SANTOS SOUZA
José dos Santos, nasceu em 27 de janeiro de 1919. Aos 13 anos, o menino Santo Souza já falava de amor em seus poemas. José Santo Souza ilustre filho de Riachuelo um dos maiores poetas vivos do país, viveu em sua cidade natal até os 17 anos trabalhando em farmácia, e em Aracaju, ele continuou trabalhando no ramo onde aprendeu a manipular medicamentos com a mesma maestria que o conservou na função por 26 anos. Somente em 1938 ele retornou à poesia.
CANTO II
Ah, ousamos reger o mar sagrado
para onde a noite inválida se afasta
com a partitura efêmera das horas!
Treme no aquário nossas mãos. O rio
torna a mover-se, envolve nossos pés,
restaura o amor na imagem fugidia
de nossos olhos ímpios e vulgares,
e um riso antigo vem doer na bpca
da sibila cruel que nos desata
o nó da liberdade que ansiamos.
Que surpresa incontida nos impele
e faz que penetremos insubmissos
nestes vales revoltos, nestas dunas,
neste vasto silêncio encarcerado
em templos e oceanos que não vemos?
Outrora aqui tecemos com paciência
lendas heróicas, lagos, e as palavras
com que reconquistamos o segredo
da noite inicial, e construímos
com a sua tessitura a eternidade.
Aqui com nossas lágrimas regamos
chão, firmamento, rios. Dissolvemos
a luz da aurora em nossas amarguras.
E, para dissipar o espesso tédio,
dilatamos o cerco do horizonte
para além das colunas demarcadas
pelo Eterno que, agora, nos contempla
e soma o nosso esforço, esta agonia
em que nos vamos iludindo a vida
com sangue, pedra, fel e poesia.
Mas onde os nossos mares? Onde as naves
que nossas mãos domavam, contornando
suas ondas e praias, suas vozes,
a sinfonia mágica das águas,
o rodízio das noites, a cantiga dos afogados, o sorriso e o choro
das crianças perdidas, navegando
nos braços das sereias, e a tristeza
de Deus, ao perceber nosso fracasso
no mar que ele nos dera e nós perdemos?
Era vasto o domínio. Nosso olhar
limitava o destino das fronteiras
por onde a morte inútil circulava.
Calculamos o tempo e o esperdiçamos.
Fomos tardos no avanço, e cedo vimos
fugir de nossas mãos o leme, e a rota
se perdeu. Nosso canto, diluído
nas águas, já não rege o itinerário
desta sagrada luta que engendramos:
perdido o jogo, a morte nos suplanta.
de ODE ÓRFICA
BALISA
Cravar a estrela no chão
e dizer à noite: agora,
afaste-se a escuridão
que eu vou chegando com a aurora.
E fazer brotar da terra
- da terra que tudo faz –
não a treva e o ódio da guerra,
mas a luz e o amor da paz.
Que eu vim traçar nos caminhos
(invés de dor e agonia)
a rota livre dos homens
com as tintas claras do dia.
de auroras,
noites
e sereias
Jogo os dados no mar, como quem joga
a sorte das estrelas ou do vento,
e fico a embaralhar as ondas, como
o lúcido hierofante que desvenda
nas cartas o destino dos mortais.
Não sei qual é a carta-chave, mas
capto o sentido exato e a voz de quem
profere a frase mágica de tudo.
E se há no fundo náufragos que vão
com dedos ágeis folheando páginas
de noites e de auroras impossíveis,
na superfície há sempre olhos profanos
de peixes e sereias, traduzindo
o jogo de meus dedos sobre o mar.
***
REVISTA DA LITERATURA BRASILEIRA LB 46 São Paulo: 2007. Direção: Aloysio Mendonça Sampaio. Ex. bibl. Antonio Miranda.
ELEGIA NÚMERO 2
Vinde mães tardias
vinde homens dissolutos
vinde estrelas caídas
anjos circunspectos e aflitos
sereias da madrugada
vinde todos apagar o incêndio
que as minhas mãos atearam
na cabeleira vermelhas dessas ondas
que os mares estão movimentando
desesperadamente.
