E L A
Vista de olhos fechados
Entre o sono e a vigília,
Essa ideal desejada
Toda aberta em sorriso.
Que mulher, e onde a vi,
Não sei, é terna, e sorri sempre
Se é a que me transmite os poemas,
Jamais o hei-de descobrir.
Quando a fitei, num frio anelo
De aprofundá-la, a sua face
Vi entristecer, e a dissipar-se
Voltava ao nada de onde viera.
À porta de um sonho incerto,
Não entra nem sai. Parada,
Me olha, branca, loura e jovem. Perto
E longe – Ó quão longe – a impossível amada.
Do livro Trinta poesias curtas, 1959.
S Í M B O L O
Sabemos que haverá um dia intimidade
Entre todas as gentes:
- Ideias lançadas como sementes, para uma colheita certa,
A reunião de inexprimíveis pensamentos
Em um só compreensivo sentimento.
- Um clarão de fé, fraternal e vivo, jubiloso e grave, como
A voz dos galos, aclamando, ainda no escuro,
A infalível alvorada...
Todos estão despertos,
Os das cidades, e das fazendas, os das montanhas ou dos vales,
E o eterno sinal se multiplica
Para acordar a terra, em toda terra...
Será como o anúncio mundial de uma nova criação,
Por mil vozes de amor, impondo a Paz e o Bem.
(O realismo social na poesia em Sergipe / 1960)
P A R A L E L O
As máquinas, oleadas,
dormem no bojo da fábrica,
brunidas, reluzentes,
prontas para o outro dia.
Mas mesmo assim parecem tristes e cansadas
Amanhã rodarão de novo,
falando alto e grosso,
ou lançarão para o ar
vivas e vaias estridentes,
cantarão aleluias de metal,
abafando o planger de corações esmorecidos
-amanhã-depois-e sempre
Dorme no chão do casebre o escravo da fábrica;
e, de tão fatigado, não tem tempo para estar triste.
Página publicada em janeiro de 2020