OS ÍNDIOS 
                
                Poema de Antonio Miranda  
              
               
              I 
               
              Também  vieram de longe 
              e  plantaram raízes 
              imemoriais 
              no  jardim de sua eleição 
              desde  a diáspora primeva 
              da  Criação.  
               
              Não  sabemos se temos 
              a  mesma origem 
              ou  se nascemos já divididos 
              disputando  o mesmo espaço.  
               
              Descimentos  e preamentos 
              bandeirantes 
              dizimaram  e escravizaram 
              índios  sem religião 
              como  animais 
              errantes.  
               
               
              II 
               
              Os  sobreviventes estão
              confinados  em reservas
              como  num zoológico humano.  
               
              Duas  culturas não podem 
              ocupar  o mesmo lugar: 
              ou  o índio é integrado 
              à  sociedade 
              e  perde a identidade tribal 
              ou  refugia-se na comunidade. 
                
              Garimpeiros,  pecuaristas 
              seringueiros  e extrativistas 
              (caraíbas) 
              avançam  com motosserras.  
               
              O  índio não é ambicioso 
              nem  ocioso.  
               
              A  terra é a existência do índio 
              -terra  de todos, comunitária 
              terra  que é partícula 
              em  movimento e assimilação.  
               
              Terra  e índio: um vive da outra. 
              Mãe  e filho, indivisíveis.  
               
              Terra  sagrada 
              de  húmus vivo e fértil 
              de  seus antepassados 
              com  que o índio abona 
              o  inhame, o cará e a taioba.  
               
              Em  que cultiva, caça e pesca 
              e  colhe, apenas quando 
              e  quanto necessita. 
               
               
              III 
               
              Para  o índio não há amanhã 
              em  qualquer sentido pois 
              o  tempo não existe 
              em  sua percepção: 
              o  movimento do corpo 
              num  ímpeto contínuo 
              (da  vontade em ação) 
              é  que move a rede 
              (e  não os pés e a mão) 
              como  move a vida.  
               
              Dias  alternam-se sem 
              alterações  e altercações 
              -de  pesca, de fruta acesa 
              que  logo vai compartilhar 
              no  complemento do beiju 
              do  pirarucu e do tucunaré.  
               
              O  fogo está sempre aceso 
              na  aldeia e almas intermitentes 
              de  dormir e despertar 
              de  morrer e renascer: 
              um  tempo dentro de outro 
              tempo  infinito e cego.  
               
              Fogo  feito para irmanar-se 
              depois  de buscar a lenha 
              que  não armazena jamais 
              para  não quebrar a rotina.  
               
              Um  grande poder de concentração 
              -e  de dedicação extrema- 
              com  todo o tempo do mundo 
              mas  sem a noção de tempo.
               
               
              
               
              Homenagem  ao índio Marcos Terena, em visita recente ao Memorial projetado por Niemayer  para a cultura indígena em Brasilia, em foto de TT Catalão (2006).
               
              
               
              Antonio  Miranda com o índio ALVARO TUKANO (diretor do Museu do Indio de Brasilia)  em cerimônia no auditório da Biblioteca  Nacional de Brasilia, 6 dez. 2010.