Vinde enquanto é cedo
enquanto as amarguras está líquidas
enquanto Deus não desce chorando
pelos degraus ensanguentados deste mundo
enquanto ainda posso conter o soluço
que milhões de corações estão despedaçando...
****
Dois poemas extraídos do artigo: SANTO SOUZA – I”, de Fontes de Alencar, publicado no JORNAL DA ANE – Associação Nacional de Escritores – Ano IX, n. 60, p. 12:
URNA FANTÁSTICA
Venho de longe... - Em minhas mãos queimadas
Trago a cinza de céus crepusculares!
Nos olhos, trago noites e alvoradas
e, na alma, os sons da eterna voz dos mares.
Trago lírios de luz... Trago irisadas
ondas de sóis, desfeitas em colares.
E, aceso, o pálio azul das madrugadas
para cobrir os tronos e os altares.
Trago o silêncio! E à paz! E a luz que ondeia
dentro dos astros - esses grãos de areia,
orvalhados de névoa e de harmonias...
E urnas de sonhos, clâmides de estrelas,
Trago-as de longe para oferecê-las
a esses que vêm com as pobres mãos Vazias!
RIO FANTASMA
Rio morto no tempo... Rio aberto
sobre um lençol de pedras e de areia
onde o fogo dos astros cambaleia
com os passos dúbios do darão incerto.
As suas águas não mais ouvem, perto,
nem soluços, nem vozes de sereias...
E, além, nas margens áridas, campeia
um silêncio de morte num deserto.
Rio remoto... Lírico, profundo,
onde os sonhos mais velhos deste mundo
soluçam lá por dentro, encarcerados...
Rio fantasma! Rio de águas turvas,
onde se vê, coleando pelas curvas,
o reflexo dos astros assombrados...
SANTO SOUZA I e II
( Fontes de Alencar )
Segundo o poeta e crítico Fontes de Alencar, Santo Souza, “autodidata, alcançou largo conhecimento, inclusive de idiomas estrangeiros; e nos legou considerável acervo biblíaco de poesias e crônicas. Estreou em livro com Cidade Subterrânea, de 1953, que Câmara Cascudo prefaciou e José Augusto Garcez apresentou; no ano seguinte surgiu a primeira edição de Caderno de Elegias.” Selecionou estes dois sonetos:
URNA FANTÁSTICA
Venho de longe... — Em minhas mãos queimadas
Trago a cinza de céu crepusculares!
Nos olhos, trago noites e alvoradas
e, na alma, os sons da eterna voz dos mares.
Trago lírios de luz... Trago irisadas
ondas de sóis, desfeitas em colares.
E, aceso, o pálio azul das madrugadas
para cobrir os tronos e os altares.
Trago o silêncio! E a paz! E a luz que ondeia
dentro dos astros — esses grãos de areia,
orvalhados de névoa e de harmonias...
E urnas de sonhos, clâmides de estrelas,.
Trago-as de longe para oferece-las
a esses que vêm com as pobre mãos vazias!
RIO FANTASMA
Rio morto no tempo... Rio aberto
sobre um lençol de pedras e de areia
onde o fogo dos astros cambaleia
com os passos dúbios do clarão incerto.
As água não mais ouvem, perto,
nem soluços, nem vozes de sereias...
E, além, nas margens áridas, campeia
um silêncio de morte num deserto.
Rio remoto... Lírico, profundo,
onde os sonhos mais velhos deste mundo
soluçam lá por dentro, encarcerados...
Rio fantasma! Rio de águas turvas,
onde se vê, coleando pelas curvas,
o reflexo dos astros assombrados...
