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 NEFELIBATA
Para Gustavo Gutierrez        I   Ir no sentido contrário  contra o fuso horário    e chegar antes de ter saído    (ou nascer antes de ser parido).         Do avião, tudo é plano    - asas tão frágeis, plainando –    está-se confinado, no alto, surfando    entre nuvens, suspenso no ar    no limite das sensações e idéias    levitando, o corpo flutuando    nas entrelinhas do pensamento    assustado, trepidando, pressurizado    numa caixa móvel de chocolates    importados, celebrando, relembrando.        II   Nas alturas de Macchu Picchu    com Gustavo Gutiérrez, nós    mochileiros em férias, arfando    nas ladeiras rarefeitas de La Paz    na quietude altiva do lago Titicaca    (espelhando nevados e nuvens    andarilhas), no topo do mundo.         Caçando palavras no firmamento    avivando sentimentos despegados    numa geografia tão vasta mas    que não basta para meu encantamento.           III   Francamente, a estas alturas    que importa a criatura?         A máquina me transporta    mas eu chego antes    numa ânsia de espaço incontido    em tempos simultâneos, instantâneos    numa ubiqüidade própria    dos não-lugares.         A dez mil metros de altitude    tudo se relativiza    - em movimento mas estacionado –    as nuvens é que expandem    seus volumes luminosos.         Poderia estar mais perto de Deus    se o universo não fosse infinito    sem teto, sem fundo, sem nexo.    As nuvens em qualquer direção.           IV   Nuvens fossilizadas, pintadas nas paredes    de um restaurante de beira de estrada    - no Peru, na Bolívia – ou no presépio    feitas de algodão doce e colorido.         Ou nuvens que assumem formas humanas    enquanto eu, por opção ou circunstância    aperto o cinto e vivo nas nuvens.         Não obstante,    em Tiahuanaco, o tempo é sólido. 
     
 
            
              | Antonio Miranda e Gustavo   Gutiérrez nas alturas de Machu Picchu (Peru, 1968).    Poema extraído do livro   RETRATOS l& POESIA REUNIDA (Thesaurus, 2004)  |    |