SALMO VIETNAMITA
Que estranhas estrelas são essas, ó Deus,
que rebentam no céu sobre nossas cabeças?
Que estranhos pássaros são esses
que desovam bombas sobre nossas casas?
Que exóticas flores são essa, Senhor,
que estilhaçam nossos pés?
E que estranhos brinquedos são esses
que vomitam fogo em nossos filhos?
Adornaram o regaço de nossas mulheres
com projéteis mortíferos;
Enfeitaram com fuzis os peitos de nossas donzelas,
e ornara, com morteiros, as ruas de nosso país?
Nossos rios estão tintos de sangue
e nosso arroz tem gosto de pólvora;
Bebemos o ódio que nos servem
e o medo é nosso alimento.
Ó senhor, arrancai, pela raiz,
o temor que plantaram em nossa terra.
Limpai nosso céu, ó Deus da justiça,
para que vejamos o sol que fizeste para todos.
Rasgai as trevas que nos deram como mortalha
e revesti-nos da liberdade que nos roubaram.
(Março de 1968. De Oferenda, 1968)
V I D A
Chamei-te pelo teu nome:
tu és meu (Isaías, 43,1)
Teus olhos percorreram as sombras do mistério
e, com amor, pousaram sobre os meus, adormecidos.,
Fizeste do ventre de minha mãe a almofada
na qual, com carinho,
me teceste qual uma renda.
Deste-me cor, forma, consistência,
e o teu hálito bafejou suavemente minha face
orvalhando-a de luz e vida.
Tomaste-me em teus braços, estreitando-me ao peito,
senti teu calor, ouvi tua voz, acordei.
Contemplando tua face,
deixei-me seduzir por ti.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Senhor,
aqui me tens todo:
minhas entranhas que tu bem as conheces
e o existir que me deste.
Como pagar-te por tanto amor?
Faço de minhas inseguranças
um cajado de ouro para cobrir teus pés
jamais fatigados de me procurar.
Faço de minhas carências
um manto purpúreo para cobrir teus ombros
jamais cansados de me sustentar.
Faço de minhas lágrimas
um resplendor de sóis para enfeitar teu rosto
jamais ausente do meu caminhar.
Faço de minha vida inteira
uma tenda prateada para o nosso repouso
quando, enfim, a noite chegar.
(Junho de 1988)