Poema de Antonio Miranda
Ilustração de Robson Corrêa de Araújo*
Debruçada sobre a almofada cilíndrica
dedilhando bilros de madeira lustrada
vejo minha mãe, corcovada
cruzando os fios e espetando alfinetes
— talvez espinhos de mandacaru –
perfurando no papelão o riscado
de motivos florais tão sutis.
Vejo outras mães, tias, sobrinhas
na dança dos bilros redondos
tramando rendas e bordados
cruzando fios de algodão
em combinações labirínticas
— linhas grossas, espessas
embaralhadas, enviesadas
ganhando formas e cores.
Modelagens de sonhos coletivos,
artefatos engenhosos, manuais
com agulhas e dedais
— são pontos de cruz e crivo,
ponto cheio e matiz, ponto estrela,
ponto d´água, ponto-a-jour,
ponto no ar, moldando figuras
esticadas em bastidores tenazes.
São arabescos bordados,
teia e enredo, tramas e tessituras
de fazeres e manufaturas:
são rosáceas, engenho e arte
na espessura do linho
na alvura da cambraia
pela rudeza do morim
e a pureza do organdi.
Monogramas aplicados em travesseiros,
cestinhas (delicadas) forradas de cetim
com apliques, tecidos recortados
com os fios retirados, trançados
formando geometrias e simetrias
repetindo e multiplicando-se
em peças emendadas, arremates.
Vejo minha mãe-bordadeira
à luz do dia, à máquina de costura
preparando o enxoval de bebê,
a cortina e os guardanapos enfeitados
a toalha de mesa em richelieu.
Solteironas, viúvas, mulheres
abandonadas, avós e netas
na cerimônia da iniciação
— no Ceará, no Rio Grande do Norte
e na ilha de Santa Catarina –—
de mãos ágeis que mais sabem
na moldagem do tecido vazado,
nas tramas de luz e aragem
da renda de filé, na renda de crochê.
É quando as linhas se cruzam
e se enlaçam em nós e pontos
tecendo as redes com varandas
em Mato Grosso ou no Maranhão
como tapetes voadores caprichosos,
como sugestivos jardins florais
nas cortinas e nos finos panos de mesa
decorando as sacristias das Minas Gerais.
Poema extraído da obra inédita TERRA BRASÍLIS (2004-2005).