CUBISMO VERBAL
Poema de Antonio Miranda
Ver-se numa sucessão de quadros:
fragmentos, momentos vividos.
Ver-se numa série de eventos passados
contíguos, consecutivos, recortados.
Lado a lado, passado e presente
justapostos, interdependentes
numa continuidade impossível (inconseqüente)
numa linearidade absurda (desuniforme)
numa contigüidade sucessiva e vã (descontínua)
numa padronização sem repetição:
seriada nos fragmentos
como no cinema mecânico
- o ser pelo deixar de ser
o ver pelo desaparecer
da animação pela sucessão.
Na sucessão de instantes que recompomos
na escrita do poema – como o pintor na tela –
o depois precede o antes
do antes que é antes do depois
- desfragmentando o tempo
por sua inscrição.
O olho enxerga as frações
e a mente desmente
- olho e mente se contradizem –
recompondo e rearmando o entendimento:
não se sabe quando congela o tempo
na superfície da folha
ou na linearidade do texto
da perspectiva estática que a mente liberta
simultaneando os fragmentos
na ilusão da sucessão
numa leitura de sucessões retroativas
como um corpo no vácuo da memória
indefinidamente entre ir e vir.
Vejo as células mortas em minha pele flácida.
Chácara Irecê, 18.09.2005
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