POIESOFIA
Poema de Antonio Miranda
A poesia na contramão do racional e prático
— pratica o inusual e o inútil para que a vida
transcenda, retire a venda dos olhos, desvenda
o real refletido para que a vida flua entre pedras:
pedra não é pedra, é nuvem.
Pior são as pedras na vesícula, que ciência elucida
— pedras meta
físicas em estado de dicionário, contrapondo
Drummond e Fernando Pessoa.
A pedra no caminho de Drummond já estava
em Fernando Pessoa, soa estranha em Itabira.
A pedra só é moral como fotografia na parede.
Que venha a pedra cabralina, de cabra, de cacto,
de sertão.
Só existem pedras na paisagem? — esta de ser e estar.
Firma-mento, vento e chuva, pré-sentimento. A pedra
que se vê, e a outra, inconsútil.
Não lhe interessa o mundo que é só o que se mostra
— demonstração,. Sou outro para quem me vê.
Apenas um nome.
(De Criador de mim. Florianópolis, SC: Edições Nephelibata, 2012.
“Poiesofia é a fusão de poiesis com filosofia e representa uma metapoesia que sugere criação e reflexão. Esse texto intertextualiza o poema “No meio do caminho” de Drummond, ponde sob interrogação a inventividade de Drummond pelo fato de afirmar que a informação já existia em Fernando Pessoa. Este metapoema leva-nos à reflexão sobre a questão da autoria e da criação poética. A indagação “Só existem pedras na paisagem?”, indica justamente que é necessário alterar o discurso em poesia, ele deve caminhar “na contramão do racional e prático”, deve retira a venda dos olhos do leitor e desvendar o real refletido. Essas palavras condensam ideias do fazer poético contemporâneo.
Todos esses metapoemas de Antonio Miranda contextualizam bem a teoria apresentada sobre metalinguagem, como defende Jakobson em que o código se autoexplica e autoexemplifica-se e isso faz com que a poesia torne-se objeto dela própria, retomando as asserções de Roland Barthes, ele é “ao mesmo tempo olhante e olhado”, promovendo uma metaliteratura. Isso tudo é o que proporcional a metapoesia, a metalinguagem como um todo, ser um “sistema de signos dotado de coerência estrutural e de originalidade”, como proferiu Haroldo de Campos. Alfredo Bosi a coloca em primeira instância entre as modalidades da produção poética, porque ela é a que mais resiste à indiferença dos tempos modernos, que valoriza exacerbadamente o capital. Vemos pelos textos apresentados de Antonio Miranda, de edições distinta, que não existe um livro deste poeta que não contenha metapoesia. Ela, enquanto arte, resiste à ausência de reflexão pelo fato de ela, retomando Bosi, possuir “marcas mais profundas de certos modos de pensar correntes que rodeiam cada atividade humana”.
Encontra-se aberta a múltiplas leituras, inclusive as intersemióticas, como pontuou Décio Pignatari, e todos esses critérios servem para enxergarmo-la como uma arte da Modernidade.
Vemos outrossim que Antonio Miranda propõe uma necessidade de inovação como defende Maiakóvski, através da forma e da linguagem. No tocante a esta, o poeta seleciona bem os vocábulos evitando adjetivações supérfluas, como procede Ezra Pound. Reporta-se bastante ao cotidiano, critério esse que é visto como importante por Rilke. Aproxima artes vizinhas como a poesia e plástica, união essa que Baudelaire defende como moderna e contemporânea. Há muita plasticidade na poética mirandiana. Antonio Miranda é um vidente, no dizer de Rimbaud, por enxergar inovação. Acima de tudo, é um artista que se sente livre par criar, não se prendendo a limites ou preconceitos. Daí surgir o caráter vanguardista de sua poética, uma vez que a mesma tende a caminhar na contramão. Comportamento esse herdados dos modernistas brasileiros e que Graça Aranha já expusera em seu discurso no primeiro dia da Semana de Arte Moderna de 1922.
In: DIAS JUNIOR, Valter Gomes. A poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014. 268 p. Tese de doutorado defendida com Louvor.
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