Cena da canção “Cuando me vaya a la luna”
com os
atores do espetáculo “Tu País está Feliz” (1971).
CUANDO EU FOR À LUA
(Canção 10) >>>
Poema de Antonio Miranda
Quando eu for à lua
não levarei relógio
não levarei a Bíblia
nem ressentimentos
Quando eu for à lua
não vou firmar papéis
não farei testamentos, inventários
nem balanços.
Esquecerei em terra firma
minha conta bancária
minha caderneta de endereços
minhas roupas
e a gramática.
Alunizarei sem pressa
no espaço
como quem chega
para instalar-se.
(De Tu País está Feliz, 1971)
Obs. o poema foi escrito originalmente em castelhano e traduzido, anos depois, pelo autor. Ver texto original>>
QUANDO EU FOR À LUA
(análise do texto)
“Interpretar um texto, segundo Umberto Eco, já é um ato abdutivo*, porém, a mensagem desta canção nos desperta também para essa inferência. O primeiro quarteto, assim como o título, é iniciado por uma temporalidade designativa de um posicionamento abdutivo, porque o termo “quando eu for à lua” aponta para algo ainda não concretizado, está no plano das possibilidades. Mais abdutivo é a saída do planeta em que o eu enunciador assiste até chegar à lua, região não habitada por humanos e, principalmente, por tratar-se de um satélite que preenche demasiadamente o imaginário romântico das pessoas. E a referência à lua levou o eu poético ao desprendimento da materialidade que o cerca. Sobre este poema, Elga Pérez-Laborde (2007ª, p. 14) declara que “a musicalidade dos poemas mirandianos tem permitido transformá-los em canções onde a projeção do eu alcança às vezes um tom mais lírico acorde com os ideais, que procuram libertar-se da alienação proveniente dos males da civilização”. Essa ruptura indutivamente** mostra-nos que essa viagem lunática atinge o desejo de liberdade do eu enunciador que só será conquistado dedutivamente no momento que este eu desligar-se de seu contexto normativo e controlador e alunizar sem pressa, isto é, pacientemente no espaço para não se desprender nunca de lá. A voz poética sugere abdutivamente a possibilidade de vivenciar a liberdade através de uma viagem à lua.
A abdução é essencial para o surgimento dessas ideias inovadoras e muitas vezes inusitadas. Por isso, ela foi o esteio central para a descontrução do método cartesiano.
* “Abdução é o processo para formar hipóteses explicativas. É a única operação lógica para introduzir ideias novas; pois que a indução não faz mais que determinar um valor, e a dedução envolve apenas as consequências necessárias de uma pura hipótese. Dedução prova que algo pode ser. Indução mostra que algo atualmente é operatório; Abdução faz uma mera sugestão de que algo pode ser.” (PEIRCE, 1974, p. 52-3) Tradução de Armando Mora D´Oliveira e Sergio Pomerangblum.
** “Dedução é o modo de raciocínio que examina o estado de coisas colocado nas premissas.” (PEIRCE, 2012, p. 5)
Tradução de José Teixeira Coelho Neto.
DIAS JÚNIOR, Valter Gomes. A Poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014. 268 p. Tese de doutorado. Orientadora: Dra. Zélia Bora, p. 30.
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