HUNALD DE ALENCAR
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Letrista e compositor de música popular, tendo sido premiado em vários festivais. Jornalista ex-Diretor da Galeria de Arte "Álvaro Santos ". Professor de Literatura (hoje à serviço do Colégio Estadual Vitória de Santa Maria). Filho de poeta (Clodoaldo de Alencar), irmão de artista (Leonardo Alencar), jurista (Luiz Carlos Fontes de Alencar), intelectual (Clodoaldo de Alencar Filho). É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Letrista e compositor de música popular, tendo sido premiado em vários festivais. Jornalista ex-Diretor da Galeria de Arte Álvaro Santos. Membro da Academia Sergipana de Letras. Várias obras publicadas, entre elas: Tempo de Leste, Oito poemas densos, Verde silêncio da semana, Poemas de kandor ou a escravidão dos deuses, Uma vez em dolduvai, Elogio dos peixes ágeis, A solidão das palavras, Verde silêncio da semente, Ária suspensa e também A vassalagens das pedras. Por este último ganhou o prêmio Santo Souza, da prefeitura de Aracaju.
|
ALENCAR, Hunald de. Elogio dos peixes ágeis e outros poemas. Aracaju: 1983. 83 p. 15x21 cm. Capa prateada, letras em branco, em relevo. Nenhuma informação sobre a impressão do livro, edição do autor. Col. A.M. (EA)
elogio dos peixes ágeis
IX
A Vinícius de Moraes
São femininas as ondas
do mar que sempre conquistas;
mergulhador do efémero
é no eterno que habitas.
A fluidez dos instantes
navegas como se o tempo
não passasse pra os amantes.
Todas as horas revoltas
são poucas pr'as tempestades.
do amor de muitas ondas
das mui fugidias coxas.
Vens, mergulhador exausto,
ao silêncio de águas p ou cãs,
às praias em que te espraias,
repousar os tantos sóis
mastigados em tua boca.
E é nos sonhos que constróis
o desejo de voar
pra outro aquário maior,
para o azul por sobre o mar,
tal se parece o infinito
o mais pleno oceano
pra teu amar sobre-humano.
Dos teu s plasmas submarinos
queres voar e subir
até ao país de Altair
pelos espasmos mais lindos.
Mergulhador e acrobata,
amas em sonhos e sonhas
no amor que te arrebata
E as ondas e as nuvens
faz tua poesia infinda
cada vez mais femininas
No mergulhar, no voar,
vais recolhendo as estrelas
de água, fogo, terra e ar
pra no efémero perdê-las
mas no eterno surpreendê-las.
E contemplas as margens
que um dia foram viagens
no instante em que perduras
no infinito enquanto dura.
Sentimos então que tu amas
além da fêmea-universo
o mundo inteiro em tua cama
quando copulas teus versos.
Sentimos então que tu amas
além da fêmea-universo
o mundo inteiro em tua cama
quando copulas teus versos.
Entre ti e o espelho
tu colocas a mulher
pois amando a que te é bela
ficas moço e não velho:
o espelho não revela
as pegadas do caminho
pois que vês antes a rosa
e olvidas os espinhos.
O que não vês e não sentes
a ti faz-te um peixe-fênix.
Podes assim de alta voz
lançar teu canto varão
aos que no amor constroem
este mundo em construção...
ALENCAR, Hunald de. Vassalagem das pedras. Aracaju: Secretaria de Estado da Cultura, 2005. 118 p. 16x21 cm.
Erik Satie
A vida, seu vário sentido:
dor ou apenas sustenido?
As fendas entre a lágrima e o riso
- harmonia dos guizos.
A morte, o costumeiro improviso.
O quinto
Por quatro solidões povoadas
permeias a fonte subterrânea dos fados
que o universo equilibra.
Noturnamente renasces
de algas sombrias a vestir
a clara roupagem dos dias.
Distante errante domicílio
em que te revisitas,
fisionomia de bruma,
será este o castigo?
Não sei se te busco. Não sei
se entre pessoas me perco.
- Finjo então que te conheço.
Gravura burguesa
O apito do guarda-noturno circula minha insônia.
Os cães mordem o silêncio dos gatos.
O poste da esquina alteia a luz doente.
Uma vaga geografia de quintais.
A lua hoje não passará por minha rua.
A noite dormirá em paz
nas dobras mornas dos telhados.
Habito no breu silencioso da janela.
Súbito o estampido:
uma mulher se desdobra em solfejo
na pauta vermelha do asfalto.
Janelas fechadas.
Os cães dialogam os espantos.
A morte quarando o abandono.
Casas sem janela.
A luz do poste ainda mais doente
apaga a geografia dos quintais.
O guarda, noturno, acende a madrugada.
A morta deve ter ido na última sombra.
Deito-me à beira da notícia.
Mãos
não sei de onde
passam em meus cabelos
a carícia de um outro dia
que chegou mais cedo.
Movie
a Bruno
Autografados pelo tempo
os fotogramas no copião da memória.
Para que legendar a lágrima
ou o incidental sorriso?
Pelo travelling das horas
somos os mesmos figurantes
numa grande angular de esperas.
Ars
Todo poema é breve
a poesia eterna:
a água se reesculpe
com instantâneos de pedra.
=============================================================
(Página ampliada por SALOMÃO SOUSA)
Hunald de Alencar
( Do livro inédito "ALVENARIA DA ÁGUA")
Senhora de Guadalupe
Era a lágrima da tarde:
Da janela se avistavam
Duas torres de saudades.
