ENOCH SANTIAGO FILHO
Enoch Matusalen Enoch filho nasceu em Aracaju, Sergipe, em 7deoutubro de 1919. Estudou Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Bahia a partir de 1941. Faleceu em 1945.
GILFRANCISCO. Flor em rochedo rubro: o poeta Enoch Santiago Filho. Aracaju, SE: Secretaria de Estado da Cultura, 2005. 233 p. 15,5x22,5 cm. Edição comemorativa pela passagem do sexagésimo aniversário da morte do poeta. Poesia sergipana.
O POETA
Atiraram o homem no chão, como um fardo pesado.
E ergueram ante os seus olhos paredes imensas.
E um teto sobre elas.
E o homem sorriu e falou:
Como é linda a paisagem,
Que delícia é a vida,
Como é grande o amor.
Arrancaram o homem dali e o lançaram no calabouço mais fundo:
Vendaram-lhe os olhos
E amarraram-lhe as mãos.
E o homem sorriu e falou:
Como é linda a paisagem,
Que delícia é a vida.
Como é lindo o amor!
Açoitaram o homem e o lançaram no fosso.
Coberto de folhas, de ramos, e de terra também.
Onde a luz não surgia.
E o homem sorriu e falou:
Como é linda a paisagem,
Que delícia é a vida,
Como é grande o amor!
Ergueram o homem do fosso,
E o puseram ante o quadro da vida.
E então o que viu foi a fome e a guerra.
E o homem chorando falou:
Como é triste a paisagem,
Que desgraça é a vida.
Que fizeram do amor?
Bahia, 1941
A REDE
Pra lá, pra cá,
Ruidosa, ringindo,
Estridula rangendo
Prá lá, pra cá.
A rede oscila,
Vacila e range.
Olhando ondeada planura
Passada, perpassada
De pastos, plantada,
Passada, perpassada
Por lamentos
Dos ventos
Mornos.
Olhando a planície vasta,
Viçosa, vestida de verde,
Do verde das cansas caianas.
Um boi bonito
Bole brandamente
A bondosa cabeça
No canavial.
E um náufrago parece
Que estremece no oceano
Verde.
Pra lá, pra cá,
Ruidosa, ringindo, estridula rangendo
Pra lá, pra cá.
A rede oscila,
Vacila,
E cochila,
E adormece,
Estremece.
E sonha,
A Sinhá.
Divina Pastora, 1937.
EU E O DIA
Vede o dia que surge,
Assim eu surgirei
Vede o dia que passa,
Assim eu passarei.
Vede o dia que morre,
Assim eu morrerei
Vede outro dia que surge,
Não sei se surgirei.
Aracaju, 1945.
POEMA IV
Que o silêncio profundo baixe sobre mim,
Como negrume da noite sobre os campos em brasa
Que a distância das coisas me separe,
No grande isolamento.
E a ilusão dos sentidos no desencanto do mundo;
Que as luzes se apaguem neste silêncio sem vida
E uma paz infinita baixe sobre os seres.
Que o mundo é o deserto das almas em tumulto.=,
A espiar o crime de nascer,
De ter sentido a glória da beleza
E o êxtase do amor, no medo de morrer...
Que o mundo é a mentira de tudo que sonhamos
E a ilusão de existir no mais profundo não ser...
Aracaju, 1945
NUM ÁLBUM
Se te lembrares a noite, no silêncio do mundo
Quando desejam o teu amor.
Se te lembrares que muitos neste instante
dormem sob as pontes;
Sofrem a solidão, na treva, e no silêncio;
Se lembrares que são eles sem paz
E sem descanso;
Que vagam pelos parques em procura dos
bancos escondidos;
Que olham as vitrines brilhantes,
Como enxergando a alegria que nunca
possuirão.
E se tiveres então, nos teus olhos humanos
Uma chama de amor para os homens aflitos
Terás conseguido unir ao mistério sutil
de tua grande beleza,
A poesia profunda de uma alma universal...
Rio de Janeiro, Folha da Faculdade Nacional de Filosfia, 1945
Página publicada em março de 2017