JOSÉ MARIA GOMES DE SOUZA
Nasceu na Estância, a 15 de março de 1839. Funcionário público e poeta.
Faleceu em Barbacena (MG), a 29 de novembro de 1894. Patrono da cadeira 31 da Academia Sergipana de Letras.
Elegia
Creio em ti, mas às vezes, como agora,
Sinto desfalecer a minha crença.
Deus, oh Deus, tu és pai, ou és verdugo?
Tal interroga a minha dor imensa!
Por que me feres, pois? que mal te há feito
Esta planta rasteira e pequenina,
Que só demanda ao sol um raio amigo,
E as manhãs uma gota adamantina?
Certo, não levantei templos, altares,
Em honra de teu nome e potestade;
Nunca paguei esse tributo estéril
Arrancado à imbecil credulidade.
Não fui diante das sagradas aras
De rojo me estender na laje fria,
Rasgando as vestes, macerando as faces
À sombra de mendaz hipocrisia.
Tudo que é bom e grande, e nobre e justo
Em minha alma encontrou culto sincero;
Meu pranto consagrei à dor alheia,
Á alheia culpa nunca fui severo.
Não profanei teus vasos sacrossantos
No luxo infrene de letais orgias;
Se às vezes fraqueei aos pés de Onfália,
Nunca manchei o tálamo de Urias.
Rasguei metade de seu manto escasso
Para do irmão os ombros nus guardar;
Resignado aceitei o amargo cálix,
Que aprouve a ti aos lábios meus chegar.
Porque me feres, pois? que mal te há feito
Este verme misérrimo, mesquinho,
Que só demanda ao sol um raio, apenas,
- Oculto sob as ervas do caminho?!
Lês na minha alma, qual em manso lago
Mergulha a estrela indagador olhar;
Ela pode dizer, ela somente,
O que há no fundo incógnito do mar.
Lê na minha alma e dize-me (sê franco)
Se ela merece a tormentosa vida
Que, desde a infância, quinhoaste a ela,
Sempre pela desgraça perseguida?
Revoga, oh Deus clemente, o atroz decreto;
Sê pai, não sê verdugo inexorável.
Não aumentas a dor ao oprimido,
Desce a mim um olhar doce, amorável...
Não sabes . . .
Não sabes, nunca o soubeste.
Este segredo guardei-o
Por muito tempo no seio
De minh’alma. Amei-te tanto,
Com tamanha idolatria,
Que desse amor já desfeito,
Às vezes, sinto no peito
Débil calor sacrossanto.
Eras criança. Adormida
Aos luares da inocência,
Não lias a efervescência
De uma alma a teus pés caída;
Que de teus olhos mimosos
Na pupila transparente
Relia a sina demente,
Sua esperança querida.
Quantas vezes ao sentir-te
Junto de mim, descuidada,
Não te supus profanada
Do meu pensamento ousado!
Quando a úmida fragrância
De teus cabelos feria
Os meus sentidos – temia
Profanar a tua infância.
Nunca meu lábio anelante
Ousou, num delírio insano,
Depor um beijo profano
Na neve de teu semblante.
De longe, sim, no recesso
De minha alma dementada
Eras aí adorada
Da idolatria no excesso.
Mas eis que entre nós se erguera
Uma barreira invencível,
E a mão do fado escrevera
Nele a palavra – impossível!
E aceitei resignado;
Não opus o ombro másculo
para abater o obstáculo
Que roubou-me o bem amado!!!
E vivi e ver-te pude,
Cândida rosa de abril,
Ceder a fronte grácil
Aos beijos de um outro amor!!!
E não morri, e, covarde!
Assisto a alheia ventura! ...
Nem de Tântalo a tortura
Foi maior que a minha dor!
Flor, cujos magos perfumes
Por gozar, eu dera a vida,
Vive feliz, esquecida
De mim, cujo amor ignoras.
Sejam-te os dias risonhos
Tecidos a fios de ouro;
Sejam-te as noites auroras
Orvalhadas de áureos sonhos.
Página publicada em novembro de 2009
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