I
Sempre
quase sempre
(nem sempre...)
eu me vejo ridículo
escrevendo poemas.
Mais ridículo ainda
lendo-os, relendo-os
infinitamente.
A poesia tornou-se um exercício
maneirista, narcisista, preciosista
masoquista e, para quebrar a rima
um precipício
um verdadeiro estropício
um hospício a céu aberto.
Uma espécie de auto-flagelação
ou de endeusamento
sem qualquer encantamento
ou absolvição: a negação da negação.
II
Ferreira Gullar, por exemplo
colocou o poema no liquidificador
na sua Luta Corporal.
Tristan Tzara, o dadaísta
usou a tesoura porque não havia
a máquina picotadora
e saiu fazendo colagem de letras
em arquiteturas indecifráveis.
Mallarmé lançou seus dados ao azar
E. E. Cummings construiu edifícios verbais
e Sousândrade violentou a gramática
enquanto Bilac cinzelava versos
e J. G. de Araújo Jorge acaramelava
os amores imaginários.
Antes, Bécquer elevava-os em seu andores.
Mais perto de nós, Nikolas von Behr
ventríloquo pelo umbigo
faz discurso libertário
rebeldia em verso livre, e de livro.
Tem ainda a iconoclastia de Leminsky
a hipocondria de Manuel Bandeira
e a eclésia dos irmão Campos
com o concretista Pignatari
na tradição do novo
na renovação.
Tradição do novo é conceito sartreano.
Bem podia ser pernambucano!
III
Eu me reconheço
medíocre
e apelo para as musas difuntas
ou aposentadas.
A poesia é um caminho viciado
ou é inovação e criação
(nunca inspiração)
e o poeta queima as próprias roupas
incinera as vãs convicções, crenças
deserta do mundo e suas ideologias
e destrói a própria torre de marfim
seu último refúgio.
E não sabe o que fazer
com a própria liberdade.
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