Os cristais eram mais belos
Com os verões juvenis:
O piano tinha uma sala
Povoada de boleros.
Mas era a brisa das águas
O bosque dos pensamentos:
As correntezas morenas
Dentro da carne dos ventos.
E quando a noite moldava
Os azulejos sombrios,
Senhora de Guadalupe
Recolhia as torres tristes
Na orfandade do rio.
ALENCAR, Hunald.Verde silêncio da semente. Aracaju: Edições Caiçara, 1967. 78 p. 14x22 cm. Col. Salomão Sousa (EA)
ESTANCIANA
Poema II
“Galopei naquela noite
pelo melhor dos caminhos”
LORCA
Venho de longe, amada, de muito longe
com duas estrelas mortas nos olhos
de tanto cavalgar a noite
Venho de longe, amada, de muito longe
com este correr de sangue em minha sombra
sem saber quem fui ontem
para que hoje pudesse morrer em meu cadáver
Ah, tropel de trevas pela terra
possam quedar-se as estrelas mortas
em teu corpo de renascida paisagem:
venho ver-te
venho ver-te com a secular aflição dos ventos
procurando uma forma nas montanhas
Ah, tropel de trevas pela terra,
noite amanhecida em tua presença carmezim
e alcançado destino em minha própria distância
possam existir outro galopar e outra terra
quando amanheceres úmida de mim.
Canção dos punhais apagados
Dentro do peito eu tenho
quarenta punhais apagados:
sementes de aço na carne
de fruto ou sol esperados
Eles nasceram das lágrimas
demais pra serem choradas
e no tempo é que fundiram
sua metálica geografia
Dentro do peito eu tenho
quarenta punhais apagados
tatuando de esperança
a pele das agonias
Eis que a hora de acendê-los
sabem os olhos guerrilheiros
abertos nos punhos fechados
Eis que a hora de acendê-los
revelarão os espelhos
do homem multiplicado.
ALENCAR, Hunald de. Duo para Poesia e Teatro. Aracajú, 2011. 208 p. Impresso pela Nossa Gráfica. 15x21 cm. “Hunald de Alencar “ Ex.bibl. Antonio Miranda
Essas Horas
Após voltarem os rios às nascentes
E os ventos concertarem o silêncio,
Domestiquei as horas compulsivas
Com a monda dos púbis proibidos
Daqueles anjos que me foram súcubos.
Elipses que o tempo não desbasta,
Que ele só em si mesmo é que se basta,
Eu fiquei sempre à véspera do adeus
Como ensaiando um beijo para a morte.
Uma luz que alimentasse a penumbra,
Ainda fossem meus, alheios vórtices,
As horas se estancaram ensimesmadas
Tal um espelho vivo a cultivar
Sua coleção de imagens congeladas.
Oficio
Cultivava canteiros de um jardim
Com uma hierarquia de soluços.
Mas nunca soube, sim, por que havia
Tanta preocupação com a paisagem
Se as flores que brotavam eram cegas.
Depois, então, as lágrimas dobrava
Como se a compulsão já fosse finda.
Mas eis iam comigo as flores tristes,
Fosse um jardim portátil dolorido
Essa vontade de repor os dias.
E, se era a tarde sempre a desfolhar
As sombras pela terra acumuladas,
Assim neste meu pranto me entendi
Ser a paisagem cega cultivada.
Casa-de-Farinha
Dentro da noite, a casa-de-farinha
Guarda, nas engrenagens em espreita,
A memória esfarelada das colheitas.
No canto poento da sombra, o sono
Da areia, a mandioca ainda encerra;
É a casa-de-farinha que sonha
Moer o próprio tempo pela terra.
Lápide
Anônimas palavras desgarradas -
Perdida a frase, a lápide silencia,
Que os versos são poeira já levada,
E é, destas mãos, a mímica somente
Do vento, a escultura fugidia:
Se ao que eu sou, nem fui o que sabia,
Como enterrar as rimas passageiras
Tal se plantasse apenas a poeira,
Mas que brotar quisesse a presença
De tudo que, por medo, eu carpia:
Instantes dos enganos tão somente
Neste xadrez do vento com o tempo, |
Se nem existem rotas nem derrotas,
Mas fluidez dos gestos, simplesmente.
ALENCAR, Hunald de. Os maguinus. Era uma vez o amor... Quem matou o público? Três peças de teatro de Hunald de Alencar. Aracaju, SE: 1987. 126 p. Capas: Leonardo Alencar.
(fragmento)
Personagem: DOZINHO
Nóis semo assim nessa terra.
Pra tudo temo remédio.
Semente de mirassol,
casca de alho e mostarda
e da galinha o cocô
fazemo o difumador (Olha para o padre)
Mas não dizer à pessoa
que teve a tal congestão:
fica no vento o segredo,
fica nos olhos o medo
e um amém de devoção
por esta vida roubada
cada pegada na estrada,
na cara moça enrugada,
no sangue de nossa urina,
que adoça o mel da usina
pois esta merda que tenho
quem me cagou foi o engenho,
desde o tempo dos avós
magros e nus e tão sós
bebendo o próprio suor.
Mas até quando será
que a raiz de vassourinha,
flor de laranja de umbigo
vai salvar a criancinha?
Mas até quando será
que o rosário de castanha
vai impedir de crescer
essa isipela tamanha?
(Para o padre)
Me responda seu padre,
rezando?
Página publicada em janeiro de 2012, ampliada e republicada em setembro de 2012, ampliada e republicada em dezembro de 2015.
|