Imagem: Manuel Maria Barbosa du Bocage,
porta português. Setúbal, Portugal 1765-1805.
BOCAGE
Poema de Antonio Miranda
I
“Mas vendo no meu gênio o mau destino
Que havia de fazer? Cedi ao fado.!
Fado ou enfado, vontades insaciáveis
vivestes de arrebatos, suspiros, solidões
de mil amores, febris, mais imaginários
que verdadeiros.
Mil amores preteridos, puros arrebates
pesadelos, flagelos, receios, ciúmes
queixumes. Sim, morrer de amores
passageiros!
II
“Eu descoro, praguejo, eu ardo, eu gmeo.”
Dizem que fostes fiel ao amor cambiante
que amavas o amor que não te amava
que a tantas amava, a todas, em sonhos
em versos.
Atormentado de incertezas e desenganos
imaginando mortes ou mortificando-se
danos morais, iras, ternuras alternadas
desgraçadas.
III
“Quero fartar meu coração de horrores.”
Vagastes pelo mundo, fostes a Goa, à Índia
e ao Brasil — ao Beco das Violas — distraído
perdido em sentimentos desvairados
desterrados.
Tua única pátria foi a fantasia
a devorar-te as entranhas dilaceradas
as notes de tormento, amofinamentos
consternados.
IV
“Conheço que há vontade e não destino.”
E o fado a que conduz? A que portos
a que fracassos? Na prisão sórdida e fria
buscavas a Liberdade, o livre arbítrio
mas sem arrependimentos.
Certo: o livre arbítrio e não o fatalismo
rege a condição humana. Tu, crédulo mas
tido como herege; tu, fervorosos e piedoso
e apaixonado.
V
“Ser odioso, além de desgraçado.”
Tua fama de ímpio não te corresponde
nem a de maldito, talvez a de hedonista.
Teus sonetos de amor e desesperança
te redimem.
Ninguém amou tanto, a tantas como tu.
Um só amor desventurado, transfigurado.
Desprezado, mortificado, receios, desejos
insatisfeitos.
VI
“Escritos pela mão do Fingimento.”
Tantas amastes, nomes acaso verdadeiros
outros inventados, mortes e ressurreições.
Lampejos, afagos, seios, agouros, receios,
desventuras.
Pesares, azedumes, avatares, perfumes.
Devoto de mil deidades, talvez cínico
também verdades de momento, os males
que imaginavas.
VII
“Adeus, ó mundo! Ó natureza! Ó nada!”
Manuel Maria Barbosa de Bocage
órfão de mãe, soldado, tradutor, poeta
com a fama de obsceno, proibido
e difamado.
O herédito perigoso e dissoluto, acusado
pelo Santo Ofício. No entanto, apenas amou.
Louváveis sentimentos levaram-no à loucura.
E vaticinou:
“Inoportuna Razão, não me persigas!”
2003
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