Fontes de Alencar insiste: “É forte a inventividade poemática de Santo Souza, e sua versificação alcança, não poucas vezes, superior beleza.” Mais dois poemas do livro Caderno de Elegias, na 2ª. edição, com dois poemas acrescidos aos textos originais:
ELEGIA NÚMERO 16
Criaram flores de existência efêmera,
criaram noites e auroras nos caminhos,
aquários musicais para a canção
e estátuas para a vida e para a morte.
Criaram o teto do céu que sustentamos
em colunas de estrelas e de mares
e os rios que afagamos, derramando
a poesia da vida em nossas mãos.
E criaram também rios insones
que as nossas mãos jamais hão de acolher:
criaram faces com sulco para as lágrimas,
pois havia corações para sofrer.
Mas sob o teto do céu que sustentamos
nós somos flores de existência efêmera
e — estátuas para a vida e para a morte —
nos deram olhos humanos para o pranto!
ELEGIA NÚMERO 25
A princípio, era uma gota minúscula
de sangue se movendo
na terra misturada com o suor e as lágrimas do homem
uma gota de sangue viva como uma
estrela palpitando na pele negra do céu
queimado pela noite
uma gota de sangue florescendo no chão de minha sala
e avolumando-se como um demônio
de cem braços querendo me sufocar
— uma gota de sangue riscando sua dolorosa mensagem
vermelha nas paredes.
Nem um ruído que viesse arrastar para longe
o marasmo doentio do mau bairro.
Nem um vento para puxar pelos cabelos
as ondas que se afogaram na quietude das águas.
Apenas uma gota de sangue está crescendo diante dos meus olhos
uma gota de sangue florescendo no chão de minha sala
e dentro de alguns instantes há de inundar minha rua
e ultrapassar os limites da cidade
— Ah! Nesse momento, a morte há de vir dançar conosco,
para que esqueçamos depressa o nosso pranto
e então pisaremos alegres e sadios
a coroa estrelada da noite que vem nos perseguindo.
Extraído de:
ALENCAR, Fontes. Santo Souza II. Jornal da ANE, outubro – novembro 2014, p. 12.
ALENCAR, Fontes. Santo Souza II. Jornal da ANE, dezembro 2014 – janeiro 2015, p. 12.
SOUZA, Santo. Concerto e arquitetura. Aracaju: Prefeitura de Aracaju – DEC – Divisão de Cultura, 1974. 96 p. 13,7x18,5 cm. Inclui apresentação: “O poeta Santo Souza”, por Jackson da Silva Lima e a “Bibliografia prévia de Santo Souza, por J. A. Garcez. Ex. bibl. Antonio Miranda
Moça chamada Rosa
Impossibilitada de viver,
impossibilitada de morrer,
a empregadinha voa da
janela azul do décimo
andar e se transforma
numa dolorosa máquina
de pranto e de estupor:
— N M D L R S M Q I A
U A O O O A A U N
D P A T E E D S U O
E R N O E E T P R
De repente os telégrafos
do mundo anunciam a
heroica aterrisagem
da louca aviadora num
monte ele lágrimas breves.
E do fundo da sarjeta,
das estalagens da lama
um obscuro nome
de mulher se transfigura
em manchetes de sangue
nas páginas dos jornais:
—MOÇA CHAMADA ROSA VOA E VIRA NO ASFALTO ROSA ENSANGUENTADA".
a construção da manhã
Vai diluindo-se o negro
sangue da noite assassinada
no asfalto, e já não é
possível conter a invasão
A última estrela crava
o fulgor de sua lâmina
impalpável na escura
superfície da imensa
miséria do subúrbio
e o dourado espanador
da aurora tenta vasculhar
a tristeza das casas acordadas.
A cidade mama o leite
das primeiras notícias
no peito coletivo de uma
emissora qualquer, e
rumores de passos de
homens e de máquinas
vão compondo uma nova
canção de aço e de amargura
no berço sobressaltado da manhã.
DOCUMENTÁRIO SOBRE SANTO SOUZA:
http://youtu.be/wZm4-fnaFDY
Página publicada em junho de 2010, ampliada e republicada em maio de 2014
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