I
O Libertino arrependido
No correr da juventude
Errei a estrada...perdi-me!
Sacrifiquei a virtude
Sobre o negro altar do crime.
Blasfemei, meu Deus, de quanto
Na terra encontrei mais santo,
Vosso culto e vosso altar...
Fui talvez, Senhor, perdão!
Mais fraco que Salomão,
Mais ímpio que Baltazar...
No sonho do amor primeiro,
Que encanta a manhã da vida,
Lancei meu porvir inteiro
Aos pés da mulher perdida,
Que com marmórea frieza
Riu-se de tanta pureza
Com risos de Satanás...
Deusa infame das orgias
Lançou a flor de meus dias
Ao fogo das paixões más.
Sorvi-lhe os beijos devassos
Com sofreguidão imensa!
Adormeci nos seus braços,
Acordei sem uma crença...
Quis amor depois... Mentira!
Na minh’alma se extinguira
Todo o Nobre sentimento;
Só fiquei com a consciência
De minha extinta inocência,
De meu negro aviltamento.
Tão moço!E já do passado
Triste, pálida ruína,
Com o coração gangrenado
Dos beijos da messalina!
Do porvir nem luz d’esp’rança,
Do passado, atroz lembrança
Do tempo que errado andei...
E o resto então d’uma vida,
Pelo vício carcomida,
Ao próprio vício entreguei.
Aos pés de gentil donzela,
perdido, lancei-me um dia,
E jurei que a amava, e ela
Creu na jura que eu fazia;
E quando, ai triste! esperava
O porvir que lhe acenava
D’áureos sonhos através,
Da vida quebrei-lhe o encanto,
De virgem rasquei-lhe o manto
E roto atirei-lhe aos pés.
Enlouqueceu de desgosto;
De sua loucura – ri-me!
Cuspi-lhe depois no rosto;
Fui assim de crime em crime...
E, da paixão na vertigem,
Essa que fora uma virgem
Lancei do mundo à irrisão. –
O mundo injusto aplaudiu
Do anjo a queda e o cobriu
De escárnio, de maldição.
Pobre vítima inocente
Em ais, em pranto definha,
Sofrendo a pena inclemente
Da culpa qu’era só minha!
À alva de sua inocência
Que amor, meu Deus, que candura!
Desfolhou-se o branco lírio
Ao furor de meu delírio
No abismo da desventura.
Pobre criança! Perdida,
Pede ao céu consolação;
Pálida fronte, abatida,
Ao mundo pede perdão.
Mas debalde, porque o mundo,
Com sarcasmo atroz, profundo,
Lança-lhe em face o seu crime...
Ai! perdão para o erro seu!
O criminoso – fui eu;
Mas, meu Deus, arrependi-me!
II
Folha de álbum
Não brilha tanto na celeste altura
A estrela na manhã,
Como da vida nos vergeis fulgura
Tua imagem louçã.
De teus olhos a luz, gentil donzela,
É centelha divina,
Que os segredos do céu doce revela
Às almas que ilumina.
Sublime como tu não fora tanto
A pomba mensageira
Quando levava ao patriarca santo
O ramo de oliveira.
Como tu de virtudes adornada,
Filha do céu, quem é?
Mas do que tu só foi a imaculada
Virgem de Nazaré.
Foi a melhor pérola e embutida
No diadema imortal
Que a fronte cinge Àquele a quem a vida
É fonte perenal.
Tu és a nota d’imortal poesia
À harpa da criação!
Na mesma harpa igualmente preludia
O Omnipotente em vão.
III
Desengano
(fragmento)
Era tudo hipocrisia!
N’alma nem um sentimento
Do verbo que proferia¹
Proferindo o juramento...
Se um anjo os lábios abriu
Para jurar, e mentiu²
Em nome da divindade;
Se aquela vestal, tão pura,
Tornou-se, meu Deus, perjura
Onde é que existe a verdade?
Foi numa noite de maio;
E do céu a sentinela
Noturna mandava um raio
Velar no aposento dela,
E eu, a sós co’os meus amores,
Entre os eflúvios das flores,
Qu’embalsamam seu jardim,
Tinha o joelho no chão,
Nos lábios o coração,
Batendo de amor sem fim.
Eu lhe dizia: - por Deus,
Mulher celeste, sê minha,
Que nos rudes versos meus
Hei de cantar-te rainha.
Será tão grande o meu canto,
Hei de requintá-lo tanto,
Tão alto farei que assome,
Que o universo assombrado,
De meu canto extasiado,
Ao céu levará teu nome.