todos os malefícios e contestações.
A mente enferma, emparedada, corrompida.
Mãos que obedecem impulsos entranhados.
Bocas vociferando discursos dúbios, hostis.
Dor e felicidade nos extremos
de um mesmo sentimento
que nem é ambíguo
mas contíguo, em equilíbrio crítico,
dialético. Ou patético.
II
A guerra é mãe de toda sabedoria,
fundada na estupidez, no heroísmo
mais covarde, no companheirismo
e no extermínio, exacerbação do amor
e no horror mais belo e mais sublime.
Destruir e renovar, num ciclo de vida
e morte conjugado.
Morte e vida enquanto correspondentes
e equivalentes,
alternantes.
Matar e morrer.
Pássaros decepados, corpos explodindo em euforia:
espetáculo comove pelo seu pavor admirável.
Um edifício ruindo como uma cascata incandescente,
um pescoço ceifado e o sangue jorrando esplêndido,
alegre e terrível,
bombas e lanças-chamas em coreografias
impactantes, levando-nos ao delírio!
Tão mais emocionante o tiro certeiro,
a machadada sobre o crânio do inimigo,
tecidos queimados, punhais magníficos
como cristais votivos sobre os corpos vencidos.
III
Suicidas fantásticos voando pelos ares,
desintegrando-se como partículas divinas,
numa euforia de convictos, heroísmos
extremados, libertários, superando
falsos humanismos.
Humano seria um estado racional,
mesquinho.
Deus exige exemplos superlativos.
A vida – afirma-se – não é nossa,
é-nos dada,
e morrer é uma passagem
para a felicidade.
Ou que outro nome tenha a Glória.
IV
Mortos e vivos habitam o mesmo espaço,
alternando-se. As flores vicejam,
os mares enfurecidos, os ventos irados.
Teologias e ideologias mancomunadas
em confrarias, verdades impuras,
vaca profana, vontade insana, poderes,
guerras santas, bênçãos,
martírios, cegueira e arrepio.
A paz fundada sobre os escombros,
o escárnio,
sementes da discórdia,
sedição.
Rosa ensangüentada.