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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AMAZÔNIA

 

Poema de ANTONIO MIRANDA

 

 

1.      Lá vai o Lobo d’Almada

pelos portos do Amazonas,

verdes margens,

paisagem já memória.

 

Lá vai o Lobo d’Almada,

apitando, singrando o rio.

2. Que é o homem

neste verde deserto, imenso,

desconhecido?

 

3.      Lá vai o Lobo d’ Almada

em festa, cursando o rio:

Óbidos, Santarém, Almeirim,

minúsculos pontos no mapa.

 

Gaivotas suicidas

no tombadilho em festa,

caboclas sempre verão

e a umidade dos seios

e virilhas.

 

4. Lá vai o Lobo d’ Almada

pelo dulce mar de meus sonhos

infantis, de minhas aventuras

 

5. A lua no convés.

Onde o homem

nesta paisagem sem fundo

e sem começo,

ilhada e vazada de igapós?

 

6. O abraço do Rio Negro

ao Solimões,

abraço penetrante,

tons barrentos e escuros,

cambiantes:

vê-lo do avião, do navio,

do poema, a natureza comungando.

Lá vai o Lobo d’Almada.

 

7. Manaus incrustada na selva

vivendo a memória

de seu ouro-borracha;

sobre toras, no rio, a cidade flutuante

e a torre abóboda

de seu faustoso teatro.

 

Uma promessa toda de prosperidade

e a natureza pesando sobre os homens.

 

 

(MIRANDA, 2010, p. 43-4)

 

 

 

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3 “Amazônia” é um poema da obra “Terra Brasilis” , cuja primeira parte — DE ORNATU MUNDI” Foi editada pelo Jardim Botânico de Brasília que homenageou o ecopoeta Antonio Miranda com fotografias do artista, excertos de seus ecopoemas e as ilustrações de Álvaro Nunes que foram distribuídos pelas trilhas do espaço do Jardim Botânico a fim de dar o valor devido à obra De Ornatu Mundi (2010).

4 Antônio Lisboa Carvalho de Miranda é maranhense, nascido em 05 de agosto de 1940, poeta, prosador, dramaturgo e escultor. É membro da Academia de Letras do Distrito Federal. É professor aposentado da Universidade de Brasília, com Doutorado em Ciência da Comunicação pela USP (1987), Mestrado em Biblioteconomia na Lougborough University of Technology – LUT – Inglaterra (1975). Sua formação em Bibliotecologia é da Universidad Central de Venezuela, UCV, Venezuela (1970).

 

 

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As estâncias do ecopoema “Amazônia”, cujas linhas estão centralizadas no papel, foram construídas com versos livres. Essa liberdade de expressão presente na escrita do ecopoeta se coaduna com a liberdade vivenciada pela natureza que é descrita através das ações dos seres vivos que compõem todo o cenário natural. O espaço da Amazônia é detalhadamente esmiuçado, apresentando assim uma natureza virgem, cujo habitat não sofrera degradação através da interferência humana, isto é, a natureza é o sujeito em seu próprio espaço, conforme os conceitos da ecocrítica sugerem.

 

No primeiro verso, dá-se uma importância ao Lobo d’Almada pelo fato de ele estar referenciado com letra maiúscula e também por ele transitar livremente em seu habitat, os portos do Amazonas, ou seja, suas verdes margens. O primeiro verso é formado por uma quantidade maior de sílabas longas, isto é, tônicas, o que favorece uma introdução ecopoética com um ritmo forte. Destaca-se a presença deste lobo através de uma vibração intensa das 6 sílabas tônicas existentes no primeiro verso. E tal intensidade é reforçada pelo fato de este verso repetir-se mais quatro vezes em linhas ulteriores. Quando isso ocorre, a voz enunciadora do poema evidencia a liberdade sentida e vivida pelo lobo, pois o mesmo vai apitando e singrando o Rio Amazonas, vai, em festa, cursando o rio. É possível captarmos, com essas imagens, quão livres são a flora e a fauna da Amazônia.

 

Essa ideia de liberdade é associada, pelo eu ecopoético, a proporções grandes, erigindo um jogo, estilisticamente, antitético entre as palavras e as ideias. Enquanto o vocábulo Lobo d’Almada é citado com letras maiúsculas, o substantivo homem é escrito com inicial minúscula. A ação e o espaço daquele são ilimitados e grandiosos e a este lhe é atribuída uma condição reduzida tanto que a voz enunciadora propõe ao leitor a seguinte questão para reflexão: “Que é o homem”, “neste verde deserto”, “imenso, desconhecido?”. Este segundo verso é metáfora de Amazônia, uma vez que suas principais características são reforçadas através da sensorialidade visual com o efeito cromático do verde acrescido da dimensão do deserto. A crítica é mais evidenciada com o signo desconhecido, pois, se existe essa noção, entendemos que se trata de um ambiente que não foi completamente explorado pelo homem, já que esse espaço é detentor de considerável vastidão.

