SUICÍDIO DE MAIAKÓVSKI
Poema de Antonio Miranda
os jornais me espreitam
anunciando minha despedida:
anúncios! eu-havido
em nota funerária= rodapé:
(letras mínimas!)
o passamento, passa tempo
os jornais me observam
já na véspera, vespertina
— jamais, nunca, ninguém.
morte anunciada nos jornais
o poema antecipa a morte
em suicídio ou despedida
“Fechem, fechem os olhos dos jornais!”*
É no poema que me recolho
encolho
olho
o.
Vou ao meu funeral, cantando.
*Trecho de “A Mãe e o Crepúsculo Morto pelos Alemães” (1914), de Vladimir Maiakóvski, em tradução de Haroldo de Campos)
MAIAKOVSKIANAS
Poema de Antonio Miranda
1
Preso às palavras
como o Cristo na cruz:
pregos, pregos, palavras.
Palavras-vértebras
que me sustentam
— vivem de mim.
Nelas eu vivo.
2
Crânio-arquivo:
versos
ventríloquos
vertendo a alegria.
3
Ódio ao burguês!
Aqui, seguro,
e o escuro porvir.
4
“Bananas-ananás!”
Juízes em prontidão
degustam frases
sentenciam alíneas
e vociferam incisos.
Sem futuro,
diante do muro.
5
Meus versos de cesura e
esta conjura de burocratas
contra o verso libertário.
“Sem forma revolucionária
não há arte revolucionária!”
Não desço ao povo
— que o povo ascenda
e me entenda.
Contra a poesia estacionária
prisioneira do verso marmóreo
e incorpóreo!
6
Céus de letras rebuscadas
e horizontes de arame-farpado.
Que o verso-aríete
rompa o vazio do discurso
oficial. Que o poema-pua
avance sobre as redações do dia.
Ao “poder das rimas imprevistas”. *
*Verso de Maiakóvski no poema “Escárnios”, de 1916, em tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman.
“Deste metapoema, destacamos a intertextualidade, as citações posta entre aspas e, sobretudo, a homenagem destinada a Maiakóvski. Como já e sabido, bastantes metapoesias de Antonio Miranda fazem referências a muitos poetas. Neste texto, já percebemos o vínculo do maranhense com as palavras, às quais ele se declara preso como Cristo na cruz e elenca um conjunto de vocábulos que representem este elo: “pregos, pregos, palavras”. Esse jogo sígnico aponta para a linguagem caleidoscópica mirandiana, que se materializa inclusive na metalinguagem: “versos”, “vetríloquos”, “vertendo a alegria”. No poema, essas palavras associam-se sem vírgulas, explorando, com isso, a oralidade do discurso.
Este metapoema também questiona “a poesia estacionária”, “prisioneira do verso marmóreo”, “e incorpóreo”, isto é, a poesia sugere ruptura com o tradicionalismo, rompendo com o vazio do discurso para que o poema avance sobre as redações registrando o “poder das rimas imprevistas”, de Maikóvski. Esse último verso designa uma maneira de como deve ser erigida a poesia contemporânea.”
VALTER GOMES DIAS JÚNIOR. (na tese de doutorado: A Poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2014, p.120-123).
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