ORAÇÃO POR EMILINHA BORBA
Poema de Mércio *
personagem de romance de ANTONIO MIRANDA
“Até o céu está hierarquizado, cruz credo!” Dona Genoveva
Senhor,
um poeta atrapado nas arapucas do subdesenvolvimento
atolado nos seus preconceitos pequeno-burgueses
- mas nem por isso menos crédulo, menos devoto –
saúda e pede passagem,
traz o seu abre-alas
às portas do Teu Reino
para a sua musa: EMILINHA BORBA, a cantora do Brasil!
Ela não é uma artista de Hollywood
nem suicidou-se numa taça de champanha.
Veio do coração do povo
humilde, simples e verdadeira na sua simplicidade
veio do seio do povo
nunca posou nua para revistas como Play Boy ou Paris Match
nem fingiu um casamento com um milionário estrangeiro.
A história dela, Senhor, Tu a conheces
melhor do que eu:
ganhou com simpatia o que outras ganharam com escândalos
amou em silêncio
ela mesma jamais entendeu a razão de sua glória
nunca deixou-se levar por mania de grandeza
jamais pecou por prepotência
continua humilde, Senhor, agradecida de sua sorte
honrada com o seu papel de Favorita das Favoritas
quem sabe vítima do seu destino
mas resignada a viver convictamente o seu papel
o papel que Tu lhe atribuíste.
Cantou onde seus fãs a exigiram:
nas estações de rádio, nos clubes aristocráticos
nos bailes de Carnaval
até mesmo nos pequenos circos
e nos mais distantes e modestos parques de diversões
onde o seu público se reunisse para ouvi-la.
Aquele era o seu povo
e aquele o seu país.
Nem havia Televisão de casa em casa
nem estradas nem hotéis razoáveis
mas ela ia de cidade em cidade
peregrinando e cantando.
Havia um Brasil querendo ouvi-la
e ela amava o Brasil como ninguém.
Foi (é), Senhor
o símbolo para muitos de nós
que acreditamos na sua autenticidade:
ela veio do seio do povo
ganhou a fama e a fortuna
tornou-se o ídolo de milhões de seres anônimos
mas de carne e osso
que trabalha, que sofre, que tem esperanças também
(como ela) de ganhar fama e fortuna
pelo menos o pão e o teto.
Ela foi a esperança num momento difícil de nossas vidas.
Emilinha, Senhor,
brindou-nos essa oportunidade
abriu seu imenso coração para aquela gente
- para nós, Senhor, desejosos que estávamos de comunhão –
ensinou-nos o caminho da virtude
apertou a mão de cada um de nós, embalou-nos
aconchegou-nos no seu infinito sorriso
porque ela sorriu e cantou para todos
e todos soubemos glorificá-la com flores e títulos:
FAVORITA DA MARINHA
A CANTORA MAIS QUERIDA DO BRASIL
e, no entanto, Senhor
jamais permitiu que depositássemos os ex-votos aos seus pés
ela mesma os recebia
ela, na sua humildade profética, não os aceitava para ela própria
aceitava-os para os que ela representava
aceitava para a fé dos que a procurávamos
e dependíamos dela para existir.
Ela uniu esse país, Senhor
pôs o seu amor no coração desse país
cresceu com ele, cantou com ele
- todo o país ao uníssono –
e mais não fez porque mais não podia.
Ela merece cantar no Teu Reino
como a nossa melhor representante.
*personagem do romance “A QUADRATURA DO Ó; ou a maravilhosa estória do fanzoca que idolotrava Emilinha Borba”, de ANTONIO MIRANDA, publicado em Brasília, pela Editora Thesurus, em 1979, considerado por muitos como um relato almodovariano (antes do Almodóvar). O formato do poema foi, inegavelmente, uma emulação do famoso poema “ORAÇÃO POR MARILYN MONROE” do poeta nicaragüense Ernesto Cardenal.
|