PRESSENTIMENTO
Poema de Antonio Miranda
Para Fernando Pessoa
Foto de Robson Corrêa de Araújo
Se eu penso com palavras
com que tento o pensamento,
então, como é que penso
o meu amor intenso?
Tenso, eu mesmo respondo:
não penso com palavras
- penso-o sem pensamento:
puro pressentimento.
Sinto-o com o corpo febril
e atento.
Mas é pensar esse sentir
que nem o sentimento pressente
porque é ausente de palavras?
- se a palavra sempre mente
sendo, como é, insuficiente -
para exprimir o que se sente...
Amar com o corpo
e nunca com as palavras
com que pensamos
e amamos: coxas, seios,
pênis, umbigo, sêmen,
orgasmo, homem.
Ou será que se ama
somente quando
se percebe e sente
integralmente: corpo e mente
o amor que ressente
- sentindo o sentimento
pelo pensamento?
Complicado? Alguém
que não ama
enquanto ama
mas apenas
ao mentar
o amor que experimenta.
Que não ama enquanto
nem durante
mas conquanto
e consoante com o pensar
e o ruminar...
Seria como amar o amor
e não apenas a quem se ama
mesmo que o amor
nem amor fosse...
Em tal gongorismo
ama-se o amor
que é amado
e não o próprio amor!"
(Antonio Miranda - Despertar das Águas)
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