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Foto de Robson Corrêa de Araújo

 

PAISAGEM CARCOMIDA
pregos enguiçados
aragem abrindo janelas
e os retratos na
os pratos depois
os lustres dependur
as fissur
nódoas
paixões se dir
qudros, posts, relâmpagos!!!

 

          Extraído de Grito Interrompido (2007)

 

Verifiquemos que a mensagem do texto dialoga com a imagem. Esta não possui uma legenda que a explique ou defina-a, o que a leva a ser propriamente um ícone imagético e não um símbolo. Vemos que a gravura registra a paisagem carcomida pontuada no poema. Vestígios de lixo espalhados pela rua onde se convive ao mesmo tempo seres vivos — o cachorro ao centro, um indivíduo que provavelmente se encontra no interior do veículo para conduzir o caminhão. O azul do alto céu se opõe às cores opacas, escuras e o branco nodoado. A foto é esperpenticamente desconcertante pelo fato de vida e destroços confluírem entre si. A sujeira jogada pelo chão aponta a deformação que designa uma reflexão esperpêntica sobre o espaço.

A fotografia dialoga com o poema pelo fato de ele erigir uma simbolicidade que proporciona todo um desconcerto do cenário. A escritura do poema está interligada às características da antipoesia, como a oralidade que se materializa através dos versos sem ausência de pontuação, a desconstrução das palavras, vocábulos escritos da maneiro como é pronunciado — posts. Além disso, na escrita, a falta de iniciais maiúsculas vincula-se também a ua ruptura com o tradicional. Percebamos que, de acordo com o senso comum, é dado ao signo paisagem toda uma simbologia aprazível, que preenche o imaginário de um observador com belezas. Daí notarmos a presença de um acoplamento por equivalentes em oposição entre este termo e o signo carcomida. Os pregos enguiçados e a aragem que é a brisa que abre as janelas opõem-se devido à dureza e à falta de funcionamento do primeiro e à suavidade do segundo e ambos convivem harmonicamente, esperpenticamente, no mesmo ambiente.          

A paranomásia corporificada na homofonia das rimas entre retratos e pratos aproximam objetos que, no mesmo espaço, não estão definidamente situados, por causa da preposição que sucede o primeiro signo e o advérbio posterior ao segundo. Isso intensifica a ideia de algo que fora carcomido ao ponto de estes objetos não estarem diretamente sinalizados num local específico. Daí serem compreensíveis as fissur(as) apontadas no texto e estas se materializam inclusive no aspecto formal da escrita. Conteúdo e forma unem-se através dessa inusitada ocorrência, gerando o isomorfismo e registrando o que deveras está fissurado, como “paixões se dir”, “qudros, posts, relâmpagos!!!”  Este último signo possui equivalência com o vocábulo fissura, uma vez que ele rompe com o silêncio.

Este fenômeno posiciona-se como um sinsigno pelo fato de singularizar um momento com sua inesperada ocorrência.  Daí o relâmpago ser também semanticamente a fissura de um instante linear e padronizado, como as nódoas, que estão mencionadas no poema, fendem com a unidade da cor. Os sinais de exclamação repetidos três vezes enfatizam a surpresa gerada através de todas essas rupturas sígnicas e, dessa maneira, o desconcerto esperpêntico se faz presente.

In: DIAS JUNIOR, Valter Gomes. A poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014.  268 p. Tese de doutorado defendida com Louvor.

 

 


 

 

 
 
 
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