IDENTIDADE E DISSÍMULO
Poesia de Antonio Miranda
Ilus. de Carmen Fulle (Chile)
É bom que haja identidade
e que o coletiva nos uma
e nos irmane
-compartilhamento de valores
confirmados
conformados nos padrões
homogeneizadores.
É bom reconhecer-se no outro
e entender a sua/nossa vocação
-por que não?!-
perceber a convergência
e a pertinência
de uma tal idiossincrasia
-não podia ser melhor!-
Tal e qual!
Ir ao extremo e ser “galera”
ser platéia, ser massa no estádio
no comício, em passeata
e procissão.
Cantar na multidão a melodia
aprendida e compartilhada
em sentimentos plurais.
Pra que mais?!
Que nos entendam
e nos legitimem.
Tudo bem.
Porém...
Eu nasci pelo avesso.
Fugia para o quarto
quando os primos estavam na sala
e torcia pelo time perdedor.
Era sempre minoria
e não queria saber de catecismo
nem de clubes e festinhas.
Roia meu osso, sossegado
ao lado de quem eu escolhia.
Ria da felicidade de um dia
das comemorações convencionais
- aniversários, casamentos, Natal
e Carnaval- e só ia
pela metade, de esguelha
fingindo ser partícipe
do que não compartilhava.
Só minha mãe percebia
meu ensimesmamento
- aquele estar na multidão
numa solidão consciente
olhando de dentro para fora
que é como me vejo ausente
entre muitos,
de repente.
Vendo-me pelos olhos alheios
percebendo-me diferente
sem chegar a isolar-me
completamente.
Vendo-me como quero ser visto
em meu despistamento
em minha identidade
de momento
que logo abandono
como casca de ovo
como pele de serpente
como um cão
sem dono.