EU ME DELETO
Poema de Antonio Miranda
Ilustração de Maria Rita Oliveira de Sousa*
1
Eu me dilato:
rejeito a vida prêt-à-porter de massa e consumismo
fujo da matriz, evito o invólucro que me oferece como outro:
umbigo-conexão em fôrma e forma de fora para dentro
formulo e me reformulo
mas estou infectado pelo vírus
eletrônico, invadido por hackers e crackers de plantão
eliminando minha individualidade
- inteligência destrutiva
viral, virtual, visceral, vital.
Me estendo, me simulo e dissumulo:
continuo sendo dionisíaco, lúdico
com o complexo de Narciso:
e me excomungo, me abduzo, me exorcizo.
Como tudo é instantâneo
nem reflito
- espelho a derrocar a própria imagem.
Sou um rito de passagem
2
Eu me delato:
tudo pela onipresença
pela ubiqüidade absoluta
- eu-prótese, eu-extensão
do modo de acomodar e conjugar
os mitos e as alegorias.
3
E me deleto:
atrelado à rede total que me esgarça, me dispersa.
Me desloco, descolo, me desintegro, me desconecto.
Estou cada vez mais fuso, parafuso, confuso
num esquema difuso
pelas regras da nanotecnologia
- daí a minha tecnofobia, minha agonia.
É mesmo o fim da ideologia?
Na missa virtual
em vez da pomba da paz
aparece uma vagina cósmica
denunciando minha origem.
Onde o antivírus? Cadê a vacina?
Vertigem do ser
em sua interação.
Brasília, 4 de outubro de 2005
*Fóssil III: Madrepérolas.
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