AGLACY MARY
Aglacy Mary, mulher, negra, escritora sergipana, é também pedagoga e diretora de uma grande escola da capital de Sergipe.
POESIA NORDESTINA CONTEMPORÂNEA (metalinguagem e outras veredas). Christina Ramalho;Éverton Santos, orgs.Aracaju:Editora ArtNer Comunicação, 2017. 173 p. (Série Acadêmica. Coleção Estudos Linguísticos e Literários, n. 6) ISBN 978-85-69567-25-7 Autores dos textos: Cássio Augusto Nascimento Farias, Christina Ramalho, Éverton Santos, Fabiana Ribneiro Carvalho, Maria Juliana de Jesus Santos, Marta Barreto, Michelle Pereira de Oliveira, Ralf Magno Barbosa Pereira, Ricardo Itaboraí Andrade de Oliveira. Poetas estudados nos textos: Lívio Oliveira, Adriano Espínola, Jeová Santana, Aglacy Mary, Frederico Barbosa, Arrieta
Vilela e Gilberto Gil. Ex. bibl. Antonio Miranda
A LAVRA
O que me delineia e localiza
É seu olhar
Seu não desvio da terra
Que desenha meu mundo
E me dá posse de bom punhado
Sei que sou
Porque me vê
Distingue-me da moldura
Das cenas circundantes
Descobre-me a pele
Toca-me a ferida
Recolhe-me o sangue
O que me multiplica e perpetua
É a lavra da pá
Submetida à intenção
Que se sabe nascida
E nunca se vê
Findada
Fincada
Recolhida
(MARY, 2008, p. 13).
LEMBRANÇA DO POETA
Assisto a você acontecer
Por uma vidraça embaçada
De uma janela de verão
Você passa
E eu suspiro
Chorando o limite
Que nos faz acontecer
Em terrenos diferentes
No meio do caminho do poeta
Havia uma pedra
No meio do meu caminho
Uma janela
(MARY, 2008, p. 21).
MINHA PALAVRA
Sinto que desagradavelmente se surpreenda
Pois que escrevo para guardar a lembrança
Do que quisera que existisse um dia
Minha escrita é pausa
Ao requinte do silêncio de meus desejos
E me prefiro assim
Em rabiscos
Para não perder o gozo desta intimidade
Se meu sorriso insinua tristeza
Minha letra, mais livre, anunciará
Um fardo insuportável
Mas para vê-lo, caro amigo
Urge chegar mais perto
A não mais que um palmo
Do parapeito de minha janela
(aventura)
Ou espiar pela fresta aberta nas entrelinhas
Onde a palavra não insiste
(MARY, 2008, p. 32).
PROMESSA
Sinto os passos de seu perfume
E os sons alegres de seu canto
Ainda não se foi de todo a noite
E meu ar já se enche de cor
Na janela bate um ramo
Anunciando que não tarda
O acontecimento da flor
(MARY, 2008, p. 33).
MEDIDA
Que tanto é um homem
Se me cabe nas mãos
No rigor e na leveza da palavra?
Se cabe no minuto do meu pensar
E na eternidade da minha dor?
Que tanto é um homem
Se me basta um meneio
Para percorrer seu corpo
E uma lágrima
Para penetrar as veredas de sua alma?
Que tanto é um homem
Se meu olhar vence a fronteira
Desverticaliza a cerca da diferença
E confunde sua certeza?
Que tanto é um homem
Se arde meu sangue em suas correntes
Carcereiras do discurso de sua memória?
Que tanto é um homem
Se de sua covardia
Faço as janelas que saem meu desejo?
Que tanto é
Que o meço assim
Em versos tão poucos?
(MARY, 2008, p. 68).
Página publicada em novembro de 2017
|