 

 A imagem de tamanho é reforçada quando se aponta para imensidão do Amazonas, o habitat do Lobo d’Almada, e para a pequenez geográfica das mesorregiões do Baixo Amazonas: Óbidos, Santarém e Almeirim. O eu ecopoético metaforiza esses municípios paraenses como minúsculos pontos no mapa, isto é, são lugares conhecidos, cuja natureza já sofrera com a ação humana, destituindo a natureza do direito de liberdade. Como a Amazônia e o Amazonas são lugares grandes e desconhecidos, sugere-se, com isso, que sejam livres ou, ecocriticamente, almejávamos que assim fosse: livres em sua completa constituição.

 

As antíteses entre animal x humano, grande x ínfimo, espaço conhecido x espaço desconhecido sugerem uma força reflexiva estimulando assim o olhar e o entendimento ecocríticos, porque essas oposições nos condicionam a captarmos a subjetividade da natureza. Como sujeito, a mesma tem o direito de desfrutar da liberdade conforme o homem também vivencia. E essa liberdade, por ser marcante, fica registrada na memória do eu ecopoético, segundo podemos perceber nos versos: “verdes margens”, “paisagem já memória”, “Lá vai o Lobo d’Almada”, “pelo dulce mar de meus sonhos”, “infantis, de minhas aventuras”.

 

Em paralelo ao lobo que cursa o Rio Amazonas, singrando-o, e também às memórias dessas imagens elencadas pelo eu ecopoético, surge, neste ecopoema, um navio cujo tombadilho é tomado por gaivotas suicidas, isto é, aves que caem em revoada ocupando todo o espaço em festa. E mesmo ante a presença de um navio cortando o rio, a natureza se destaca mais, através da presença das gaivotas, para, em seguida, dar espaço às caboclas da região que são evidenciadas pelas características sensuais: a umidade dos seios e das virilhas. Se estavam úmidas é porque prontas estariam para o coito. No entanto, esses versos não se destacam tanto no ecopoema como um todo. A ocorrência deles é para apontar que ao humano seria dada a atenção e quais os motivos para essa evidência, uma vez que a natureza é a protagonista da integralidade do texto, tanto que, na estância subsequente, o Lobo d’Almada volta a ter o seu destaque acrescido de outros elementos da natureza, como a lua que desponta sob o convés do navio, mostrando-se grande ao ponto de novamente a voz ecopoética indagar onde o homem estaria num espaço como este, numa “paisagem sem fundo”, “e sem começo”, “ilhada e vazada de igapós?”. A antítese entre grande x pequeno volta a sugerir reflexão ecocrítica neste ecopoema. A grandiosidade da natureza em oposição à pequenez humana reitera-se no texto a fim de elevar a subjetividade da natureza. Trata-se de um sujeito merecedor deste alto reconhecimento.

 

Por causa disso, após o pensamento crítico citado, o eu ecopoético ressalta mais uma vez a ação dos seres que compõem a Amazônia. Agora, isso é feito com a animização entre o Rio Negro e o Rio Solimões através do encontro dos rios metaforizado com o vocábulo abraço e este pontua as características constitutivas dessas águas fluviais com expressões que exploram as percepções sensoriais táteis e visuais: “penetrante”, “tons barrentos e escuros”, “cambiantes”. E, para o eu ecopoético, visualizar esse jogo de efeitos seja do avião, do navio ou através da própria escritura do poema (o que materializa, com essa palavra, a metalinguagem no texto) é captar a comunhão da natureza, isto é, a subjetividade da mesma, o que vem a ser reforçado novamente com o estribilho “Lá vai o Lobo d’Almada.”.

 

 A voz enunciadora chega à nona estrofe, em forma de oitava, recuperando Manaus em seu apogeu econômico, “vivendo a memória”, “de seu ouro-borracha”, “sobre toras, no rio, a cidade flutuante”, “e a torre abóboda”, “de seu faustoso teatro”. Essa urbe foi incrustada, ou seja, revestida com todo esse aparato de “crescimento”, porém a que preço? A voz ecopoética suscita essa indagação através das duas últimas linhas: “Uma promessa toda de prosperidade”, “e a natureza pesando sobre os homens”. Esses versos sugerem a exploração sofrida pela Amazônia que pesa sobre os homens. A crítica dessas frases incute uma ideia de indignação do eu ecopoético para com o que ocorrera à natureza. Os homens, obrigatoriamente no plural, pagaram um preço assaz alto por causa de toda uma promessa de prosperidade, porque a natureza, a partir do momento que se tornara um peso sobre eles, reclama, enquanto sujeito que ela é, pela liberdade que lhe foi destituída; pior, roubada. É necessário o olhar ecocrítico para sentir tal proposta, por isso que outros ecopoemas deste mesmo livro nos orientam à profundidade dessa reflexão.

 

 

            Texto crítico e analítico intulado “ A NATUREZA COMO SUJEITO NOS ECOPOEMAS DE ANTONIO MIRANDA”, apresentado pelo Prof. Dr. Valter Gomes Dias Junior, no III Congresso Internacional de Literatura e Ecocrítica e I Conferência Bienal Asle Brasil, realizado na Universidade Federal da Paraíba, nos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2016. ISBN: 978-85-66224-12-2

 

Linha Temática: Poesia e Narrativas Ecocêntricas DIAS JUNIOR, Valter Gomes2 (UFPB)

 


 

 

 
 
 
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