FLORA DO CERRADO
Poema de Antonio Miranda
Ilustração de ÁLVARO NUNES
Pequis, araticuns,
cajuís.
Veredas da solidão,
arbustos tortuosos, retorcidos,
ungidos sob o sol estival.
Árvores secas, queimadas,
renascidas, tortas,
carcomidas,
entre capins resvalantes
nos interflúvios,
nas encostas pedregosas.
Pedras lunares,
cristais
e flores matinais
entre nasceres e morreres
contumazes.
Tem o araçá agridoce e arbustivo,
tem o bacupari de polpa
sobre caroços tungidos,
escondidos
em cascas coriáceas.
E tem a curriola esverdeada
dos pássaros famintos
e o jatobá das farinhas
preparado com açúcar mascavo.
Tem a mangaba, murici,
mama-cadela, lobeira, gabiroba.
E as palmeiras jerivá,
babaçu, macaúba, guariroba,
emplumando a paisagem
no cerradão do tropeiro
e do peão.
E o peão sabe:
onde tem buriti tem água,
tem vida, brotação.
E haja espaço
e vez para louvar
as orquídeas e as bromélias:
o Cyrthopodium eugenii
cilíndrico obeso bulboso
nos afloramentos alcalinos;
os gravatás de todos os nomes
armados e serrilhados
nas árvores
e nos inselbergues ensolarados.
Testemunhos seculares
de endemismos.
E,
guardião dos campos úmidos
restabelecidos,
o papalantus sobranceiro,
de roseta capilar,
esferoidal,
demarcando distâncias.
As nuvens plúmbeas
querendo afogar a terra,
errantes, suspensas
como cogumelos alucinados,
como coágulos espessos.
Nuvens tingidas de vermelho,
nos horizontes abertos, teatrais,
descortinantes e desconcertantes.
Nuvens orquestrais, plasmadas
contra o azul absoluto, total,
onipresente.
Nuvens movediças, baixas,
volumosas, assim gráceis
ou frágeis, ou densas
e pretensas.
Cupinzeiros,
espinhos e folhas urticantes,
raízes tuberosas,
seivas e entranhas flagrantes
e fragrantes,
colinas ondulantes,
rochosas.
O cerrado é campo aberto
é grota é mata ciliar
é cipó é maritaca e é tucano
quando não é siriema
e tatu e coruja e guará
nas vertentes nas encostas
nos varjões.
Nasce e renasce em ciclos
estelares,
nas constelações decíduas
de folhagens intermitentes,
metamorfoses,
mutações.
A natureza aqui é árdua
e serena,
impassível, fossilizada,
sem beirada.
É fátua
é pródiga, profícua
infalível, implacável
— valham todos os adjetivos!
Poema extraído do livro CANTO BRASÍLIA (Brasília: Thesaurus, 2000).
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